Reviravolta

Total life forever | Foals

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Foals. Não acredito que seja uma banda extraordinária. Nem inventiva. Nem especialmente sedutora. Não é (em definitivo) daquelas que nos tiram para dançar e não nos abandonam. Mas – antes que você procure outra – preciso avisá-lo: a partir de agora, devemos confiar nela. Relacionamento sério, sabe como é?

O grande disco do Foals não é Total life forever. O grande disco do Foals virá em três anos. Programe-se aí. 

Enquanto 2013 não chega, este quinteto de Oxford flexiona os músculos como uma seleção séria em véspera de campeonato mundial. Cada disco (=cada amistoso) exercita os talentos de jogadores que ainda não estão totalmente satisfeitos com o time que têm. O desconforto permite alterações táticas surpreendentes que resultam em partidas muito bonitas – como é o caso deste disco, o segundo deles.

(E, por hoje, prometo não voltar às comparações futebolísticas. Patetice tem limite)

Numa época em que as bandas de rock correm para definir uma identidade (dois discos, no máximo), o Foals soa como uma exceção curiosíssima. Eles parecem preocupados unicamente em apurar uma lógica interna que não diz respeito a mais ninguém. E seguem apurando – eles sabem que ainda não chegaram lá.

É uma banda que rejeita, por exemplo, a se adequar a certos modismos do indie rock. A estreia, Antidotes, estava pronto para ser vendida como um álbum de ‘math rock’ (na linha do Battles) com os floreios do produtor Dave Sitek, do TV on the Radio. Mas o Foals tratou de engavetar o disco produzido por Sitek, foi ao trabalho por conta própria e criou canções que talvez parecessem melodiosas demais a quem curte as abstrações do tal do pós-rock.

Desta vez, esperava-se que eles seguissem desmontando o funk-rock. Eis que decidem tomar uma curva perigosa e (sem largar o volante funk) gravar um disco ainda mais assobiável, com inspiração prog-pop e atmosfera de épico “à inglesa”. Mais para Elbow e The Verve, (muito) menos para The Rapture.

Uma mudança que nos obriga a rever tudo o que pensávamos sobre o Foals. Mas quantas outras bandas permitem essa revisão?

“O futuro não é o que parecia ser”, eles cantam (e como Yannis Philippakis está cantando!). Parece até que falam sobre o próprio Foals.

E o que dizer desse título? Penso em Total life forever e só consigo imaginar o Richard Ashcroft mordendo um travesseiro (de raiva).

A sonoridade mais massuda, aparentemente, pegou até própria banda de surpresa. Durante as gravações, eles declararam que o disco estava saindo “muito menos funk” do que tinham planejado e que soava como “o sonho de uma águia morrendo”. O que não é uma imagem adequada para remeter a um disco que se exibe como um pavão muitíssimo vivo – cheio de si.

Há, sim, algo de onírico em faixas como Black gold e After glow. Mas o que se nota é o som de uma banda realista, que acredita no engenho, no trabalho suado. Cada uma das músicas parece ter sido retocada exageradamente – são miniépicos dentro do épico. Talvez por isso o disco pareça – nas primeiras audições – um tanto embotado, pesadão. 

Não é para ser amado de uma vez só. Cada uma das canções vai aquecendo as turbinas do avião até o ponto de explosão – ainda que o disco só decole mesmo na faixa seis, a incendiária This orient. Estamos falando de um álbum que prefere o ambiente à ação, e que acredita na nossa capacidade de desconfiar das primeiras impressões.

É, como se diz (em ingrês), a grower.

E o interesse cresce quanto mais notamos o grau de detalhismo das faixas, que engrandece alguns elementos até óbvios (o disco todo parece feito de sobras do Radiohead, do Muse, da DFA Records). Black gold talvez seja o grande exemplo dessa capacidade do Foals de usar os detalhes, os ornamentos, para criar canções armadas como que em dobraduras, profundas. No caso, é uma linha de guitarra que, lá na metade da música, rompe a estrutura funkeada e nos transporta a uma dimensão mais doce.

Não é um disco que vai tirar o planeta de órbita. Mas Total life forever é o álbum que coloca o Foals (em definitivo?) na galáxia de bandas que importam.

