Rio de Janeiro

2 ou 4 parágrafos | Rio

Postado em Atualizado em

No multiplex aqui da esquina, inventaram de inaugurar uma sala superviril, potente, que nos intimida já no design da fachada (luminosa, kitsch, em tons de verde e prata). O sistema de som vai fundo no desafio de inflamar nossos tímpanos e aposto que, nas cenas de explosão, sai fumaça da tela. Uma delícia. Mas, para abrir o playground, essa gente ambiciosa cometeu um deslize fatal: programou a animação Rio (2/5). Que equivale a convidar o Jota Quest para tocar no palco ultratecnológico do U2.

Quando você abstrai os efeitos 3D (que são discretos; perto deles, Fúria sobre rodas é uma revolução visual) e o estrondo desnecessário do dolby digital, o que sobra é uma matinê antiquada, desbotada, by-the-numbers, que me transportou a uma época muito anterior ao domínio do Império Pixar. É o tipo de receita-de-muffin à Syd Field que, nesse ramo tão competitivo, ninguém mais tem coragem de aplicar (pelo menos não desse jeito unidimensional): o herói carismático e um tanto estabanado, o vilão terrivelmente malvado, os coadjuvantes que servem de alívio cômico, a guria linda e valente, os números musicais acoplados de qualquer jeito entre uma cena e outra, romance e ação.

É um passatempo tolinho, genérico, que não deve ser levado a sério (e, se decidirmos levá-lo a sério, então teremos que levar MUITO a sério concorrentes nem tão espetaculares como Rango e Como treinar o seu dragão), mas que desperta nossa curiosidade – e falo em nós, brasileiros – mais pelo cenário do que pelos personagens e pela trama. Porque o interessante é descobrir de que forma o Rio de Janeiro foi filtrado e embalado pelos pixels da Blue Sky para ser vendido lá na gringa.

Sobre esse aspecto, sou otimista: me parece um filme muito simpático e respeitoso com a cidade (nem precisava tanto, sinceramente), que sai-se bem com a sacada de encenar a narrativa no carnaval, uma época que parece permitir todo tipo de delírio e licença poética. Macacos malandros? Meninos órfãos assediados por bandidos do morro? Ok. Mas nada que me faça admirar um filme tão automático, sem estilo ou graça. Carlos Saldanha é um brasileiro que ganha muito dinheiro lá fora, que domina uma técnica, uma fórmula. Talvez seja motivo de orgulho, um exemplo a ser seguido. Tudo bem. O que ainda procuro nele e não encontro é algo diferente disso: um cineasta.

Os discos da minha vida (34)

Postado em Atualizado em

Sem cabeça, sem pulso, sem estômago para a saga dos 100 discos que zonearam a minha vida. O mais seguro é terminarmos este post logo, antes que eu me aborreça. O pavio aqui está curto, amigos.

Antes, rapidinho, um sonho que tive ontem. Era assim: por engano, postei no Facebook os cinco primeiros colocados deste ranking. Percebi cinco minutos depois, apaguei o post, mas depois me amaldiçoei por ter arruinado a surpresa. Desliguei o computador, tomei um copo de suco de laranja, liguei de novo, voltei ao Facebook e percebi que a lista estava toda errada, muitos dos discos eu sequer havia ouvido. Aí não entendi mais nada.

Interpreto o sonho da seguinte forma: dou importância excessiva a esta série de posts, que certamente não vai dar em lugar algum e, pior, promete terminar num anticlímax tenebroso. Que deus nos proteja. Outra interpretação possível: estou dormindo pouco, escrevendo demais e comendo pouco cálcio.

Que seja. O importante é que com sonho não se brinca. Eles sempre têm alguma razão.

Os discos deste post destoam um pouco daqueles que apareceram recentemente nesta lista faraônica. Não são álbuns que costumam pintar em listas de melhores de todos os tempos e, coincidentemente, eles resumem dois períodos muito específicos da minha vida: meus 13 anos (já morando em Brasília) e meus 11 anos (ainda no Rio de Janeiro).

Preparem-se para o mais pessoal, o mais estabanado, o menos instrutivo entre todos os posts desta saga que só me traz pesadelos e ansiedade. Até semana que vem.

