Retrospectiva

Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 2)

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É isso, meus irmãos: o top dos melhores discos de 2009 está aí, galante e inteirinho para quem quiser ver. Mas lembro que, até o fim da próxima semana, a série Adeus, 2009 segue com a lista dos meus filmes favoritos (que será fechada assim que eu conseguir me livrar do trabalho e assistir a Avatar) e mais uma mixtape que, espero, será um pouco menos acinzentada do que a anterior. Espero que tudo termine bem. Enquanto isso… 

10. The Pains of Being Pure at Heart – The Pains of Being Pure at Heart

Certeza que o Pains of Being Pure at Heart nasceu mesmo em Nova York? Para mim, ainda soam como quatro galeses que, depois de passar o inverno ouvindo The Jesus and Mary Chain e Belle and Sebastian, resolveram passar o verão na Suécia: leram livros cabeçudos, gravaram um disco de rock, e lembraram dos dias calorosos de adolescência. Tipinhos blasé. Que sabem como matar o tempo de uma forma produtiva.

9. Together through life – Bob Dylan

O tempo de Dylan é ontem? É hoje? Não me pergunte. Together through life é mais um álbum que ri sarcasticamente das regrinhas do pop contemporâneo e inventa o som de uma época que talvez nunca tenha existido. Atenção para a sinopse: este é um road movie (em sépia) sobre a pré-história do rock, encenado por um ator/diretor que, impertinente, insiste em esnobar nossas expectativas. Moral da história: mais uma vez, o gênio ri por último.

8. Fever Ray – Fever Ray

A estreia solo de Karin Dreijer Andersson (a mulher-mutante-zumbi à frente do The Knife) é um breu. Não deve, por isso, ser ouvida de luzes apagadas. Como numa produção de horror alemã dos anos 1920, seres estranhos se movimentam lentamente sob sombras. Mais assustador é notar que, na tradição de um Portishead, trata-se de um álbum sobre o terror do cotidiano — que nos aflige entre quatro paredes de concreto. Sabe qual? Aquele que não poupa ninguém.

7. XX – The XX

Quatro moleques de 20 e poucos anos. O que eles teriam a dizer sobre o estado do rock britânico? Praticamente tudo. Mesmo sem querer, o primeiro disco do The XX soa como uma resposta a anos de grandiloquência, ambições épicas e uso descontrolado de fumaça artificial. Com fé quase cega na sutileza, a banda grava lindos esqueletos de love songs que, para nossa completa surpresa, soam mais sensuais que qualquer hit da Kylie Minogue. Sem exageros: um tesão de disco.

6. Dragonslayer – Sunset Rubdown

Pobrezinhos de nós, fãs do Wolf Parade. Depois do tufão chamado Dragonslayer, eu não me impressionaria se os canadenses resolvessem tirar recesso por tempo indeterminado. No disco, o exército de Spencer Krug renasce como uma criatura à parte, ameaçadora e misteriosa. É caminho sem volta: em apenas oito faixas (monumentais, ambiciosas), a banda cobra um lugar espaçoso no mundo. E não deixa que sintamos saudades daquele outro projeto de Krug.

5. Album – Girls

Conhecer a história de Christopher Owens não é fundamental para amar deste álbum (e amá-lo é muito fácil). Mas ela nos ajuda a entender por que um sujeito que passou a infância e a adolescência trancado num culto religioso estupidamente radical resolveu gravar um disco que soa como um grito de liberdade. Do rock ‘n’ roll ao noise, o Girls metralha canções com a alegria angustiante de quem finalmente abre um baú que havia sido trancado à força. Catarse. Ou, se preferir, apenas o som de uma juventude perdida.

4. Two dancers – Wild Beasts

No rock contemporâneo, muitas são as bandas conservadoras que se fazem de ultramodernas. Mas poucas tentam entender o que faz do “rock clássico” um porto seguro tão atraente para fãs de música pop. O Wild Beasts é, por isso, uma raridade: uma banda que abandonou tiques do indie para estudar a arte da canção. Two dancers parece familiar (e tipicamente britânico) desde a primeira audição. Mas a fórmula é revigorada de tal forma – pelas performances lânguidas dos vocalistas, pelos versos enigmáticos, pela atmosfera sombria e decadente que envolve as músicas – que, perto dele, qualquer hit do Coldplay parece desonesto. Nada de novo nessa história. Mas não é sempre que a tradição soa tão urgente.

