Rufus Wainwright

mixtape! | abril, enquanto isso

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O post mais recente deste blog foi escrito no dia 30 de março, uma sexta-feira, e (ainda) contém uma mixtape. Um tempão depois, cá estou de volta pra mostrar que sou homem de palavra. Prometi mixtapes mensais, certo? Certo? Então certo.

Este cedê quase não viu o sol raiar, coitado, mas não vou esmiuçar essa história. Em resumo, foi um mês completamente peculiar. Não apenas porque mudei de cidade e tive que me adaptar a uma outra rotina (isso cês sabem), mas por uma série de motivos (pessoais, também profissionais) que foram me afastando do blog.

Quero voltar a escrever aqui, principalmente sobre música (porque novidades cinematográficas off-blog vão aparecer nos próximos meses, aguardem), e isso deve acontecer logo mais. Não parei de ouvir discos durante o mês, e esta (modesta) mixtape sintetiza (de alguma forma) o que aconteceu nas últimas semanas.

É um disquinho menos triste que os anteriores, e cheio de otimismo (ainda que um otimismo cinzento, se é que vocês me entendem).

Aqui dentro você encontra Spiritualized, Here We Go Magic, Chromatics, Lotus Plaza, Moonface (salve Spencer Krug!), Jack White, Bear in Heaven, Zammuto (tá lá na foto acima) e Rufus Wainwright.

Tá bonita a coletânea (a lista de músicas fica na caixa de comentários). Divirtam-se.

Faça o download da mixtape de abril.

Ou ouça aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Mixtape Abril, posted with vodpod

Mixtape! | O melhor de março

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Como diria B.B. King, a mixtape de março é for the ladies. Uma jukebox muito fina, ocasionalmente delicada (e fofa, em alguns trechos). Sei que esta afirmação pode parecer muito arrogante, mas não sou de guardar segredos: é a melhor coletânea amadora de todos os tempos.

Vocês não acreditam em mim, não é? Então aguardem.

O meu disco favorito de março é, aliás, de uma dama muito fina e valentona: o triplo (triplo? Triplo!) Have one on me, de Joanna Newsom. Mas, como a moça já apareceu na coletânea do mês passado, ela cede lugar ao sujeito estranho da foto acima: Dan Snaith, Mr. Caribou, é o autor do segundo grande disco de março: o flutuante Swim, que (lá vai outro segredo!) já entrou na minha lista dos 10 de 2010. Não sou o único fã: os bróderes doFranz Ferdinand rodou quatro faixas do disco antes do show que fizeram aqui em Brasília. E neles vocês confiam, não é? Pois é.

Mas vamos logo à melhor mixtape amadora de todos os tempos, ok? Reconheço que essas águas de março são até calorosas. Eu estava ouvindo as coletâneas dos meses anteriores e notei que são todas um tanto deprês, coisinhas tristes (mas muito bonitas, é claro). Resolvi juntar algumas músicas que não estragassem o nosso dia – e que, nos momentos mais elétricos, servissem para adeptos de bicicletas ergométricas e outros aparelhos de ginástica.

Foi com esse espírito saúde-é-o-que-interessa que comecei a definir as faixas. Mas aí percebi que, nas minhas mixtapes, tristeza é acorde maior. Essa minha tão típica indecisão resultou num CD em três movimentos: ele começa bem sacolejante, se embrenha numas guitarradas ruidosas e termina feito sussurro. Importante: soa escancaradamente agradável do início ao fim. Tem o lamento (muito tocante) de Rufus Wainwright, os adoráveis bebuns do LCD Soundsystem e do Drive-By Truckers, além de MGMT, Gorillaz, Lightspeed Champion, jj (com uma homenagem arrepiante ao Lil Wayne e ao The Game), She & Him…

Para manter uma certa discrição, a lista de músicas está ali na caixa de comentários (espero que os arquivos durem um pouco mais do que os anteriores). Sugiro que vocês ouçam o CD na ordem que eu defini. Garanto que desse jeito (e apenas desse jeito) ele fazer sentido. 

Faça o download da mixtape de março aqui (ou, se preferir, aqui).

All days are nights | Rufus Wainwright

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Talvez seja leviano julgar um disco pela capa (vide esta coisa medonha). Mas, no caso de Rufus Wainwright, não há erro: sempre existiu um esforço consciente de resumir a atmosfera de cada álbum já no projeto visual do encarte. O pop barroco de Want One e Two (2003/2004) era embalado num colorido kitsch, cafona de propósito. Já em Poses (2001), Rufus interpretava o personagem principal do disco: o popstar melancólico, condenado pela própria beleza. Release the stars (2007), o “álbum de Berlim”, abria com um detalhe do altar do Pergamon, um monumento pomposo reconstruído num dos museus mais visitados da Alemanha.

