R.E.M.
[michael stipe]
Se vocês tinham quase certeza de que a turnê de 2008 seria a última da banda, então sabiam que Collapse into now seria o último disco?
Bem, agora finalmente podemos falar sobre o tema do disco e sobre o que estava acontecendo. Teve um crítico de música que disse: “Sinto falta de alguma coisa neste disco, mas não sei o que é”, e ele estava falando sobre temas. Acho que ele estava dizendo, consciente ou inconscientemente, que os discos do R.E.M. sempre têm um tema – fogo e água; sexo em Monster, e eles são óbvios. Mas o tema daquele disco não tinha ficado claro imediatamente para ele. Eu sempre penso que sou incrivelmente óbvio, e não sou (risos). Para mim, tematicamente aquele era a despedida mais grandiosa, e a mais óbvia.
Olhando para o disco agora, você está acenando adeus na capa.
Estou dando adeus, sim. Mas nós estamos na capa! O R.E.M. nunca havia aparecido na capa de um disco. E tem a canção All the best…
O desfecho de Blue, que se conecta a Discoverer, fecha um círculo que nos leva de volta a começo do disco.
Sim, e faz referência a Fables of the reconstruction. É aquela história cíclica: o fim é o começo, o começo é o fim. Discoverer é uma canção autobiográfica sobre as minhas experiências em Nova York aos 19 anos de idade. E fecha com Patti Smith, que foi onde tudo começou. Espero que tenha deixado a impressão de uma despedida muito bonita, o disco.
Entrevista de Michael Stipe ao Salon.com. Íntegra aqui.
Enough thunder | James Blake
No “day after” do fim do R.E.M., li uma entrevista com a banda que explicou praticamente tudo o que eu precisava saber sobre a fase final do trio. Eles explicaram (à Rolling Stone americana) que o grupo pretendia encerrar a carreira após o lançamento de Around the sun, de 2004. Mas a reação negativa da maioria dos críticos serviu de estímulo para que a banda se desafiasse a voltar ao estúdio e a concluir a narrativa num tom menos decadente.
Eu não diria que Accelerate (2008) e Collapse into now (2011) são grandes discos, mas eles estão aí para nos mostrar como, para certos artistas, as expectativas do “júri qualificado” (e aí incluo não só jornalistas, mas blogueiros, fãs mais dedicados, tuiteiros com centenas de milhares de seguidores) podem se tornar determinantes para a criação. Os últimos discos do R.E.M., agora ficou ainda mais claro, tentam reafirmar um status, uma posição de prestígio; como quem, após um fracasso de bilheteria, cobra para si um Oscar pelo conjunto da obra.
Me pergunto: o que teria acontecido se o R.E.M. (e isso também vale para outras bandas preocupadíssimas em se manter “elogiáveis” e populares, como o U2 e o Coldplay) tivesse decidido seguir um itinerário autônomo, particular, sem se importar exageradamente com a opinião de quem entende (ou acha que entende) de arte? Desconfio que teríamos discos talvez errados e estranhos, sem os confortos de um Collapse into now – e talvez discos mais duráveis, que guardaríamos na memória por mais tempo.
Talvez eles teriam saído mais ou menos como Enough thunder, um EP de seis faixas que (perdoem a heresia) soa mais instigante que qualquer álbum gravado pelo R.E.M. desde New adventures in hi-fi, de 1996.
James Blake, o inglesinho insolente de 23 anos, vai compondo uma trajetória (formada por obras pequenas e grandes) que pode ser lida como um argumento muito decidido, defendido com convicção, a favor de uma arte que se deixe guiar quase exclusivamente pelos desejos e pela sensibilidade de quem a cria – e não pelas vontades de um “júri qualificado”.
A maior parte das resenhas que li sobre o EP de Blake compra uma briga com o músico que, a meu ver, parece inútil. Ao cobrar que o compositor volte a compor faixas mais psicodélicas e cinzentas, com mais “cheirinho de dubstep” (como as que encontramos nos EPs The bells sketch e CMYK), eles se portam como a mãe zelosa, bem intencionada, que tenta convencer o filho de que o curso de engenharia pode ser uma opção mais segura que artes plásticas.
O ponto de vista de Blake me parece menos conservador, e me lembra de um período em que exigiam do Radiohead canções com mais guitarras e menos barulhinhos esquisitos. Em vez de pedir mais músicas com guitarras, mais músicas similares às que foram feitas no passado, não seria mais prático (ao fã, ao crítico) voltar aos discos antigos e ouvi-los novamente? Sempre vale lembrar, portanto, que continua fácil fazer o download de The bells sketch e de CMYK.