Segundo disco do Foals. 11 faixas, com produção de Luke Smith. Lançamento Transgressive Records. 7.5/10

/\/\ /\ Y /\ | M.I.A.

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O que você procura na música pop?

Você quer conforto, identificação, sentimentos calorosos, um refrão bem escrito, uma melodia que se assemelha a outra melodia que se assemelha a outra melodia que, por sua vez, é a melodia que tocava no momento mais importante da sua vida?

Ou você busca o assombro estético, a provocação, o desafio, a ideia inusitada, a melodia dissonante e estranhamente sedutora que, como um bug inesperado, o convida a repensar a importância que você dá às melodias mais familiares?

Maya Arulpragasam, 34 anos, procura um pouco das duas coisas. O afago e o choque. Mas, decididamente, anda cansada de conforto.

Na capa do terceiro disco de M.I.A., nos deparamos com a imagem de uma tela de computador infestada de cursores do YouTube. A cingalesa se esconde atrás de blocos cor de rosa que poderiam ter saído de um game retrô. É uma colagem que lembra aqueles instantes horríveis em que aplicativos se multiplicam desordenadamente, poluem nossos monitores sem que possamos controlá-los. Um tufão de bits. Por alguns minutos, é como se a máquina – o lado misterioso da força – tivesse finalmente vencido.

O criptografado /\/\ /\ Y /\ (que, se você preferir, aceita ser chamado simplesmente de Maya) é um álbum pop que simula esses minutos de caos e pavor. Pânico de tecnologia.

Que, obviamente, não é provocado tão somente por defeitos momentâneos do Internet Explorer. Logo na primeira faixa, A message, M.I.A. aponta a escopeta para outros inimigos. “Fones de ouvido se conectam com iPhones, iPhones se conectam com a internet, que se conecta com o Google, que se conecta com o governo”, alerta. A introdução dura menos de um minuto de duração, mas resume o sentimento de paranoia, revolta (mas contra quem?) e tensão que contamina o disco inteiro.

Numa época em as redes sociais metralham os “toques” de modelos, boleiros, atores pornôs e ex-integrantes de reality show, pode parecer impressionante que a música pop não tenha adquirido o hábito de comentar a web – e especular sobre os efeitos sociais de todo esse ruído on-line. M.I.A. observa naturalmente essa dimensão tecnológica do tempo em que vive: é possível fazer pop de guerrilha, pop contemporâneo, sem levar em conta o YouTube, o Twitter, o MySpace, a Wikipedia? Para M.I.A., não é.

E talvez não seja mesmo possível. Talvez nós é que estejamos acostumados a encastelar o pop e a protegê-lo de uma realidade que ainda soa confusa, complicada demais. Perto da ambição de M.I.A., o pop-2010 soa como um filme desbotado.

O tema já estava presente, ainda que indiretamente, em Arular (2005) e em Kala (2007). Os discos foram elogiados por renovar a world music, mas M.I.A. sempre pareceu mais interessada em nos mostrar que, com a internet, a música dos ‘outsiders’, dos estrangeiros (antes, tida como exótica e obscura), passou a ser mais um elemento sonoro entre tantos, mais um arquivo em mp3 à nossa disposição. Colar um arquivo no outro – e, com isso, produzir combinações muito pessoais – era a lição (até simplezinha, para quem se adaptou a um planeta pós-Napster, mas que soou como uma imensa novidade).

Maya é o álbum que radicaliza esse estilo global, fragmentado, sem muros, que observa naturalmente (e, no caso, com agonia) um mundo que não passa no noticiário da CNN.

Radical, aliás, em mão dupla: a sonoridade está mais arredia, irritadiça, “difícil” (de propósito). Já o discurso, menos polido, desinteressado em explicar didaticamente as próprias intenções. É o que é, como ela bem avisa no título de uma das faixas.

Lovalot, talvez a melhor do disco, sintetiza o conceito: sob um loop áspero (imagine o som de um chocalho grudado a um sampler mínimo de baile funk), M.I.A. narra o caso de amor entre um casal islâmico envolvido em casos de terrorismo. “I really love a lot”, diz o refrão, que pode ser interpretado como “I really love Alah”. Mas é outro verso, insistente, que ecoa quando a música termina: “Eu luto contra os que lutam contra mim.” Eis que, sem condenar ninguém, M.I.A. dança no campo minado.