Existe uma qualidade cinematográfica nos discos do cantor e, até por uma questão de coerência, as capas funcionam como os melhores pôsteres: aqueles que vendem o peixe, mas não traem a obra.

É por isso que, para os fãs de Rufus, a maior surpresa sobre All days are nights: songs for Lulu começou a ser revelada assim que o cantor divulgou o “cartaz”. É, de longe, a imagem mais austera que ele já estampou num disco: um olho feminino, coberto por sombras e tingido em preto, encara a câmera. Apenas isso. E é espantoso como essa imagem contém a obra inteira.

Como suspeitávamos, não há cores extravagantes em All days are nights. Desta vez, o clique é seco. Olhos nos olhos. Fotografia granulada. Quando começou a rascunhar Release the stars, Rufus planejava um disco inteiro de canções interpretadas somente com voz e piano. Na turnê, chegou a apresentar-se sem banda (no show excelente que fez aqui em Brasília, por exemplo). Mas, talvez instigado pelo produtor Neil Tennant (Pet Shop Boys) e pelas boas experiências em Berlim, acabou criando um disco ensolarado, sereno e pop. No novo, ele retoma aquela antiga ideia num momento especialmente difícil: pouco depois da morte da mãe, a cantora Kate McGarrigle, Rufus expurgou um disco que soa como um réquiem respeitoso, contido.

Não é só a pose glam, as afetações calculadas e o teatro de excessos que perdem a vez. Até o humor venenoso e autocrítico, uma das características que contaminam todos os discos de Rufus, se ausenta num álbum que, se fosse um filme, teria sido dirigido com as restrições do movimento Dogma 95. Nada de orquestras, coros, guitarras, teclados, canções alegres ou finais felizes. Os versos dessas canções de despedida, à exceção de três sonetos de Shakespeare (voltaremos a eles), são quase singelos: cartas de família, páginas de diário, conversas ao telefone, confissões rabiscadas às pressas. Essa falta de rebuscamento parece proposital, como se Rufus quisesse compor um disco tão cru e desencantado quanto Pink moon, de Nick Drake, e Tonight’s the night, de Neil Young.

Pelo menos até a quinta faixa, All days are nights filia-se rigorosamente a essa linhagem: é a sequência de canções mais tocante que Rufus já gravou (e não é por capricho que, nos shows, ele toca todas as músicas do disco sem intervalos para aplausos). Para quem está disposto a ouvir estas confissões, a sensação de cumplicidade é inevitável. Em Who are you New York?, a faixa de abertura, Rufus caminha desnorteado pela cidade, que tornou-se irreconhecível. Na segunda faixa, Sad with all I have, admite que é um homem infeliz e, com o discurso romântico que lhe é muito típico, admite que só encontra conforto numa única pessoa.

As melodias, gentis e doloridas (ainda com a empostação teatral que é a marca do cantor), parecem citar Cole Porter, o Frank Sinatra de In the wee small hours, o Elvis Costello mais jazzístico. Na terceira canção, Rufus tira de vez a máscara. O autor está nu. Martha é a reprodução de um diálogo com a irmã, Martha Wainwright. “Está na hora de irmos visitar nossa mãe no Norte. As coisas estão ficando mais difíceis. Não há mais tempo para ficarmos irritados um com o outro”, canta. Num andamento mais acelerado, Give me what I want and give it to me now indica a perda da fé. A seguinte, True loves, celebra os amores verdadeiros com a simplicidade de uma canção teen. “Um coração de pedra nunca vai a lugar algum”, diz, sem cinismo.

Eis que, daí em diante, o disco transforma-se em outro. O conceito musical permanece – voz e piano, sempre -, mas a ideia de musicar três sonetos shakespearianos acaba por provocar um desnível no repertório. Existe uma conexão clara entre os poemas e o disco, e é curiosa a experiência de combinar a escrita floreada dos poemas com o estilo econômico do disco. Mas essas músicas provocam um desvio de rota quase definitivo, e um tanto frustrante para quem acompanhava o disco até ali (as faixas fazem parte de um projeto desenvolvido por Rufus com o diretor de teatro Robert Wilson).

As canções seguintes não provocam os calafrios da primeira parte do disco. Em The dream, Rufus lamenta que todo sonho vem acompanhado de um pesadelo. Nesse ponto, as limitações sonoras começam a incomodar. A última música, no entanto, volta a emocionar: Zebulon lembra do período em que Rufus passou cuidando da mãe, que enfrentava um câncer. “Minha mãe está no hospital, minha irmã está na ópera, eu estou apaixonado, mas não vamos falar sobre isso”, comenta. “Seu nariz sempre pareceu grande demais para o seu rosto. Mas ele faz com que você pareça sexy, mais como uma pessoa que pertence à raça humana.”