No primeiro álbum “completo” da carreira, lançado em janeiro, Blake optou por, em vez de repetir o que havia feito, abrir um capítulo novo. Em vez de se aprofundar num breu dub (mas sem abandoná-lo totalmente), ele preferiu ressaltar a própria voz (triturada por efeitos de estúdio) e melodias escritas ao piano. Enough thunder não apenas confirma essa tomada de posição como evita quase tudo o que se cobra de Blake. É o EP de um singer-songwriter, e não (ou pelo menos não tanto) de um geniozinho da eletrônica.
Com um pouco de atenção, se nota que Blake continua a tratar com detalhismo impressionante toda uma soma de efeitos sonoros que envolve as melodias – as faixas de abertura, Once we all agree e We might feel unsound, nos transportam imediatamente para uma madrugada chuvosa. Aos poucos, no entanto, o disco vai se despindo dessa mise-en-scene, até se mostrar pele-e-osso, numa interpretação vazia (de propósito) para A case of you, de Joni Mitchell.
O único momento em que Blake nos entrega aquilo que queremos dele é também o que soa mais deslocado dentro do EP: a colaboração com Bon Iver em Fall Creek Boys’ Choir. Um single potente, sem dúvida (e mais por “culpa” das interferências sutis de Blake que dos maneirismos de Iver), mas que acaba abalando a atmosfera azulada, à la In the wee small hours, que as músicas anteriores criaram.
As últimas faixas, felizmente, recuperam o tom inicial, de um lento entorpecimento (de um romantismo fora de moda). Not long now se conecta ao disco anterior como uma espécie de cordão umbilical: é uma construção de vidro, que deixa a impressão de uma estrutura simultaneamente frágil (não tem nada lá dentro, acusam os detratores de Blake) e sutil. É aí que Enough thunder dá o adeus definitivo aos clichês do dubstep: o caminho que se toma é outro (e, goste ou não, este som é só dele).
O que me parece tocante nessa história toda é que, mesmo quando nos frustra ao deixar a impressão de que grava esboços de ideias, Blake está seguindo um roteiro à prova de testes de audiência. Fico aqui torcendo para que, nos próximos discos, ele insista nesse plano louco, suicida, de se apresentar ao mundo da forma como bem entende.
EP de James Blake. Seis faixas, com produção de James Blake. Lançamento Atlas Records. 74
Os discos da minha vida (45)
A incrível, terrível, estranha (porém previsível) odisseia dos 100 discos da minha vida chega a um episódio especialmente mágico. É que estamos coladinhos no top 10, meus amigos, prontos para a última etapa de uma viagem que começou em… em… quando mesmo? Não lembro. Mas faz um tempão. Um tempão.
Estou pensando em alongar o suspense e, a partir do próximo capítulo, ir postando um disco por semana. O que vocês acham? Seria uma desculpa, é claro, para escrever um pouco mais sobre cada álbum, numa torrente quente (e desnecessária) de sentimentos e lembranças. Mas, se vocês preferirem, posso abreviar o novelão e ir aos finalmentes. Então? Vocês é que sabem.
Não custa lembrar que esta aqui é uma lista pessoal (por isso, sem ambições técnicas, talvez filosóficas) de discos que marcaram a minha vida. Esse critério explica por que há muitos álbuns dos anos 90, época em que eu era adolescente (e cada disco era uma questão de vida ou morte). Aqui, Elliott Smith vem antes dos Rolling Stones. Mas acho que só aqui mesmo.
No mais, não existe nenhuma incoerência nisso: no meu ranking de discos mais importantes, influentes, venerados, desejados, adorados etc, não tem Elliott Smith (coitado do homem, mas a vida é assim).
Esta semana, em vez de tecer defesas rocambolescas e apaixonadas para álbuns que são unanimidades, vou seguir jurar fidelidade à lógica desta série de posts e escrever textinhos também muito íntimos, sobre como eu encontrei esses dois álbuns extraordinários e como eles me atropelaram sem que eu percebesse. Simplezinho, ok? Ok.
