Rock britânico

Build a rocket boys! | Elbow

Postado em

Numa entrevista recente, Chaz Bundick (Toro Y Moi) deixa escapar que, mais cedo ou mais tarde, vai abandonar a música para procurar um “emprego comum”. A estratégia parece sensata: ele entende que, quando a arte se transforma num trabalho obrigatório, algo precioso se perde.

Como não admirar esse projeto de vida? Eu admiro. O sujeito é formado em design gráfico. Quando o cotidiano na indiesfera pesar nos ombros, ele pode distribuir currículos, assinar carteira, conseguir uma “colocação no mercado” e escrever música exatamente como fazia aos 13 anos: no quarto, nas horas de folga, sem prazos ou a necessidade de cumprir expectativas desse ou daquele fã.

Quando ouço um disco como Underneath the pine, o novo do Toro Y Moi, noto imediatamente esse olhar despreocupado, muito pessoal, para a música pop: Chaz não está aqui para fazer carreira. Talvez por isso, mostra prazer em se desafiar, tomar atalhos inesperados, arriscar tudo (não há nada a perder). Por consequência, nos surpreende sem deixar a impressão de que faz esforço.

Mas essa filosofia do desapego é rara no pop e não necessariamente produz obras-primas. Os discos que ouvimos a cada semana quase sempre são feitos por bandas que compõem para (entre outras coisas, das mais transcendentais às mais mundanas) ganhar dinheiro, influenciar pessoas e, de preferência, continuar compondo.

Há, no entanto, bandas de rock mais “carreiristas” que outras (entre aspas, para eu não levar pedradas dos fãs). O que nos leva ao disco do Elbow, um grupo que leva a labuta a sério.

É, mais ou menos como o R.E.M., o Coldplay e o U2, uma banda de rock antiquada, que pensa com os neurônios empoeirados de ídolos que nasciam até o fim dos anos 90. Na época, assinar com uma gravadora grande e alcançar a longevidade dos Rolling Stones era uma meta quase que universalmente aceita. Não dá para dizer que esse desejo morreu. Mas hoje há mais espaço para um Toro Y Moi do que havia antes.

A própria lógica da internet e dos pequenos selos facilita a multiplicação de pequenas bandas, que não querem nem precisam crescer (e ok, estamos bem em relação a isso).

O Elbow, como eu dizia, sente saudade de um tempo em grandes bandas lançavam grandes discos que, de preferência, agradavam a grandes plateias. Álbuns com hits e conceito, faixas densas e rasteiras, momentos um tantinho experimentais e outros totalmente comerciais, grandiosidade e delicadeza. Diversão para toda a família. Out of time, do R.E.M., e Achtung baby, do U2, preenchiam esses requisitos (Viva la vida, do Coldplay, também).

Build a rocket boys! é, seguindo esse raciocínio, o disco mais anos-90 do Elbow. Não à toa, ele vem na esteira de um disco que se tornou sucesso de vendas (The seldom seen kid, de 2008). Faixa a faixa, o que se ouve é o desejo de permanecer no topo. Não só no topo das paradas, mas da cotação dos críticos e dos fãs.

É uma equação complicada, e que (ninguém precisa se enganar) a banda executa com muita elegância. O disco abre com Birds, uma faixa longa, de oito minutos, com as idas e vindas de um remix trance — a atmosfera prog, no entanto, é confortável e polida como num velho single do Genesis. Lippy kids, a seguinte, tem seis minutos. Novamente, porém, são seis minutos de lembranças da infância, entoadas com graciosidade por um Guy Garvey sereno, preciso — um operário experiente em ação.

As duas canções que vêm logo depois praticamente fecham o conceito do disco. Tanto nas letras — sobre relações familiares, amizades perdidas, medo de ficar adulto e outros dramas de gente como a gente — quanto em melodias, que, quando ameaçam se aproximar de esquemas aventureiros, acabam soando familiares, agradáveis. Não é exagero notar: o Elbow gravou o disco de brit rock que os fãs de The bends ainda cobram do Radiohead.

Na segunda metade do disco, ele vai se distendendo em baladas tristes — mas não tão tristes, nem tão incômodas, nem tão pessoais, muito menos vulgares.