3. Bitte orca – Dirty Projectors

Não importa quanto tempo você invista no álbum-revelação do Dirty Projectors: ele sempre deixará a sensação de uma obra aberta – uma narrativa sem desfecho. O processo criativo de Dave Longstreth é tão caótico que deixa a impressão de haver vários projetos em estágio embrionário dentro de Bitte orca. Essa profusão de ideias (quase todas inusitadas: há folk, pós-punk, afropop e o diabo) permite ao ouvinte um prazer incomum: somos convidados a nos perder dentro de um álbum de rock. Como nas melhores aventuras, o desafio é totalmente recompensado.

2. Veckatimest – Grizzly Bear

Veckatimest é o contra-ataque que não esperávamos do Grizzly Bear. Muitos fãs do disco anterior, Yellow house, talvez teriam apostado num álbum mais extrovertido e pop (ou, num sentido oposto, mais radical, experimental). Mas a banda – mais madura do que eu e você, possivelmente – preferiu seguir uma trilha mais enigmática. Sob neblina seca, o disco condensa as experiências anteriores (do rock californiano a uma psicodelia dura, quase entorpecida, quase fria) num molde absolutamente compacto. É como se todas as canções inesperadamente decidissem narrar uma só história, com a atmosfera desolada (mas com momentos de esperança e beleza) de um conto de fadas para adultos. Talvez seria melhor ouvir este disco em meio à leitura de A estrada, de Cormac McCarthy. Ou após uma sessão de Deserto vermelho, do Antonioni. Quem sabe aí começaríamos a entendê-lo?

1. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective

Escrevi meus primeiros comentários sobre MPP (e o chamo assim porque somos íntimos) há exatamente um ano. Naquele dezembro, já dava para notar que seria quase impossível encontrar um concorrente à altura do impacto provocado por um disco que soa extraordinário até para os padrões (muito altos) do Animal Collective. Muito se falou sobre como a banda trata a música eletrônica – da mesma forma curiosa (infantil, no melhor dos sentidos) como brincou com elementos do folk e da música experimental. Mas o álbum ainda me deslumbra por outro motivo: por mostrar com clareza a face humana do trio.

Como sempre, não há limites para a invenção musical. O que faz de MPP uma obra-prima, no entanto, é como essa sonoridade irrequieta dialoga com os versos mais francos e emotivos que eles já gravaram. Depois da viagem ao fundo do coração selvagem, eis que encontramos a maior surpresa: Avey Tare, Panda Bear e Geologist, artistas do inusitado, também se sentem perdidos diante das incertezas do nosso mundo. Exatamente como quase todos nós.

Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 1)

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Note a beleza da história: num dos anos mais acidentados da minha vida (quando tudo de errado, estranho e complicado acabou acontecendo), devo admitir que fui salvo pela música. Aleluia.

As canções foram meu refúgio, minha saída de emergência. Fonte de permanente inspiração. Sem elas, eu não estaria assim, saudável. Talvez essa relação de dependência (quase química) explique por que, nesses quase 365 dias, eu tenha engolido muito mais de uma centena de discos (como quem mastiga obsessivamente comprimidos de homeopatia). Uma dieta rigorosa.

Daí que escolher os melhores álbuns do ano, nessas condições, é uma tortura. Não sei por onde começar e, com tempo e ânimo, eu faria uma lista de 50. Tenho absoluta certeza que estou em dívida com cada um deles. Só me sinto meio desapontado com o fato de que os melhores álbuns deste singelo top 20 (e há discos geniais) me lembrarão para sempre de um período que eu preferiria esquecer logo. Talvez seja esse o preço que pagamos pelos efeitos terapêuticos de um bom refrão pop.

Aviso que esta lista é resultado da exposição prolongada aos discos que mais ouvi durante o ano. É o momento de reavaliar álbuns que superestimei ou subestimei. Não venham me cobrar fidelidade a critérios que são e sempre foram/serão abstratos. 

Pois bem.

Antes de irmos ao assunto (e este é um blog que nasceu prolixo e vai morrer prolixo; então, paciência), preciso fazer algumas menções honrosas desorganizadas. São elas:

Menções honrosas 17.5 is the loneliest number (ou: os discos que quase chegaram lá): Ambivalence Avenue (Bibio), Beware (Bonnie ‘Prince’ Billy), Dark days/Light years (Super Furry Animals), Farm (Dinosaur Jr), Jason Isbell and the 400 Unit (Jason Isbell and the 400 Unit), Jewellery (Micachu and the Shapes), Journal for plague lovers (Manic Street Preachers),  La Roux (La Roux), Living thing (Peter, Bjorn and John), Logos (Atlas Sound), Only built for cuban linx, part 2 (Raekwon), Phrazes for the young (Julian Casablancas), Wavvves (Wavves).