Na face menos incendiária do disco, a web serve de plataforma para casos de amor e crises de identidade. “Você quer que eu seja alguém que não sou realmente”, reclama a apaixonada narradora de XXXO. “Por que as coisas mudam e permanecem as mesmas? Por que as pessoas gostam das mesmas coisas?”, ela questiona, em Tell me why, talvez chocada com as semelhanças entre posts do Twitter. E duas das faixas-bônus atendem por Internet connection e Caps locks.

Antes do lançamento do disco, M.I.A. explicou que: 1. As canções foram escritas num momento de crise, quando ela, isolada em Los Angeles, se sentia desconectada do planeta; 2. Ao lado de produtores como Blaqstarr e Rusko, ela gravou uma jam demorada no estúdio caseiro, uma zoeira de ritmos e loops, de onde tirou as ideias para as músicas; 3. A intenção era criar um disco “tão estranho e desconfortável que as pessoas começariam a exercitar os músculos da crítica”, um projeto “esquizofrênico”.

O resultado soa menos desagradável do que M.I.A. esperava, mas chega perto dos atos de terrorismo musical praticados pelo Flaming Lips (Embryonic) e Radiohead (Kid A/Amnesiac). Chegaria ainda mais perto se o disco não se escorasse em três faixas que podem (e devem) rodar nas rádios sem provocar muita estranheza: o R’n’b fofíssimo de XXXO (uma das canções mais viciantes do ano, de longe), o remake dub de It takes a muscle (do grupo alemão Spectral Display) e Tell me why, uma faixa dançante e sutilmente multicultural que poderia ter entrado no repertório de Music, da Madonna.

À exceção desses três momentos (que aliviam e muito a vida do fã), Maya é cacofonia digital com inúmeros dejetos musicais que, numa primeira audição, soam irreconhecíveis. Nos álbuns anteriores, ainda dizíamos que M.I.A. mesclara hip-hop com funk carioca e bhangra. Agora, não dá mais: essas e outras influências são trituradas num caldo grosso, com tempero ardido de punk (em Born free, com sampler de Suicide) e de neo-industrial (Derek E. Miller, do Sleigh Bells, também colabora).

É um disco que permite (até alimenta) a divisão de opiniões: uma obra aberta, espinhosa, que será atacada por muita gente e tratada como uma revolução por outros tantos. Até aqui, goste ou não, é o álbum pop mais urgente do ano.

Em momentos como Teqkilla e Meds and feds, o disco se desprende de qualquer padrão melódico e vai criando camadas de ruídos sobre ruídos. São arquivos que soam como arquivos corrompidos (no segundo caso, M.I.A. consegue sujar a já sujíssima Treats, do Sleigh Bells). É o choque, o vírus que corrói a rede.

Mas, ao fim deste ‘post’ de 42 minutos, M.I.A. volta ao pop (e ao mundo real) com um canção que atualiza o desencanto de No surprises, do Radiohead, e a fase Zooropa do U2, quando um Bono Vox desplugado comentava sobre um mundo com centenas de canais de tevê, mas nada de interessante na programação. “Minhas linhas caíram, você não pode me encontrar. Preciso passar um tempo com você. Não há nada de novo no noticiário da tevê”, canta M.I.A., depois do fim do mundo.

E assim termina o apocalipse digital: numa tentativa de contato. Humano e (parem as máquinas!) real.

Terceiro disco de M.I.A. 12 faixas, com produção de Blaqstarr, Diplo, Switch, Rusko e M.I.A. Lançamento NEET, XL Recordings, Interscope. 8.5/10

Forgiveness rock record | Broken Social Scene

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Se o dia durasse 42 horas, eu seria capaz de escrever um livro inteiro — de 500 páginas, não menos — sobre aqueles discos que, goste deles ou não, são pontos de referência para a história recente da música pop. Por que eles se tornaram tão relevantes? Eles fizeram por merecer tanto prestígio? Ou teriam apenas se beneficiado de uma conjunção muito feliz de eventos aleatórios?

Capítulo 34: You forgot it in people, Broken Social Scene.