Esse formato caloroso, quando não austero — “uma banda de rock como nos bons tempos, veja!” — explica as reações de entusiasmo que aparecem em tantas críticos. O Elbow é confiável mais ou menos da mesma forma que o R.E.M. inspira segurança. Os chapas não vão nos deixar na mão — em retribuição, nós perdoaremos discos que ficam sempre num meio-termo cômodo: nem tão arriscados, nem tão óbvios; sempre adoráveis.

Viveremos em paz com o Elbow porque também sentimos falta de uma época em que as nossas bandas preferidas prometiam nos acompanhar para sempre, a exemplo dos amigos que não somem.

Entendo quem prefere se apegar a bandas como o Elbow, e a eles recomendo este Build a rocket boys! É um disco que, mais ainda do que o novo do R.E.M., dá motivos para que se ame e se defenda uma filosofia pop que deixou de fazer muito sentido. Não dá para acusar o Elbow de cinismo.

Mas, quando comparado a um disco como Underneath the pine, do Toro Y Moi, pode ficar a impressão de que um certo gosto por liberdade transformaria esta grande banda inglesa (tão inglesa, aliás) num ser menos domesticado, que não aceita estacionar sobre o muro e jogar para a torcida.

Build a rocket boys! não quer mudar nada. E deveríamos cobrar isso dele? É um tio conservador. E bonito, principalmente se você não se incomoda com os modos tão formais dos rockstars de carteira assinada, terno e gravata, dinheiro no bolso e uma família imensa (de fãs) para criar.

Quinto disco do Elbow. 11 faixas, com produção de Craig Potter e Elbow. Lançamento Fiction/Polydor. 6.5/10

Os discos da minha vida (19)

Postado em Atualizado em

Ninguém pediu, mas cá está ela. Depois de uma pausa mais ou menos longa, voltamos a sintonizar a saga dos 100 discos que sonorizaram a minha vida.

Notícia triste: o fim não está próximo.

Explicando as regras do jogo, mais uma vez: este é um ranking totalmente pessoal, cheio de idiossincrasias, serve tão somente para que você entenda quem eu sou. Há, por exemplo, mais discos dos anos 1990 do que de qualquer outra década — foi a época em que comecei a ouvir discos compulsivamente. Um lista que não faz muito sentido, entende? Que não ordena o caos. Que não orienta nada. Por isso, liberte-se da lógica e deixe a vibração fluir.

Neste capítulo, dois discos que não têm nada em comum além do fato de que voltei a eles recentemente, e com muito entusiasmo. Daí que confirmei o seguinte: além de importantíssimos para a minha vida, são obras-primas que poderiam estar em qualquer lista séria de grandes discos que você precisa ouvir antes de se mandar para a Lua.

Não que alguém esteja pensando em se mandar para a Lua, mas é um plano interessante.

064 | Ladies and gentlemen we are floating in space | Spiritualized | 1997 | download

Foi lançado na Inglaterra exatamente junto com Ok computer (16 de junho de 1997, anote no calendário dos Dias Que Abalaram a Música), só consegui ouvir muitos meses depois, quando o CD desembarcou na loja de importados. Acabei construindo uma aura em torno dele que a primeira audição quase destruiu. Quase. Talvez um garoto de 17 anos não saiba (ou não queira) entender o quão desesperado é o desejo de Jason Pierce por “um pouco de amor para mandar a dor embora”. Um pedido de ajuda, sim. Mas também um dos álbuns de rock mais imponentes da minha adolescência, que transportou o rock britânico dos anos 1990 a outras galáxias e nos deixou flutuando no ar. Top 3: Stay with me, Ladies and gentlemen we are floating in space, Electricity.

063 | American beauty | Grateful Dead | 1970 | download

Um dos discos mais queridos (e mais amáveis) do Grateful Dead talvez não represente tão bem o alcance da banda (Workingman’s dead, o anterior, talvez seja ainda mais redondo), mas é o meu preferido. A começar pela faixa de abertura, Box of rain, que contém tudo o que me atrai no country rock (e não é só um gênero musical, certo? É um estilo de vida). Um daqueles discos em que ouço o som de uma banda totalmente feliz com o som que consegue produzir. Dá um pouco de inveja: todas as faixas importam, e elas acabam retratando o clima de uma época sem que isso pareça um fardo, uma missão pesada demais. A perfeição pode ser doce. Top 3: Box of rain, Sugar Magnolia, Truckin.