034 | Last splash | The Breeders | 1993 | download

Lembro que gravei o CD numa fita-cassete, dai eu podia descer do apartamento e ir ouvindo enquanto caminhava até a Cultura Inglesa (que ficava a uma quadra do prédio). Eu tentava chegar ao fim do disco, tentava sempre, mas passei algumas semanas indo e voltando entre as faixas 1 e 4 e, por uns meses, aquele me parecia o conjunto de canções mais perfeito. O maremoto caloroso de New Year, o apito de Cannonball, o sabor melado de Invisible man e, finalmente, os versinhos estilhaçados, sacanas e ao mesmo tempo tão desesperados de No aloha (a minha preferida do disco). Um dia fui assaltado. Demorei um tempinho para perceber (estava em Saints, outra joia), então entreguei meu relógio e perguntei se eles queriam o walkman. Olharam para aquele objeto arranhado, encardido, e disseram não. Me senti o menino mais fraco da cidade, os ossos quase partindo de tanta tristeza, mas capturei os fones a tempo do refrão: “O verão está pronto quando você está.” Top 3: No aloha, Saints, Invisible man.

033 | As quatro estações | Legião Urbana | 1989 | download

Lembro que as tias organizaram um amigo-oculto de fim de ano. Então obrigaram a gurizada a escrever no papel as opções de presente. Um primo meu pediu uma bermuda. Minha irmã, roupas da Barbie. E eu, que não pensava em outra coisa, tratei de anotar: boneco de Batman. Mas acabei ganhando (um tanto decepcionado, admito) a minha segunda opção: o disco As quatro estações, da Legião Urbana, que tocava nas rádios e parecia divertido. Acho que foi ali que minha relação com a música começou a mudar, sem que eu notasse. Alguns versos soavam completamente misteriosos (“lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa”), outros me pareciam non-sense, aí eu sorria toda vez que os ouvia (“quando o sol bater na janela do seu quarto, lembra e vê que o caminho é um só”), três ou quatro faixas fugiam totalmente da minha compreensão (Maurício, Sete cidades) e o sucesso da temporada, Meninos e meninas, me parecia apenas uma música sobre meninos e meninas. Ouvi tantas vezes que o vinil arranhou. Até os meus 12 anos, era o melhor disco do mundo. Depois, virou o melhor disco da minha pré-adolescência. Assim ficou. Ainda há trechos que, hoje, faço questão de não entender. Melhor desse jeito. Top 3: Há tempos, Eu era um lobisomem juvenil, Quando o sol bater na janela do teu quarto.

Mixtape! | O melhor de outubro

Postado em Atualizado em

A mixtape de outubro foi gravada durante as minhas férias e, por isso, deve soar um pouco mais amena, um pouco mais leve, um pouco menos agoniada, um pouco menos pilha-de-nervos, um pouco menos tique-nervoso do que a de setembro. Ela até parece um pouco ensolarada, vejam só que coisa estranha.

Não é uma coletânea como as outras: a colagem foi feita não no fim, mas bem no meio do mês, antes da minha viagem a São Paulo (onde estou neste momento) e pouco depois da semana que passei no Rio de Janeiro. Portanto, o som remete muito mais a esse respiro carioca, do que à escala paulistana. A cor do som é mais azul do que cinza, portanto.

E só percebo isso agora, quando volto a ouvir o disquinho. As primeiras faixas evocam um souvenir de paraíso tropical – o mar, as moças de biquini, uma certa sensação de que as coisas vão terminar bem. Mas aí ele vai ficando um pouco estranho, um pouco torto, talvez você note climas cinematográficos, e (se você me conhece) talvez encontre nos versos e melodias muitas referências aos fatos que vivi, pessoas que conheci, sensações e incertezas… É, como sempre, uma mixtape muito pessoal.

Se existe uma palavra que define as minhas férias, ela tem quatro letras: fuga. Uma corrida louca, uma necessidade desesperada de ocupar o tempo (com filmes, palavras, discos, qualquer coisa) para que eu não corra o risco de ficar completamente sozinho, em silêncio, diante de mim mesmo. Não é simples.  