Menções honrosas 2 – Pratas da casa (ou: os brasileiros): só dois: Móveis Coloniais de Acaju (C_mpl_te) e Caetano Veloso (Zii e zie) , não necessariamente nessa ordem.

Menções honrosas 3Adorei o conceito (ou: valeu a tentativa): The crying light (Antony and the Johnsons), Discovery LP (Discovery), Embryonic (The Flaming Lips), Humbug (Arctic Monkeys), Popular songs (Yo La Tengo), Tentacles (Crystal Antlers) e Unmap (Volcano Choir). 

E antes que eu esqueça…Obrigado, não (ou: discos que não desceram): It’s blitz! (Yeah Yeah Yeahs), It’s not me, it’s you (Lily Allen) e Primary colours (The Horrors).

Sem mais preliminares, vamos à calçada da fama.

20. Actor – St. Vincent

Desconfie da aparência angelical de Annie Clark: este é um disco de superfície suave e sentimentos ásperos – um explosivo em tom pastel. Não me surpreendi com a descoberta de que delicadas punhaladas como The strangers e Actors foram inspiradas por Walt Disney… e Woody Allen.

19. The ecstatic – Mos Def 

É raro ouvir um disco de hip-hop como este, que desbrava o mundo com entusiasmo e curiosidade (uma das faixas, repare, é apelidada Life in marvelous times). Os versos se aventuram, mas é musicalmente que Mos Def dá o salto largo: do Oriente Médio ao Brasil, taí uma viagem que não passa no Discovery Channel.

18. Watch me fall – Jay Reatard   

Jay, o esquisito da vizinhança, cometeu com Watch me fall o pecado número 1 da indielândia: assumiu o amor pelo pop. Vítima do desprezo (previsível) de quem esperava mais agressividade que doçura, o disco arrisca ambições que vão além da cartilha punk. Ótimo saber que Jay tem a coragem (e o talento) para negar o óbvio.

17. I’m going away – The Fiery Furnaces

Em 2009, Matthew Friedberger se fez notar mais pelas alfinetadas contra o Radiohead que por I’m going away, um dos álbuns mais acessíveis do Fiery Furnaces. Mas a polêmica, acredite, serve como uma boa introdução para um disco que vê Nova York pela lente do otimismo e da simplicidade. Encare com o oposto de The eraser.  

16. Manners  – Passion Pit

Uma banda para nosso tempo: sem conhecer as fronteiras que separam o rock, o pop e a eletrônica, o quinteto brinca com sonoridades à prova de dogmas. E, melhor ainda, sabe se divertir. The reeling e Sleepyhead são alguns belos momentos de uma estreia mais segura (e densa) do que qualquer tinha o direito de esperar.

15. Middle cyclone – Neko Case 

Na capa de Middle cyclone, Neko Case está pronta para o ataque. Não é mera ilustração: no disco mais sortido da carreira, a musa pós-tudo cria canções que Sheryl Crow compraria com a alma – atrevidas e delicadas, convencionais mas imprevisíveis. Tudo muito simples (o disco foi gravado num celeiro!) e particular. Em síntese: um furacão.

14. Wolfgang Amadeus Phoenix – Phoenix  

Convenhamos: o Phoenix gravou pelo menos dois discos melhores que este aqui. Mas o pop também é uma questão de timing. E, em 2009, finalmente o mundo parece ter entendido a ironia quase britânica da mais americana entre as bandas francesas. Saiu com atraso, mas taí a trilha sonora definitiva para Maria Antonieta, de Sofia Coppola. 

13. Tarot sport – Fuck Buttons

Sem a megalomania dos filmes-catástrofe, o Fuck Buttons criou as mais sublimes cenas de explosão do ano. Cinematográfico, Tarot sport altera o estilo do duo (via eletrônica) sem abandonar o essencial: eles ainda nos atropelam com ruídos agressivos e nos fazem flutuar com melodias inesperadamente familiares. Do caos ao céu.

12. Post-nothing – Japandroids 

Vancouver pode ser uma terra desencantada: vazia e chuvosa, inspira pensamentos mórbidos. “Antes nós sonhávamos, agora nos preocupamos com a morte”, admite o Japandrois. Além de resumir à perfeição o desânimo de quem vive em cidadezinha assombradas, eles escrevem crônicas doloridas para jovens adultos. Ruidosas, claro.

11. Bromst – Dan Deacon

O segundo disco de Dan Deacon, um dos mais peculiares do ano, tem o design de uma montanha-russa especialmente perversa: provoca angústia, nos perturba com barulhos incômodos e obriga que sintamos o impacto de quedas bruscas e curvas fechadas. Não é fácil. Mas, ao fim do passeio, não há como negar: foi uma experiência sem igual.