Rolling Stones
Os discos da minha vida (44)
Enquanto aperto as roupas na mala para sair de férias logo mais (cinco ou oito pares de meia?, eis a questão), deixo vocês com mais um capítulo da saga dos 100 discos da minha vida.
Lembrando que, apesar da falta de entusiasmo do blogueiro (é uma viagem longa, estou um caco!), estamos muito perto de entrar naquilo que chamariam de reta final. Isto é: o top 10 vem aí.
Ok, eu deveria estar mais empolgado: o TOP 10 VEM AÍ, meu povo!
Certo. Assim está melhor. Mas vocês sabem que a ideia de um top 10 significa muito pouco (quase nada) quando estamos falando de um ranking absolutamente pessoal, cheio de tiques e manias estranhas, que diz respeito a este blogueiro e a mais ninguém. É uma lista dos discos da minha vida. O que, no mais, bloqueia qualquer tentativa de debate ou polêmica sobre os álbuns que deveriam ou não deveriam estar aqui. Este não é o ponto da discussão, meu bróder. Nem nunca foi.
Também lembro que é possível fazer o download desses discos tão especiais. É fácil, é só clicar, e você não paga nada por isso. Entendido? Então até logo mais. E me deixem descansar um pouco, tá?
014 | Sticky fingers | The Rolling Stones | 1971 | download
Mick Jagger comentou mais de uma vez que, se pudesse, teria regravado Exile on Main Street (1972). Não gosta da mixagem, que avalia como empolada e confusa. Obviamente, não devemos confiar nele: preciosismo tem limites. Mas, heresias à parte, não lembro de ter lido nenhuma observação maldosa do sujeito sobre o disco anterior, Sticky fingers – e seria bom se, nesse caso, o homem ficasse quieto. Porque Sticky fingers, para mim, cristaliza em 46 minutos tudo aquilo que amo nos Rolling Stones – e tudo aquilo que eles não conseguiram repetir completamente desde então. É de uma precisão absoluta. E nem por isso contido (pelo contrário: existe tanto sentimento nessas canções que o suor parece molhar a capa do disco). Os Stones sempre foram uma banda de blues que precisou se adequar aos formatos em voga no rock. Mas, neste disco aqui, eles fazem o percurso contrário: nos vendem um disco de rock que, do início ao fim, experimenta praticamente todos os fundamentos do blues. E isso (percebam a sagacidade) sem soar nostálgico ou reverente aos ídolos. Não, não era apenas rock ‘n’ roll. Top 3: Wild horses, Sway, Brown sugar.
013 | XO | Elliott Smith | 1998 | download
O disco mais subestimado, mais injustiçado, mais incompreendido (etc!) de Elliott Smith é aquele que eu sempre ouço com o coração na mão. Se Either/or (que já apareceu neste ranking) era malpassado e sangrento, XO me parece um desafio ainda mais tocante: contratado por uma gravadora grande (a Dreamworks, de Geffen e Spielberg), o nosso herói resolveu gravar um álbum pop. Mas o interessante é notar o que ele entende por pop: um disco-diário de Nick Drake com os arranjos vocais de Brian Wilson, as melodias redondinhas de Paul McCartney e a produção límpida de um Nigel Godrich. É nessa espécie de paraíso sonoro (com nuvens branquinhas ao redor) que Smith aconchega algumas das canções mais otimistas da carreira: sons de libertação (Independence day) e euforia (Bottle up and explode, Everybody cares everybody undestands). Sons também de utopia, de ilusão: entre uma faixa mais alegrinha e outra, aparece na fresta o rosto triste de um homem que não consegue sustentar o sorriso por muito tempo. “What a fucking joke”, ele desabafa, como quem conclui algo importante sobre a vida, a música, o pop e tudo mais. Top 3: Independence day, Tomorrow tomorrow, Everybody cares everybody understands.
Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.
Os discos da minha vida (30)
É carnaval, afinal: a saga dos 100 discos que jogaram serpentina na minha vida apresenta dois clássicos para ouvir antes da quarta-feira de cinzas.
O blog está um pouco combalido, coitado, numa eterna ressaca de viver, mas este ranking não nega fogo. É muito chão, ó folião. Muito samba, suor e download.
