Selton Mello

cine | O palhaço

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Na revisão deste O Palhaço, finalmente entendi por que o filme me desagradou tanto: o terceiro ato, quando o personagem de Selton deixa o circo e sai pro mundo real, é de uma preguiça lamentável. Filmado sem muita imaginação, com uma pressa danada (e me parece uma das partes mais importantes da trama), esse trecho me incomoda mais que: 1. a overdose sentimental das últimas três ou quatro sequências; 2. a trilha sonora geleia-geral, cheia de firulas transnacionais pra impressionar fã de Gogol Bordello e Kusturica e 3. o spray sanitizante que o cineasta usa pra validar/filtrar aquilo que entende por “cinema popular”, com uma encenação aconchegante, bonita, inofensiva, afetuosa, lírica, sempre confirmando o nosso sagrado bom gosto audiovisual – um filme-irmão de 2 Filhos de Francisco, O Auto da Compadecida e de Segue o Seco, da Marisa Monte, portanto, pra ser exibido no Circo Voador depois de um show do Los Hermanos. Durante a projeção, acabei me identificando com o herói de Selton (que está muito bem no papel, aliás; acho até que dá pra escrever um belo texto relacionando a trajetória do ator com a composição deste personagem): um tipo sempre muito melancólico, desconfortável, querendo sair de cena e ir pra outro lugar.

(Brasil, 2011). De Selton Mello. Com Selton Mello, Paulo José, Giselle Motta e Teuda Bara. 109min. C

2 ou 3 parágrafos | Jean Charles

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jean

Ontem à noite, na bilheteria do cinema: “A mulher invisível. Uma inteira.” “Mas minha senhora, a sessão começou há meia hora.” “Então me dê uma inteira pro outro filme do Selton Mello.”

Acho que meu incômodo com Jean Charles (o “outro filme do Selton Mello”, 4.5/10) veio principalmente daí: as cenas sugerem uma produção barata e singela, com atores desconhecidos e um desejo de encenar a “vida como ela é”, o drama dos migrantes. Mas aí Selton Mello entra em cena e o que nos resta é um retrato distante, artificial, do brasileiro que morreu assassinado pela polícia de Londres. Ele está bem ou mal? Nem sei. O problema é anterior a isso: o personagem é, desde o início, engolido pela imagem conhecidíssima do astro.

Até os 15 ou 20 minutos finais, me pareceu um filme completamente primário e desinteressante. A narrativa é didática (as imagens do noticiário britânico são intercaladas ao dia a dia de Jean, por exemplo) e as cenas parecem trombar umas nas outras. Vai ter gente dizendo que são imagens “honestas”, uma homenagem “digna” mas, para mim, é tudo precário. No finzinho, o filme cresce um pouco quando apela para o sentimentalismo e atiça a indignação do público. As pessoas se comovem. Rage against the machine. Mas esse mesmo impacto poderia ter sido provocado por um documentário ou uma reportagem sobre o assunto, não?

No circuito

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questao

Depois de uma temporada corrida de festivais, cá estou eu de volta ao circuito. Assumo que ainda parece assustador entrar numa sala de cinema vazia às 19h30, sem o burburinho típico das mostras (nem legendas eletrônicas!). E que dá tristeza notar o descaso do público com um filme como A questão humana, que eleva o tal “circuito alternativo” a um patamar intelectualmente mais alto que o das comédias românticas argentinas protagonizadas por velhinhos simpáticos.

Pois bem: façam as críticas que quiserem à Mostra de São Paulo (há muitas, concordo com várias), mas sair de uma maratona daquelas e mergulhar de barriga num circuito de exibição previsível como o nosso dá tristeza. Nas páginas de jornal, há uns dez filmes que ainda não vi. Nove deles não me provocam nenhum interesse.

A questão humana | Nicolas Klotz | 8.5 

Um olhar vivo para o século 20: dos campos nazistas aos escritórios de grandes corporações, Nicolas Klotz faz um filme histórico que, em vez de tratar eventos do passado como peças inofensivas (guardadas em museus, sem risco de contaminação), detecta os ecos das nossas grandes tragédias no mundo contemporâneo. Transportar a História para o tempo presente – com todos os efeitos que o deslocamento provoca – é o desafio de Klotz.

Se a tese tem um quê provocativo (tecer relações entre os métodos de seleção dos nazistas e dos chefes de departamentos de Recursos Humanos pode soar como um golpe baixo), não há nada de ordinário na forma como ela é desenvolvida: a oposição entra a técnica e os sentimentos humanos – dilema que transporta o protagonista para uma espécie de transe – vai fraturando a própria narrativa, que se deixa afrouxar em seqüências como a de uma rave que, em determinado momento, pode ter se convertido num delírio, numa miragem. Talvez nos incomodemos com a imprecisão do filme, cheio de pontas soltas – mas aí, sugere Klotz, a culpa talvez seja do nosso mundo e do modo calculado como aprendemos a viver.

Feliz Natal | Selton Mello | 6

Ao mesmo tempo em que a estréia de Selton na direção comprova as ambições cinematográficas do ator (cuidadoso no trato com a imagem, ele não está nessa de brincadeira), já aponta para uma certa tendência ao gratuito. Não, Pedro Cardoso, não falo da cena de nudez de Graziella Moretto – que, aliás, cumpre uma função dramática na transformação sofrida pela personagem na metade final da trama -, mas de cenas, planos e movimentos de câmera que parecem existir apenas para chamar nossa atenção para o apuro visual do filme. Os closes nos rostos dos atores, sobrepostos a luzes estouradas de Natal, são um exemplo desse exibicionismo que, ok, não é nada surpreendente num filme de estreante.

Mas, se descontarmos as referências disparadas superficialmente (de Festa de família a O pântano, passando por Lavoura arcaica) e os diálogos que soam como piadas de bar, Selton faz um retrato até bastante afetuoso de uma família aos pedaços. O maior talento do diretor quase se esconde no excesso de firulas do filme: a generosidade no trato com os atores, que, em retribuição, defendem os personagens furiosamente. 

A duquesa | Saul Dibb | 5

Com o selo da BBC Films, é um daqueles dramas de época que sabotam temas que dariam pano para manga (no caso, os conflitos de um duquesa que é obrigada a escolher entre o amor que sente pelos filhos e pelo amante) em prol de um formato inofensivo. Tudo no filme, com exceção da performance contida de Ralph Fiennes, aparenta a impessoalidade de uma típica adaptação de Jane Austen – mas, aqui, o tom de leveza é trocado por uma atmosfera de resignação que o roteiro e o cineasta nunca dão conta de traduzir sem demonstrar a pressa de encerrar rapidamente as partes complicadas da trama e chegar logo à história de amor impossível.

E Keira Knightley, que nem é uma atriz tão limitada, parece ter aceito o papel de cheerleader da mediocridade alheia. Vale uma indicação ao Oscar?