012 | Automatic for the people | R.E.M. | 1992 | download
O meu primeiro do R.E.M. foi Out of time (1991), uma fitinha-cassete adorável que ganhei de aniversário e ouvi alegremente até o dia em que meu microsystem resolveu trucidá-la com uma mordida. Foi triste. Mas, um ano depois, aquele álbum colorido e melodioso já parecia pertencer à minha infância. Existia uma distância enorme que nos separava, e Automatic for the people chegou como que para mostrar que o R.E.M. estava ciente disso. Aquele era um disco mais cinzento e rarefeito, mais ou menos como eu me sentia em 1992, ano em que me mudei do Rio de Janeiro para Brasília. Depois descobri que era uma espécie de tratado sobre morte e luto, mas na época me parecia um aviso sereno de que uma fase na minha vida havia acabado. So long, meninice. Também era o disco que me uniu ao meu padrasto num período em que mal nos entendíamos. Criou-se um elo, finalmente. Em 1992, Automatic soava como uma ladainha talvez adulta demais, límpida em excesso, um sinal cristalino emitido de um radar distante, velho, suspenso no tempo. Um disco que sempre esteve lá, out of time. Hoje vejo apenas como um álbum lindamente polido, obra-prima desde o berço, perfeito demais para ser verdade. Top 3: Nightswimming, Drive, Everybody hurts.
011 | A tábua de esmeralda | Jorge Ben | 1974 | download
O disco de Ben, o meu brasileiro preferido, me leva ao tempo em que eu aprendia violão (sem muito sucesso). O professor fazia de tudo para defender a delicadeza sublime e a eternidade das batidas da bossa nova, mas aquilo me aborrecia de tal forma que eu acelerava as lições para chegar aonde eu queria: nos Beatles. As melodias que me atraíam eram as de Jorge Ben, os sambas do início de carreira, mas o professor dizia que eu não estava pronto para elas. E me indicou A tábua de esmeralda, uma “suruba de violões, muito louca” (nas palavras do sujeito, sempre muito saidinho). Quando ouvi o disco, saquei imediatamente o que ele quis dizer: não lembro quantas vezes reprisei a introdução de Os alquimistas estão chegando, tentando entender como aquilo era feito. E realmente soava como uma sandice: o Ben que deslizava naquelas músicas não era o malandro galante&sacana dos anos 60, mas um guru louco e genial, tentando engavetar os segredos do universo dentro do refrão – será que Philip K. Dick ouviu aquilo ali para escrever Valis, de 1981? Mas foi quando ouvi o ingrês de Brother que bateu o alívio: então temos o direito a criar músicas que soam como jogos infantis, canções sem sisudez alguma? Depois daquela revelação, as aulas de violão ficaram mais divertidas. Top 3: Brother, Os alquimistas estão chegando, Magnólia.
Após o pulo, veja os discos que já apareceram neste ranking.
Mixtape! | Março, a terra treme
A mixtape de março é um pouco mais ruidosa e bruta que as dos meses anteriores, mas não acredito que faça mal aos ouvidos mais sensíveis. Ela ruge, porém não fere. Pode provocar alguma aflição. No entanto, garanto que isso passa. Não tenham medo. Não é pra tanto.
E não foi criada pra incomodar, arrepiar pelinhos do braço, nada disso. Nas três últimas faixas, por exemplo, ela se transforma na coletânea mais adorável que eu gravei. A mais adorável. E olha que já são quinze.
Março, lembrem aí, foi um mês de tsunami, terremoto, bombas, ataques aéreos. A terra tremeu (literalmente e metaforicamente), e estas faixas de certa forma também se abalam com tudo o que acontece. A ideia era que o CD soasse um pouco mais nervoso, um pouco mais instável (acho que a palavra é essa) que os outros.
Não sei se funcionou. É assim que ele é: mais ou menos como o meu cachorro de um ano de idade, o Tom, que às vezes nos morde quando tenta fazer carinho. Um tantinho perigoso, mas amável.
Ao contrário da mixtape de fevereiro, esta não tem um conceito muito fechado nem conta uma história, ainda que alguns temas tenham aparecido mais do que eu gostaria que aparecessem. Acaba que ele se torna um CD de amor, muito otimista e esperançoso. Ouça até o fim e comprove. Que peculiar: as minhas mixtapes acabam sempre mostrando em que pé estou.
Musicalmente, ele forma uma imagem: um céu azulzinho (pop sessentista, girl groups, etc) com algumas nuvens muito cinzentas ao redor da moldura, esperando para atacar. Caem pingos de Lykke Li, The Kills, The Vaccines, Alex Turner, Yuck, Kurt Vile, Vivian Girls, R.E.M., Elbow e The Pains of Being Pure at Heart.
A foto lá de cima é da Lykke Li, que gravou meu disco favorito do mês (Wounded rhymes). Mas a minha música favorita da mixtape é a do Yuck.