Se este blog fosse uma escola do grupo especial, estes discos desfilariam na velha guarda, ensinando à ala dos novatos como é que se dança.
O download é obrigatório. Minto: não é obrigatório nada, já que obviamente vocês conhecem os disquinhos como a palma da mão.
E perdoem o desânimo. Este post foi escrito quando o trio elétrico passou na poça de lama e deu um banho no sujeito que estava ali no calçamento. O sujeito era eu. Em outras palavras: muito trabalho e pouca diversão fazem do Tiago um blogueiro sem paixão.
E chega de concentração.
042 | Younger than yesterday | The Byrds | 1967 | download
“Então você quer ser um astro de rock ‘n’ roll?”, provoca o Byrds, logo na faixa de abertura deste disco. Antes de inventar o country rock (e Sweetheart of the rodeo é desses discos indispensáveis), a banda de Jim McGuinn e David Crosby ajudaram para criar a ideia de juventude que fez dos anos 60 uma década fundamental para a música pop. Genial já no título, Younger than yesterday é todo dedicado a essa mescla de ingenuidade e atrevimento, como se dissesse adeus a um tempo que estava prestes a mudar. No lado B, a versão para My back pages (Bob Dylan) funciona como uma declaração de intenções: uma banda de rock um tanto saudosista, mas que nada pode fazer além de olhar para frente — quase por acaso, ia deixando discos extraordinários no meio do caminho. Top 3: Have you seen her face, My back pages, So you want to be a rock ‘n’ roll star
041 | Exile on Main St. | Rolling Stones | 1972 | download
Ninguém deve entrar na discografia do Rolling Stones por esta porta aqui, mas foi o que aconteceu comigo. Não me arrependo, mas audições compulsivas de Exile on Main St. podem lançar uma luz dura, cruel, sobre os outros álbuns da banda. Seria melhor tratamos como uma espécie de hors concours: nas primeiras audições, soava como pura selvageria — a longa jornada de um grande grupo de rock rumo à selva do blues. Literalmente: soul music. Depois, já conhecendo a história do disco, percebi que ele vai muito além de uma homenagem a certas tradições americanas. Este mamute registra os humores de uma banda que é sim gigantesca, por vezes caótica, e, por isso tudo, se revela por completo quando numa sala espaçosa, com tempo livre, dezenas de guitarras coloridas para brincar. Um retrato ampliado, este aqui. Top 3: Shine a light, Tumbling dice, Rocks off.
Humbug | Arctic Monkeys
Choque de gerações. Aprendi o significado da expressão quando comecei a trabalhar ao lado de um jornalista pra lá dos 60 anos (ele não revela a idade, mas fiz as contas) que foi convidado para a cerimônia de batismo da Tropicália e muito possivelmente entrevistou Renato Russo quando o vocalista da Legião Urbana ainda comia papinha de maçã e usava fraldas descartáveis. Um repórter admirável, aliás.
Há uns três meses, dividimos a mesma estação de trabalho (a forma elegante como chamamos a bancada fina e acinzentada que ampara os computadores e toda a nossa tralha). Honestamente: não é a convivência mais tranquila que o Ocidente conheceu, mas nos esforçamos para manter um clima de compreensão mútua e solidariedade, na medida do possível. Ele tem manias que me incomodam – exige, por exemplo, que meus fones de ouvido sejam mantidos a pelo menos 50 centímetros do teclado que ele usa. Eu não posso reclamar: tenho tiques que não sei exatamente o quão irritantes soam.
O que nos une, de certa forma, é o amor obsessivo pela música. Ainda assim, mesmo quando é esse o tema em pauta, o diálogo trava. É impossível. Ele se esforça para entender as novidades que aparecem e desaparecem a cada 15 dias. Eu sou curioso, quero conhecer o passado e tenho uma tendência a colocar as experiências dos outros em perspectiva histórica. Sou tolerante, compreensivo, um bom filho e um amigo fiel. Sou quase um labrador. Mas, volta e meia, perco o ânimo quando ele deixa escapar uma daquelas perguntas que, para um repórter de música que nasceu ainda na primeira metade do século 20, são incontornáveis.
– Não consigo entender. Este mundo, as coisas, música, tudo… Tudo anda tão… Veloz.
