Ron Howard
2 ou 3 parágrafos | Anjos e demônios
Não sei se captei corretamente a lição deste thriller meio apalermado, mas acredito que ele nos ensina algo importante: toda igreja é formada por seres humanos, todos os seres humanos são falhos e alguns padres sobrevivem a extraordinárias quedas de helicóptero. É por aí?
De qualquer forma, Anjos e demônios (5/10) é um avanço tremendo se comparado ao sorumbático O código Da Vinci. Ron Howard, o faz-tudo, finalmente parece ter entendido que os livros de Dan Brown devem ser tratados unicamente como pretexto para filmes B que não valem um tostão. Com padres voadores. Bombas que contêm chaves para a origem da vida. E um simbologista preparadíssimo, mais atento e sagaz que centenas de oficiais da pateta polícia italiana (já os guias turísticos, meu bom deus, têm doutorado e o diabo a quatro).
Os personagens são divididos em dois grupos: os que pensam rápido demais e os que têm segundas intenções (e jacas no lugar dos cérebros). Ewan McGregor capta o espírito da coisa, hilariante como uma espécie de Gugu Liberato do Vaticano. Imagino que, com um diretor mais delirante (John Woo?) e tramas escritas pelos roteiristas de Lost e 24 horas, teríamos uma bela franquia (televisiva) de ação. Mas Ron Howard é carola demais para tratar a santa casa como parque de diversão. Daí o mea culpa com a Igreja (todos somos falhos, sim, mas o ponto nunca foi esse, meu irmão!) e uma reviravolta final que manda todo o resto do filme ao quinto dos infernos. Estúpida, mas não no sentido espertinho da coisa.
Frost/Nixon
Frost/Nixon, 2008. De Ron Howard. Com Frank Langella, Michael Sheen, Sam Rockwell, Kevin Bacon e Matthew Macfadyen. 122min. 5.5/10
De 2000 a 2008, Ron Howard filmou uma fábula natalina (O Grinch), o perfil de um gênio esquizofrênico (Uma mente brilhante), a Grande Depressão (Cinderella man), um faroeste (Desaparecidas) e um best seller com pano de fundo religioso (O código Da Vinci). Com bastante esforço, talvez será possível encontrar relações entre os longas do cineasta. Mas acredito que ele queira apenas narrar as “boas histórias” – ou aquilo que toma por “boas histórias”.
Howard não será lembrado por nossos netinhos como um bom cineasta, mas sai-se bem como símbolo da eficiência hollywoodiana. Narrar “boas histórias” de forma correta – eis a especialidade do homem.
E o que faz uma “boa história”, Ron Howard style? Ela contém um conflito sem muita ambiguidade (a filha sequestrada, a miséria que aflige o homem de bem) e personagens carismáticos (o matemático extraordinário, o detetive interpretado por Tom Hanks). Frost/Nixon também é assim: um drama político de forte potencial simbólico adaptado a uma fórmula simplezinha (mas, repito, eficiente) de cinema de entretenimento.
O duelo entre Richard Nixon – o homem público carrancudo, mas dono de uma retórica assombrosa – e o apresentador de tevê David Frost – o zé-mané expert em futilidades, mas adorável de tão ingênuo – é reduzido por Howard a uma luta de telecatch. Mastigadinho, o drama perde os meios-tons quanto mais se adequa às generalizações típicas do cinema de Howard.
Entre os cinco concorrentes ao Oscar de melhor filme (e aí incluo Quem quer ser um milionário?), talvez seja o mais fluente e divertido. A narrativa é acelerada, mas nunca confusa. A inspiração teatral do roteiro se faz muito pouco visível (ainda assim, o roteiro de Peter Morgan, calcado em diálogos velozes, é prato cheio para os atores) e não há um único detalhe que fuja do padrão de qualidade técnico de um seriado transmitido pela HBO.
É um daqueles filmes que faz as pessoas afirmarem coisas como “nem vi o tempo passar!”. Ron Howard sabe trabalhar a arquitetura do entretenimento palatável. Frost/Nixon é todo assim, agradabilíssimo. Cerradas as cortinas, é exatamente com isso que ficamos: dois grandes personagens pelo preço de uma matinê.