E aí o álbum termina. Sem clímax nem nada. Nas condições em que foi escrito e gravado, talvez não haveria outra saída. Rufus sempre escreveu canções que espelham as próprias experiências, e All days are nights não é exceção. Segundo ele, o subtítulo do disco, Songs for Lulu, refere-se a uma personagem (Lulu) que simboliza a escuridão humana. Ainda assim, é um álbum menos sombrio do que parece: aos 36 anos, Rufus entende que, diante da morte, toda revolta é inútil. Prefere refletir serenamente sobre tristezas que são incontornáveis.

Release the stars já indicava a mudança. Mas é em All days are nights que Rufus encara a idade adulta. Para quem o acompanha, será como encontrar o retrato de um outro artista. Eu também senti um certo incômodo. Com alguma paciência (e desprezando a segunda parte do disco, que dilui um início extraordinário), esse performer sem maquiagem parecerá estranhamente comum – um príncipe expulso do reino, perdido num mundo igual ao nosso.

Sexto disco de Rufus Wainwright. 12 faixas, com produção de Rufus Wainwright e Pierre Marchand. Lançamento Decca/Polydor. 7/10

50 discos para uma década (parte 3)

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Meio caminho andado, vamos à longa, tortuosa lista dos meus favoritos da década. Lembrando que é uma lista que não tem o objetivo (pelo menos não totalmente) de mapear o que de mais relevante e interessante foi lançado no período – no fim das contas, é apenas a relação dos discos que amo e guardo comigo.

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30. Yellow house – Grizzly Bear (2006)

Depois da estranheza inicial, já podemos tratar o Grizzly Bear como uma banda de indie rock não tão alienígena. O terceiro disco deles, Veckatimest (2009), afirma uma marca que hoje começa a soar talvez excessivamente familiar (melodias sideradas à Brian Wilson, coros texturas de acordes que sugerem paisagens exóticas e, acima de tudo, um desejo tocante pela canção mais sublime). Mas ainda é impossível esquecer o impacto de Yellow house, um transe folk que de vez em quando até produz  uma ou outra obra-prima pop. E tem Knife, uma das melhores canções da década. 

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29. Poses – Rufus Wainwright (2001)

Depois de uma estreia com queda pelo pop barroco, o segundo disco de Rufus Wainwright chegou cercado de expectativas. E ainda soa assim: como um testamento, um ato ambicioso de autoafirmação. Sem esconder-se em nichos, Wainwright adapta as próprias manias a um contexto pop. Com versos que beiram o rococó (um disco com imagens de príncipes e anjos malvados, enfim) e empostação às vezes quase operística, o cantor busca um lugar no mundo (e encontra) enquanto narra os pesadelos de celebridades amaldiçoadas pela própria beleza. No projeto seguinte, o duplo Want, essas e outras obsessões seriam amplificadas em formato widescreen. Mas o nascimento de um autor já havia sido registrado – aqui, em Poses.

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28. Rings around the world – Super Furry Animais (2001)

O álbum mais polêmico dos galeses (à época do lançamento, muitos trataram como uma jogada comercial que não deu tão certo), a estreia da banda numa grande gravadora é um blockbuster multicolorido que pareceria simplesmente ridículo se não soasse bem humorado, irônico e absolutamente criativo. Eles gravaram discos tão tresloucados quanto (Guerrilla, por exemplo), mas nenhum tão seguro das próprias sandices. Depois dele, a banda entraria numa fase de maturidade quase serena (e previsível). Mas o “álbum pop” do Super Furry Animals é o tipo de megalomania que compensa. The Who e Queen aprovariam (e eu lembro de ter passado três ou quatro meses ouvindo sem parar).

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27. Boys and girls in America – The Hold Steady (2006)

A crônica dos meninos e meninas da América encontrou um narrador: no rock americano, é Craig Finn quem mais entende as oscilações da juventude – os dramas, do tédio, do inferno e do paraíso. Ainda assim, poucos esperavam por um disco tão perfeito quanto Boys and girls in America. Depois de ter criado a trilha para as vidinhas triviais de uma turma de personagens mais-ou-menos desajustados (e também adoráveis, estúpidos, inseguros), o Hold Steady escreve os hinos de uma geração perdida. Os versos valem por si só (e Stuck between stations é emocionante do início ao fim), mas a banda envolve as narrativas com melodias que poderiam estar num dos grandes discos de Bruce Springsteen.

