Roman Polanski

2 ou 3 parágrafos | A árvore da vida

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Numa biografia que acaba de ser traduzida no Brasil, o autor, Christopher Sandford, parte do principio de que O pianista (2002) é a obra-prima de Roman Polanski. Para ele, é indiscutível: o cineasta passou 30 anos ensaiando para um drama que, indiretamente, remete a lembranças pessoais sobre o holocausto. Mas seria isso mesmo? Eu diria que O pianista tem um grande tema — ainda que seja inútil medir a importância dos temas –, mas me parece até pequeno perto de O bebê de Rosemary (1968) ou Repulsa ao sexo (1965). Filmes que, apesar de não tratar de assuntos tão enormes, veem o cinema com mais atrevimento, mais alegria. “Gosto de brincar com a câmera. Para mim, filmar é o mesmo que um trem elétrico representa para uma criança”, disse Polanski.

Não vou nem tentar comparar Terrence Malick a Polanski (cada planeta pertence a um sistema solar) — mas, pra mim, A árvore da vida (The tree of life, 58) só pode ser considerada a obra-prima do diretor de Badlands se usarmos o critério que Sandford aplica para supervalorizar O pianista: são filmes sobre temas “grandes”. No caso de Malick, ainda mais: o cineasta narra o cotidiano de uma família americana (e, nesse ponto, também existe algo autobiográfico aqui) numa perspectiva panorâmica, superwidescreen. Num determinado momento, ele interrompe a trama para reconstituir as etapas da criação do mundo, numa digressão que me obriga a escrever neste post (eu fui obrigado!) o seguinte título de filme: 2001 — Uma odisseia no espaço. Está claro, em cada fotograma, que o cineasta tem apetite para o menu-degustação completo.

A intenção de Malick era criar uma obra-prima (nunca foi diferente, em nenhum dos filmes que dirigiu). Mais interessante que isso – e digo isso como um sujeito que se sente um grão de areia diante dessa discussão cósmica – é acompanhar a transformação penosa desse objetivo, esse “maior tema entre os temas”, em cinema. Dá até um pouco de aflição. Um amigo meu diz que muitos dos textos sobre A árvore da vida são mais potentes que o filme, e concordo: talvez a culpa seja minha (todos os espectadores têm limitações), mas notei apenas um catálogo de imagens supostamente bonitas e sentimentais (mas que me parecem superficiais e frias), mergulhadas num clima etéreo new age, escondendo uma parte pequena de cenas que mostram um olhar pessoal para a vida, o universo e tudo mais. É um incrível projeto de obra-prima. Mas e daí? Estamos interessados nos projetos (e nos temas) ou nos filmes em si?

Os melhores filmes de 2010 (20-11)

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Em 2010, este blog tratou os filmes com descaso. Poucos parágrafos, ideias mortas na praia, bloqueio criativo, crises de identidade… O tipo de drama que você encontra em roteiros do Charlie Kaufman e em coletivas de imprensa do Lars von Trier. Mas, curiosamente, na soma dos rounds, o cinema venceu: foram 270 filmes contra 140 discos. Um punhado de película.

Assumo a culpa. Erro meu. Talvez as coisas melhorem em 2011. Daí que, até como uma forma de pedido de desculpas, eu não poderia esquecer o tradicional resumo da ópera. Ou: o ranking dos 20 melhores filmes do ano.

As regras são as de sempre: entram na lista apenas os filmes que foram exibidos no circuito brasileiro em 2010. Não contam, por isso, os que vi em mostras ou em DVD.

Esse método antiquado traz, é claro, algumas consequências desagradáveis. Por exemplo: como fazer justiça a Tio Boonmee, Mistérios de Lisboa, Somewhere e tantos grandes filmes que vi durante o ano? Para tentar resolver o problema, fiz uma lista com os longas de 2010 que ainda não entraram em cartaz. Ela aparece no post seguinte, aguardem.

Em compensação, este universo em retração — os filmes exibidos no nosso circuito — permite que este ranking não se torne excêntrico demais. A ideia das listas é organizar o caos, certo? Então comecemos o jogo.

Mas sem menções honrosas, que aí seria forçar amizade.

20 | A caixa | The box | Richard Kelly

O pai de Donnie Darko dirige um episódio alongado de Twilight zone. Que, sem temer o ridículo, faz justiça aos momentos mais delirantes da série de tevê.