É possivelmente a melhor mixtape que eu gravei. Ouço há duas semanas sem parar, e minha namorada parece também ter gostado um tanto (sobretudo da música do Alex Turner, que fez com que ela abrisse um sorriso muito bonito).
Então taí: uma mixtape com sentimentos nobres embalados em papel áspero. É por aí. Espero que vocês gostem e, quem sabe?, escrevam um comentário sobre mais esta humilde seleção musical do tio Superoito.
Faça aqui o download da mixtape de março. E boa semana.
Collapse into now | R.E.M.
Escrevi pro jornal um textinho sobre o novo do R.E.M., Collapse into now. Quase tudo o que eu penso sobre o disco, que passou quase batido pelos meus headphones, está lá.
Para evitar que este blog perca o timing dos acontecimentos – e sem medo de soar incoerente, já que o próprio álbum é confuso, desconjuntado -, dou o “ctrl+v” na resenha para, logo em seguida, fazer alguns comentários que não couberam na página de papel. É assim:
Um estilo no automático
Ainda que não faça questão de esconder as rugas, o R.E.M. rejuvenesceu pelo menos 10 anos com Accelerate, de 2008. Aquele era um disco de rock compacto, tostado por uma iluminação dura que incidia em todas as canções. Em comparação, Collapse into now sinaliza um retrocesso: uma aventura sem tantos riscos, que provoca no fã a sensação imediata de familiaridade.
Em entrevistas, Michael Stipe comentou que o álbum espelha uma nova forma de consumir música, mais desatenta e fragmentada. Talvez faça sentido. Tal como The king of limbs, o mais recente do Radiohead, este conjunto de faixas também carece de unidade, de uma narrativa que garanta a elas um chão.
Talvez o vocalista tenha razão quando nota, que em 2011, o público se apaixona mais por canções que por discos. Esse “estado de coisas” justifica o formato despreocupado de Collapse into now, com um punhado de cenas fortes — como a vibrante All the best, que gruda na primeira audição, e as delicadas Überlin e Walk it back — que não se encaixam.
De um lado, há os herdeiros ruidosos de Accelerate. De outro, as reminiscências dos anos 1990. Ao afrouxar as ambições, o R.E.M. produz uma obra de impasse (e, quem sabe, transição), na linha de New adventures in hi-fi (1996) e Reveal (2001).
O que distancia este novo R.E.M. da obra-prima Automatic for the people é, acima de tudo, um certo desânimo com as palavras. Os versos se tornam cada vez mais singelos, sem a densidade dos tempos de Document, por exemplo.
A soma desses microcontos, apesar de flashes de inspiração (como Oh my heart e Discoverer), resulta numa obra efêmera. Ou, no melhor dos cenários, uma pausa breve no meio do caminho.
Duas ou três coisas mais:
1. Numa entrevista, Mike Mills apontou a diferença entre Accelerate e Collapse into now: aquele era um “statement”, este novo é um conjunto de canções “sem regras”. Pois percebo cada vez mais que o R.E.M. se sai melhor quando grava “statements” – discos coesos, cheios de regras, envolvidos numa atmosfera, num tom muito específico. São esses os meus preferidos: Murmur, Document, Automatic for the people, Monster (e daria para incluir Accelerate aí, mas não vejo tanta potência nas canções).
2. Já os discos “de transição” sempre têm dois ou três momentos de parar o coração (At my most beautiful, em Up!, E-bow the letter e Electrolite, em New adventures in hi-fi), mas soam como exercícios leves, que não exigem muito esforço – uma banda ganhando tempo. Collapse into now faz parte desse círculo – não tão potente quanto New adventures in hi-fi, não tão irregular quanto Reveal.
3. O mais triste é que, nos versos de Collapse into now, dá para notar um “tema” – melhor: um estado de espírito – que poderia formar um álbum menos desfocado. Os personagens de faixas como Walk it back e Oh my love são tipos que chegam à meia-idade como quem tenta reconhecer uma cidade em ruínas (não à toa, parte do álbum foi gravada em Nova Orleans). As faixas mais alegrinhas aliviam esse disco cinzento que existe aqui dentro. Mesmo quando Stipe avisa que vai ensinar os meninos a agir do jeito certo (em All the best), fica a imagem de uma risada amarga, irônica. Desconforto.
4. Existe aí dentro um álbum sobre efeitos do tempo, reconstrução, reencontros. Mas a ideia está dissolvida; talvez ganhe corpo mais tarde.