Ainda assim, apesar de ser tudo ainda sobre mim, dedico esta coletânea aos meus amigos mais próximos, que me ajudam mais do que eles próprios percebem. Principalmente ao Diego Maia, o bróder de São Paulo que, apesar de muito mais novo, é um exemplo pra mim: um dos sujeitos mais inteligentes que eu conheço, e não apenas por preferir músicas alegres às tristes.

Então esta é uma mixtape de músicas alegres. Ou quase. O disco preferido do mês foi The age of adz, do Sufjan Stevens. Mas, como ele acabou entrando na coletânea tortuosa de setembro, quem ilustra este post é o El Guincho, que gravou um dos discos mais vibrantes do ano. E um dos que me acompanharam durante estas férias estranhas. 

É uma mixtape com sabor de mate leão: tem, além de El Guincho, Delorean, Thurston Moore (interpretando Burt Bacharach), uma faixa emocionante do Clientele, Avey Tare, Manic Street Preachers, The Walkmen… A lista de músicas está logo ali na caixa de comentários.

Então faça o seguinte: tire a poeira da prancha, compre um bom protetor solar e faça o download da mixtape de outubro aqui ou aqui.

(E, depois, para alegrar o meu dia, não custa nada deixar um comentariozinho esperto sobre a coletânea. Não custa, custa? Não custa).

2 ou 3 parágrafos | Tropa de elite 2

Postado em Atualizado em

O primeiro Tropa de elite, que defendo com muito gosto, era um filme desconjuntado sobre uma cidade desconjuntada. Parecia, de início, uma fita de guerra: os personagens principais eram “soldados” que, em vários níveis (do chefe ao pupilo), se deixavam afetar pela sandice de confrontos armados. Enlouqueciam lentamente. Mas (e aí começavam as complicações) a trama era narrada por um capitão truculento, autoritário. E, em vez de iluminar um único ponto de vista, abria um tiroteio de impressões – até contraditórias – sobre a questão da segurança pública no Rio de Janeiro. Quem está certo? Quem está errado? Alguém tem razão? O filme terminava mais ou menos como terminou Ônibus 174: quanto mais se entende sobre a crise urbana carioca, mais tortuoso é arriscar alguma solução para o problema. 

O novo Tropa de elite (3/5) é um thriller tão desencantado quanto o anterior (a guerra continua, e continuará), mas passa um espanador no que havia de dúbio, de desordenado, no original. É, a meu ver, um retrocesso. A começar pelo discurso do narrador, mais palatável. Antes, Nascimento era agente e vítima da barbárie (e um dos tipos mais complexos criados pelo cinema brasileiro, ame-o ou odeie-o). Agora, é o herói kafkiano, acuado pelas engrenagens daquilo que chama de “sistema”. O filme se alinha ao modelo de um thriller político de conspirações: o homem versus a máquina. Quando aperta a gravata e toma posse na Secretaria de Segurança Pública, o justiceiro descobre que o buraco da corrupção brasileira é mais embaixo, e suga governadores, milícias, PMs, apresentadores de tevê, donos de jornais, organizações de direitos humanos etc. Menos Super-Homem, mais Cavaleiro das Trevas.

Essa “realidade” é filmada com uma câmera funcional e sem os ruídos, sem a cacofonia de pontos de vista que tornavam o primeiro filme tão valente. São poucos os momentos, por exemplo, em que as imagens de Padilha contradizem a pregação de Nascimento (o deputado que defende os direitos humanos é a nota dissonante, um contraponto ao discurso casca-grossa do narrador). Não dá para negar: a dicção do diretor permanece clara, firme, e nos fisga pela atualidade dos temas, pela forma como nos obriga a participar do filme, a nos enxergar nele. Estamos dentro da narrativa (e ela, a narrativa, está viva). Ao se aproximar do fim, no entanto, o filme dá o passo fácil: ele se alinha às conclusões do herói, que agora fala por todos nós. Quando Nascimento (um Wagner Moura novamente genial) avisa ao espectador que o “sistema” ainda matará muitos inocentes, a câmera sobrevoa o Congresso Nacional. Para quem cobrava de Padilha um ponto de vista, aí está ele: das favelas ao senado, sujeira pra todo lado.