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26. Illinois – Sufjan Stevens (2005)

O grande disco de Sufjan Stevens é um estado inteiro: excessivo, caótico, contraditório e muito mais ambicioso do que teria o direito de ser. O impressionante é como o compositor consegue se colocar à altura de tanta ambição (e quem não abandonou o disco de primeira sabe que não há uma única faixa sobrando) e cria um álbum tão cuidadoso quanto emotivo e pessoal – um mapa sentimental para uma Illinois de monumentos imponentes, serial killers melancólicos e de lembranças que definem a aparência das paisagens. Provavelmente Sufjan não vai conseguir fazer nada igual. Mas tudo bem: já fez, e ainda soa inacreditável. 

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25. Franz Ferdinand – Franz Ferdinand (2004)

Entra na lista como um dos discos britânicos fundamentais da década (um sucesso comercial que influenciou meio mundo), mas não só por isso. Se todo o revival do pós-punk teve um quê patético, Alex Kapranos soube perfeitamente como tratar a febre indie com um sorrisinho ácido – e, no som do Franz Ferdinand, há tanto de Talking Heads e Gang of Four quanto de Damon Albarn e Jarvis Cocker. A estreia da banda pode não ter provocado a surpresa de Strokes e White Stripes, mas acabou produzindo alguns dos hits mais duradouros da década: a começar por Take me out, que ainda toca nas festas como se tivesse sido lançado há um mês. Os dois álbuns seguintes repetem o truque.

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24. Sea change – Beck (2002)

O Blood on the tracks de Beck Hansen é uma obra-prima do amor perdido. A história é velha: depois de sofrer uma crise sentimental, compositor grava um álbum de baladas confessionais e tristes. Quem tratou Sea change como uma dor de cotovelo passageira perdeu a melhor parte do drama: acostumado a calcular os próprios projetos como quem desenha maquetes para uma obra, Beck se arriscou a expor os próprios fantasmas sem abandonar a obsessão por álbuns de pop art, conceituais. Com influências de folk britânico e pop francês, o disco convoca Nick Drake, Air e Dylan para uma viagem ao fundo da noite. Nigel Godrich produz como quem escreve uma carta de amor – gentilmente. Depois disso, Beck voltaria aos bons tempos e (santa ironia!) gravaria os discos mais confusos e desconjuntados da carreira.

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23. Oh, inverted world – The Shins (2001)

O fenômeno mais surpreendente da década atendeu por The Shins, uma banda de New Mexico que, sem guitarras ruidosas ou hits do tamanho do mundo, se transformou no maior sucesso da Sub Pop desde o Nirvana. Quem explica? Ainda que alguém tente, é melhor lembrar que a “bandinha” ensinou algumas lições aos candidatos a Axl Rose: com 30 minutos de melodias delicadas, é possível ganhar o mundo. A aparência de total despretensão, no entanto, é enganosa: com o tempo, o indie rock econômico da banda revela uma precisão quase microscópica (e qualquer um dos discos da banda acaba soando atemporal) e apaixonante, atualização generosa do pop psicodélico dos anos 1960. Não é por pouco que Natalie Portman não desgruda dos headphones…  

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22. Blueberry boat – The Fiery Furnaces (2004)

O Fiery Furnaces começou a década como uma banda incompreendida e termina exatamente do mesmo jeito. Taí o preço que se paga por querer fazer as coisas da forma mais complicada. No primeiro disco, Eleanor e Matthew Friedberger viraram alvo de uma imprensa musical à procura de um novo White Stripes. Azar o dela. Blueberry boat coloca os pingos nos is. Uma ópera-indie em três dimensões, soa como o oposto perfeito de qualquer projeto de Jack White – e cria uma ponte inusitada entre The Who e Captain Beefheart. É um dos discos mais originais da década – mas quem tem paciência para canções de oito minutos que se desdobram em vinte outras melodias que se multiplicam em cinco refrãos inesquecíveis e descambam em três faixas que não deram certo? Não me pergunte.

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21. Antics – Interpol (2004)

Antes de assinar com uma gravadora grande e diluir os próprios métodos, o Interpol era uma banda que interpretava o rock sombrio dos anos 1980 com o olhar de quem cresceu assistindo a Kurt Cobain na MTV. Turn on the bright lights provocou susto, mas foi com Antics que a banda se sentiu confortável para abrir uma fresta e escrever alguns dos novos clássicos de uma onda que recebeu o apelido genérico, e enganoso, de “novo rock”: Evil, NARC, Slow hands e uma abertura (Next exit) que soaria como um anticlímax se não fosse interpretada com tanta convicção. E isso, apesar de tudo, Paul Banks tem de sobra: ele canta como se estivesse na beira do precipício, e a gente acredita.