Eu sempre argumento com alguma reflexão zen do tipo:
– Tente encarar as coisas de uma forma mais desarmada. Elas são como são. É melhor entendê-las antes de tomar partido. Depois de entender o que acontece, aí sim.
– É, mas eu sei é que não gosto, não gosto mesmo disso, das coisas como elas estão.
E ponto. Não vejo como avançar na conversa.
Hoje o assunto voltou à baila. Eu estava escrevendo uma longa matéria sobre discos que foram lançados em 1969 e viraram clássicos. Ele aproveitou a deixa para voltar à tese de que, na música pop, nada, nada será comparável ao passado – que é belo, reluz e continua vivo, apesar de tudo.
– Fico até pensando: será que acabou?
Me esforço para mostrar que estamos numa época diferente, tão nova e estranha que às vezes, por uma questão de segurança, obriga que a tratemos de uma forma despreocupada. 1969 acabou. O sonho acabou, etc. E que há novos parâmetros em jogo. A velocidade como as novidades hoje se desdobram é um desses fatores. Tentei teorizar sobre o papel das gravadoras, que desabam aos poucos. E, finalmente, procurei sugerir que, num cenário de fragmentação total, a própria ideia de longevidade parou de fazer tanto sentido. O que importa, verdadeiramente, se uma banda de rock vai durar 30 anos e gravar 15 discos?
– Eu até entendo, Tiago, mas sou de uma época em que as boas bandas de rock eram as que duravam. Beatles e Rolling Stones ainda são Beatles e Rolling Stones. E fico com elas.
Acredito que foi aí, exatamente nesse ponto da conversa, que puxei da cartola o novo disco do Arctic Monkeys. Era um bom exemplo a ser usado, já que o repórter havia visto um show da banda (como eu disse, ele se interessa pelas novidades mais comentadas, e admiro essa disposição).
– O terceiro disco do Arctic Monkeys ainda não chegou às lojas. Na verdade, esse fato é irrelevante. Ele está na internet e por isso as pessoas já ouviram, comentaram, avaliaram. Gostaram ou odiaram, tanto faz. Acontece que esse evento, o lançamento do terceiro disco do Arctic Monkeys, já aconteceu. Já passou. Estamos prontos para o quarto disco do Arctic Monkeys, ainda que isso não nos preocupe tanto assim. Você entende a lógica da coisa?
– Entendo. Mas não tem graça.
Voltei para casa pensando nisso, nessa última frase do diálogo. Qual é a graça? Explicar um procedimento que me parece tão simples (baixar música, ouvir, opinar e seguir adiante baixando, ouvindo e opinando) virou uma tarefa complicadíssima. Sou dos que acreditam que a cultura pop vive um momento de transição, ainda dividida entre hábitos antigos e novíssimos. Todas as bandas de rock, por exemplo, entendem que a velocidade hoje se impõe – que não há mais tempo para que passemos seis meses diante de um disco novo, analisando cada acorde e formando opinião. Mas, simultaneamente, grande parte dessas bandas continua gravando álbuns à moda antiga – peças de arte concebidas para serem “lidas” como uma história com começo, meio e fim.
É aí que o Arctic Monkeys me parece um exemplo bastante interessante – mais até do que eu imaginava. Uma banda muito nova, de garotos que mal entraram na idade adulta. E um quarteto que é um símbolo forte desta época por alternar velhas e novas estratégias de criação e marketing. Trata-se de uma novíssima velha banda de rock (e há muitas outras; na verdade, essa ainda é a regra). Eles sabem lidar com a velocidade do tempo em que vivem (até de uma forma instintiva, já que cresceram metidos nesse turbilhão) e criam álbuns com uma lógica que vem dos anos 60 ou 70 – e que, por isso, fisgará o “antiquado” fã de rock.
Muitas das bandas da geração do Arctic Monkeys gravam álbuns que soam como compilações de singles. E não podemos acusá-las de nada, já que o mercado hoje pede que o negócio seja organizado dessa forma. O disco mais recente do Franz Ferdinand é um caso típico: um conceito rarefeito pontuado por duas ou três canções fortes. Talvez esse seja o futuro do pop (ainda não dá para saber), e talvez isso tudo nos deixe frustrados (nós, no meio do caminho entre os velhos e os novos hábitos, órfãos de tudo). Mas o Arctic Monkeys não se abala: e daí este Humbug, um álbum tão redondinho, tão íntegro e tão, de certa forma, ultrapassado.