Tarot sport | Fuck Buttons

Postado em Atualizado em

A ótima aceitação aos álbuns do The XX e do Wild Beasts pode deixar a impressão de que o rock britânico passa por um período muito propício à sutileza e à contenção. Esses dois discos, propositadamente, soam como a arquitetura de Bauhaus (a escola alemã): ainda que influenciadas pela estética sombria dos anos 1980, cada acorde cumpre uma determinada função, as faixas duram apenas o necessário e nenhuma palavra é usada à toa. As canções emocionam por parecer mais simples do que realmente são.

A parte curiosa dessa história (e que pode confundir muito jornalista apressado) é que, num universo paralelo ao dessa “tendência”, há bandas elogiadíssimas que seguem um caminho radicalmente contrário ao do desejo de minimalismo. É o caso do The Horrors (que ocupa a primeira posição na lista da New Musical Express) e do Fuck Buttons. Aí, não há lacunas a serem preenchidas: a música nos soterra em camadas de efeitos, é rebuscada feito arte barroca e, nos momentos mais estridentes, provoca o incômodo de um vinil arranhado.

É claro que, durante o ano, muitas foram as bandas que oscilaram de um extremo a outro. Mas os extremos impressionam.

O novo disco do Fuck Buttons, por exemplo, é o mais próximo que o rock inglês chegou do noise anárquico do Dan Deacon. O álbum anterior, Street horrrsing, levava o pós-rock dos anos 1990 alturas antes inimagináveis (o disco era produzido, não por coincidência, pelo guitarrista do Mogwai, John Cummings). Era um ataque frontal de guitarras em crise nervosa, com breves momentos de doçura (que ninguém é de ferro) e entusiasmo quase juvenil (uma das faixas atende por Okay, let’s talk about magic).

Enquanto o Wild Beasts se transformava numa banda mais sóbria e elegante, Andrew Hung e Benjamin John Power fizeram da transição para o segundo álbum um espetáculo grandiloquente de fogos de artifício. Tarot sport inclui no caldo fervilhante da dupla o elemento que faltava: um quê de euforia eletrônica. O produtor e DJ Andrew Weatherall havia feito um remix delirante para Sweet love for planet Earth. Presumo que a banda, entusiasmada com o resultado, tenha decidido gravar um disco que soasse como um intenso remix do álbum de estreia. Superficialmente, Tarot sport é isso.

Como o álbum de Dan Deacon, esse também se beneficia de repetidas audições. Com faixas longas (quatro delas têm mais de nove minutos de duração) que se conectam umas às outras, o disco nos confronta com agressividade e velocidade. É uma pancada. A abertura, Surf solar, resume as intenções da dupla: um loop de eletrônica repetido à exaustão, num galope cada vez mais acelerado, envolvido num manto de sintetizadores que parecem tirados de uma trilha de filme de ficção científica. O barulho é o da explosão que acompanha a decolagem.

Nas faixas seguintes, o disco sai do solo violentamente, em chamas. Rough steez abre com ruídos industriais e, subitamente, é corrompida por barulhinhos de videogame. Em The Lisbon Maru, a nave flutua graciosamente no espaço — e sugere cenas deslumbrantes. O transe continua em Olympians (o mais perto que o disco chega das melodias doloridas de Come on die young, do Mogwai). A tensão volta a apertar em Phantom limb e Space mountain, até desembarcar de forma sublime na feérica Flight of the feathered.

Mais que uma viagem insólita, Tarot sport quebra as limitações do pós-rock ao agregar elementos que, por outras bandas do gênero, eram tratados como lixo espacial. Cacos de pop, techno, drum ‘n’ bass e drone transformam cada faixa numa colagem disparatada, absurda, excitante de referências. Excessivo, sim. Exaustivo, sem dúvida. Mas como resistir a uma banda que abre os braços para abraçar um universo inteiro?

Segundo disco do Fuck Buttons. Sete faixas, com produção de Andrew Weatherall. Lançamento ATP Recordings. 8/10