19 | A fita branca | Das weisse band | Michael Haneke

O drama bergmaniano de Haneke: tão solene quanto um discurso de vencedor do Nobel da Paz. Mas não consigo desprezar um cineasta que produz imagens rigorosamente desconfortáveis.

18 | Invictus | Clint Eastwood

Uma ode a Mandela. Mais: uma fita de esporte dirigida serenamente. E, antes que esqueçamos, um comentário lúcido sobre relações políticas. Clint avisa: não é treino, é jogo.

17 | Toy Story 3 | Lee Unkrich

A animação que ensopou os óculos 3D não me comoveu como os dois episódios anteriores. Mas há como resistir? A fórmula sentimental/tecnológica da Pixar ainda tem seu encanto.

16 | A falta que me faz | Marília Rocha

Para descobrir por que os mineiros do coletivo Teia fazem alguns dos melhores filmes brasileiros deste século: um documentário sem certezas, e delicado da primeira à última cena.

15 | O escritor fantasma | The ghost writer | Roman Polanski

Polanski dirige um noir em azul e branco, gélido (e, para o meu gosto, tedioso em alguns trechos), que vale por um autorretrato. Bônus: a ironia perversa de sempre.

14 | Meu mundo em perigo | José Eduardo Belmonte

O longa que Belmonte dirigiu entre A concepção e Se nada mais der certo tem os olhos cheios d’água. Um pequeno guia: como se aproximar dos personagens (e de suas aflições) com total franqueza.

13 | Scott Pilgrim contra o mundo | Scott Pilgrim vs. the world | Edgar Wright

Um game que quase nos vence nas últimas fases (confesso que me senti anestesiado), mas com os 30 minutos iniciais mais hilariantes do ano. Edgar Wright, you win.

12 | O que resta do tempo | The time that remains | Elia Suleiman

Um dos maiores temas do século 20/21 (os conflitos entre israelenses e palestinos no Oriente Médio) tratado como uma questão pessoal. Um diário, e ele sangra.

11 | A rede social | The social network | David Fincher

Perfil impiedoso do criador do Facebook e de uma geração que criou um novo modelo de comunicação e de negócios (mas era isso o que queríamos para nossas vidas?). Fincher, contido, observa de longe.

2 ou 3 parágrafos | O escritor fantasma

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Devo, preciso rever O escritor fantasma (3.5/5) o quanto antes, e por isso evitei escrever algo sobre ele (até agora). Mas que seja: blogs são como cadernos de anotações, e, se eles não servem para divagações inconclusas, para que servem? Me sinto obrigado a rever o filme simplesmente para prestar um pouco mais de atenção à trama noir, que me desinteressou quase que por completo. Era como se a historinha (um Fusca) transitasse numa rodovia enquanto o restante do filme (uma Ferrari), deslizasse numa estrada paralela.

E neste mundão que chamo de ‘restante do filme’ incluo o personagem principal (um ghostwriter catatônico, vítima de sabe-se-lá-quem, ótima interpretação de Ewan McGregor), a fotografia acinzentada de Pawel Edelman, mais fria que a morte, e, é claro, a sombra de Roman Polanski, que fez um thriller com um quê kafkiano, fantasmagórico. Que pode sim ser lido como o pesadelo de um homem condenado e preso. 

Nas atuais circunstâncias, é uma leitura muitíssimo óbvia (Polanski, sabemos, está confinado na casa onde vive, na Suíça, condenado por um crime que já foi perdoado até pela própria vítima). É empobrecedor vincular a interpretação de um filme à biografia de seu autor, mas não consegui evitar. Passei a sessão inteira imaginando o filme como um delírio do cineasta, lucid dream (daí que desprezei a trama, com todas aquelas paranoias políticas bobíssimas que cairiam bem numa fita entediante de Paul Greengrass). A casa em cinza-gelo, a ilha americana coberta por névoa, a sensação de que o tempo está suspenso, a impressão de claustrofobia e isolamento. Tudo isso já apareceu em vários filmes do diretor (A morte e a donzela me pareceu uma referência muito próxima), mas o sentido se renova e, por um momento, é como se ele nunca tivesse feito este filme e como se este fosse o único filme que ele poderia ter feito neste exato momento. Saldo da experiênca: saí do cinema querendo rever a filmografia de Polanski, mas sem vontade alguma de ler livros de Robert Harris.