E digo isso sem juízo de valor: ainda não cheguei aos 60, mas, nesse ponto, me sinto velho. Amo os álbuns à antiga. Eles me dão prazer. Ele fazem com que eu me lembre dos meus discos favoritos, dos vinis que formaram a minha personalidade, das “obras de arte” que eu tentaria criar se eu soubesse tocar guitarra decentemente. Sou um oldie.
Com toda segurança, afirmo que o Arctic Monkeys teria se saído muito bem no início dos anos 90. Ou no início dos 80. Ou em meados dos 70. Final de 60? A concorrência seria dura, mas eles dariam um jeito. Os ingleses insistem em colocá-los no trono do século 21, mas ainda não consigo encontrar o século 21 dentro do Arctic Monkeys. Quatro garotos que gravam álbuns tão corretos, tão econômicos e agradáveis… O que eles dizem sobre o mundo em que vivemos? Não ouço nada. As bandas-símbolo do século 21 teriam que soar, ao menos, esquizofrênicas, paranoicas, desnorteadas, cegas no tiroteio, incertas, quebradiças. Não são tempos confortáveis, vocês sabem.
Então esqueça: não compro o hype. Nunca comprei. Ainda assim, não me envergonho de encarar esta bandinha adorável da forma como ela sempre se apresentou para mim: como uma bandinha adorável. Os singles são eficientes, o vocalista é um letrista às vezes formidável, eles têm boas referências (e soam mais como Smiths que como Oasis) e seguem uma cartilha confiável (Beatles, alô?) que manda as bandas pop evoluírem de disco a disco. Humbug é uma evolução e, por enquanto, o álbum deles de que mais gosto.
Para gravar o disco, os rapazes britânicos tentam captar o som do deserto norte-americano com o aconselhamento espiritual de Josh Homme, do Queens of the Stone Age (e agora, algumas horas depois de ter escrito este texto, concluo que esse trânsito suave e despreocupado por diferentes culturas, cenários e referências conta como um traço contemporâneo da banda). Aposto que eles gravaram tudo num estúdio nada charmoso, mas me encanta a ideia de um Deserto Norte-Americano engolindo as sessões de gravação. As canções batem assim: rodeadas de fantasmas, chapadas de sedativo, com ecos e ruídos que só não soam exatamente sombrios porque esta não é uma banda sombria (eles soam como sempre soaram: estão se divertindo a valer, a vida é boa e o rock não vai morrer).
Em síntese: exatamente o que eu esperaria de um disco do Arctic Monkeys produzido pelo Josh Homme. Os versos, doidos de dar dó, cheiram a mescalina. As duas primeiras faixas, aliás, me deixam com um sorriso de orelha a orelha. Crying lightning é um belíssimo single, que vai crescendo até explodir em guitarras repetitivas e enfezadas, que deve agradar principalmente a quem adora Queens of the Stone Age (e rock britânico psicodélico do fim dos anos 60, lembram do segundo volume do box Nuggets?). Seria um hit estrondoso em 1998. Outras faixas são um pouco menos luminosas, mas o álbum só tem 10 delas, passa rápido e, logo ali, repare na balada que confirma Alex Turner como o novo Morrissey, doa a quem doer (Cornerstone, linda toda vida).
É um bom disco que será tratado, pelo menos por algumas semanas, como o melhor dos mundos. Talvez essa seja a grande diferença, se compararmos o nosso tempo com 1969 ou 1979 ou 1989 ou 1999. Antes, engolíamos uma massa industrial de incríveis novidades até o fundo da garganta, por longos períodos (passei um ano inteiro decifrando Be here now!). Hoje, podemos digerir rapidamente o hype, cair de cansaço e experimentar outras extraordinárias novidades, e daí em diante, até descobrir algo que nos acerte na barriga e nos deixe zonzos. Algo forte. Algo que, para nós, soará verdadeiramente fascinante (nem que, vá lá, por algumas semanas).
Somos uns sortudos, não? Estou começando a acreditar.
Terceiro disco do Arctic Monkeys. 10 faixas, com produção de Josh Homme e James Ford. Lançamento Domino Records, Warner Bros e EMI. 7/10