Shame
cine | Shame
Podemos acusar Steve McQueen de muitos pecados (o mais óbvio: vaidade, já que o homem adora mostrar que sabe filmar com elegância), mas não de se ausentar diante do personagem central de Shame, um homem viciado em sexo. O ponto de vista do cineasta é tão aparente que o filme parece transcorrer em duas linhas simultâneas: numa delas, conhecemos um personagem transtornado, em confronto com os próprios desejos; e, em outra, encontramos a faixa de comentários de McQueen sobre esse tipo transtornado, indicada por uma trilha sonora sempre pesarosa e por uma câmera fria, deadly serious, capaz de transformar cada encontro sexual em sessão de tortura.
O cineasta investe esforço para se colocar sempre ao lado do protagonista, usando uma série de recursos estilísticos (às vezes, com a sutileza de um Gaspar Noé) para tornar palpável, cinematográfica, uma tragédia íntima. A atuação de Michael Fassbender define com tanta precisão a agonia lacônica desse homem-zumbi (uma espécie de Psicopata Americano sem ironias, para a sensibilidade dos fãs de Drive) que resta a McQueen interpretá-lo, via instalações chiques de imagem&som. Provocam incômodo (em mim, é claro) as cenas em que o diretor dilata gratuitamente a ação ou vai pescar referências “cool” de De Olhos Bem Fechados (de Kubrick) e de Irreversível (de Noé). Um cineasta ainda in progress.
O arremate do roteiro também me parece acidentado. As primeiras cenas, que mostram o cotidiano doentio do personagem, são fortes porque prendem Fassbender numa estrutura circular, sem saída tanto pra ele quanto pro espectador. O filme vai titubeando e se despregando do eixo, no entanto, quando se vê obrigado a criar possibilidades de redenção ao anti-herói, seja na relação com a irmã invasora (ainda assim, até o diretor deixa tudo de lado pra ver Carey Mulligan cantando New York, New York), seja num clímax que providencia a fórceps uma inevitável descida ao inferno (lembranças tristes de Réquiem por um Sonho maltrataram minhas retinas). O diretor tenta se impor a todo custo, mas o personagem (ufa) o nocauteia — é mais complexo e singular que o filme em si.
(Inglaterra, 2011). De Steve McQueen. Com Michael Fassbender, Carey Mulligan e James Badge Dale. 101min. B