Não vou arriscar uma explicação demorada sobre o “fenômeno” (isto é um blog, não é um livro de 500 páginas), mas trata-se um desses discos: de uma forma ou de outra, ele simboliza uma das cenas mais importantes dos anos 00. Quando se fala em rock independente do Canadá, é inevitável lembrar de You forgot it in people. Mesmo que você considere o som da banda um tanto irritante, esnobe e caótico. Mesmo que você prefira Wolf Parade.

E isso acontece por que, muito além de ter criado ótimas canções, o Broken Social Scene cristaliza o espírito de uma geração de músicos. No pôster do rock canadense, o que vemos não é um gênero musical específico, mas um mutirão de amigos talentosos que colaboram uns com os outros. You forgot it in people é um disco sobre essa imagem. Superpovoado, oversized. Em algumas canções, tenho a certeza de que ouço toda a população de Vancouver cantando e tocando em uníssono.

No auge do coleguismo, o Broken Social Scene reuniu 15, 16, 17 músicos no palco. Oficialmente, Keven Drew e Brendan Canning tomavam as rédeas da superbanda, mas sempre pareceu complicado, nesse caso, definir hierarquias. Feist, Jason Collett, Stars e Metric usaram o laboratório para aquecer embriões musicais. No disco homônimo, de 2005, a formação mutante e alucinada voltou à ação. Mas já soava como uma polaróide descolorida: timing é um dos principais méritos de You forgot it in people.

No fim da década, a própria banda começou a perceber que o impacto do Broken Social Scene estava atrelado a um período muito específico da música pop. E que aquele tempo havia passado. Brendan Canning e Kevin Drew lançaram discos solo e poucos agregados conquistaram uma carreira estável (Fiest, Metric e quem mais?). O novo disco, Forgiveness rock record, flutua nesse mar manso. Carrega os destroços daquela banda (ou melhor, daquela ideia) que marcou 2002.

Não é um álbum que mereceria um capítulo no meu livro de 500 páginas. Provavelmente, ele não terá importância nenhuma para 2010. Mas, para a trajetória da banda (e, especificamente, para Canning e Drew), soa como um senhor desafio. Os ventos mudaram. Antes, a ordem era fazer-se notar, criar o ruído, ferir nossos ouvidos, demarcar o território, organizar o movimento. Agora, o objetivos são outros, mais complicados: foco e longevidade.

Para nosso espanto, o Broken Social Scene retorna como uma banda quase comum: um septeto que prefere à arte da canção à composição de atmosferas. Produzido por John McEntire (de Tortoise e The Sea and Cake), é um álbum que deve chocar os antigos fãs do grupo: o que eles miram é uma sonoridade límpida, cristalina até nos momentos mais expansivos (caso mais explícito: Ungrateful little father), talvez “adulta”, sóbria. É essa a tela que delimita o disco.

O que emerge dessa transformação é uma reviravolta que, para quem nunca se interessou pela banda, soará como uma revelação muito positiva. É como se eles tivessem se “endireitado”. Admito que esse comodismo me incomoda um pouco (é como se o Wolf Parade tivesse decidido gravar um disco de soft rock, digamos), mas é interessante notar que esta não é uma guinada tão fácil quanto parece.

Desprotegida, longa de muralha de sons que criou para si, a banda poderia muito bem parecer fragilizada, desesperada, ingênua. Não é o que acontece. Forgiveness rock record se revela um disco muito seguro de si, que não sente o peso de uma longa duração (63 minutos) nem parece monótono, aborrecido. O que se nota é um esforço de destacar cada um dos elementos sonoros do grupo, como se fosse possível isolá-los uns dos outros. Daí resulta um álbum que navega do pós-punk ao power pop, que arrisca elegantemente e que ousa trair o movimento criado pelo próprio grupo.

Ouça mais vezes e ele soará até corajoso. O Broken Social Scene que surge aqui é uma banda muito igual a tantas outras. Mas com uma diferença: poucas aceitam a aventura de implodir o próprio mundinho. Eles aceitaram. E, quem diria, são bonitos os cacos que sobraram.

Quarto álbum do Broken Social Scene. 14 faixas, com produção de John McEntire. Lançamento Arts and Crafts. 8/10