Décimo quinto disco do R.E.M. 12 faixas, com produção de Jacknife Lee. Lançamento Warner Music. 6/10
Os discos da minha vida (24)
Neste episódio da saga dos 100 discos que atazanaram a minha vida, meu voto é pela economia de parágrafos: vocês sabem como são as regras deste jogo, vocês sabem que as regras deste jogo são muito subjetivas, vocês sabem que este ranking não segue uma lógica muito clara e vocês sabem que somos grãos de areia num universo grandalhão e infinitamente misterioso.
Resumindo: a falta de sentido tem o seu encanto.
Só preciso lembrar-lhes, antes de partir para os álbuns da semana (extraordinários, juro), que é o grande lance desta série interminável de post é clicar naquela palavrinha sublinhada em azul e fazer o download de discos que deixarão a sua discoteca muito parecida com a minha. Não sei se há vantagem nisso, mas fico feliz com a ideia.
054 | Murmur | R.E.M. | 1983 | download
O primeiro LP do R.E.M. ainda soa a expressão mais cristalina da banda. As melodias vêm carregadas de uma intensidade quase bruta, que contrasta com uma poesia sempre engenhosa, enigmática. Uma tipo sofisticado de rusticidade que muitos tentaram copiar, mas cujo efeitos poucos conseguiram reproduzir (a tentativa mais recente: The king is dead, do Decemberists). Nos álbuns seguintes, o R.E.M. se tornaria mais “inconsequente” – com resultados às vezes deslumbrantes, mas sem essa dedicação obsessiva a uma ideia musical. Uma das obras-primas dos anos 80, Murmur retrata uma juventude precocemente madura – uma banda apaixonada por um estilo que soava simultaneamente novo e clássico, original e velho. E a história estava só no começo. Top 3: Talk about the passion, Pilgrimage, Sitting still.
053 | Parklife | Blur | 1994 | download
Um álbum pop que soa como um daqueles livros infantis que tentam nos surpreender a cada dobradura: se o rock britânico dos anos 90 precisava de monumento, encontrou neste playground do Blur. Mais grandioso que isso: neste voo panorâmico sobre a ilha, Damon Albarn usa os standards do pop inglês à serviço de uma longa crônica sobre a vida de meninos e meninas anônimos que se aprontam para o feriado, sonham com a América, temem a velhice, sofrem de amor e caminham em ruas enevoadas. Pessoas comuns (so many people!) – cujas histórias são narradas com o misto de euforia e melancolia, excitação e a certeza dolorida de que, apesar dos pequenos prazeres que provoca, o cotidiano não vai mudar. Top 3: To the end, End of a century, Parklife.
R.E.M. em São Paulo
Este não foi o melhor show do ano: foi um dos shows da minha vida.
Por isso mesmo, vamos com calma. Que ninguém espere deste post um relato minimamente distanciado da apresentação do R.E.M. na Via Funchal, em São Paulo, na noite de segunda-feira. Não dá. Foi um daqueles espetáculos impecáveis que conto nos dedos da minha mão direita.
Mas vocês deveriam acreditar um pouco em mim. Pelo menos um pouquinho. Este talvez seja o melhor exemplo de uma banda com muitos anos de estrada que nega a auto-indulgência dos desfiles de hits. Que imprime novos conceitos a antigos sucessos. Não é detalhe. O Jesus & Mary Chain poderia aprender com eles: o R.E.M. fez um show pulsante, contemporâneo, carregado de urgência – o espelho de ídolos que olham para o passado, mas fazem questão de habitar o tempo presente.
Note as imagens do telão, uma sobreposição de flashes fora de sintonia (e uma aula para Kanye West). Elas dão o clima da apresentação: mescla letras de música e videoclipes, cenas da platéia e slogans a favor de Obama. É um caos visual, frenético, que chega a lembrar a idéia que havia por trás da turnê Zoo TV, do U2. ‘São centenas de canais de tevê, mas nenhum que gostariamos de ver’, dizia Bono. Mas Michael Stipe fala de um “novo mundo”, canta sobre pessoas que “não se importam” (no hit mignon Supernatural superserious) e lança o desafio: “nossos shows são reflexos de nossas opiniões políticas. Escolhemos estas músicas de acordo com o que estamos sentindo no momento.”
Aposto que foram poucos os fãs que tentaram decifrar as conexões entre Drive, Losing my religion, Everybody hurts, Imitation of life e Barack Obama. Eu estava perdido nas minhas memórias de adolescente, e num determinado momento parecia até que aquele show tinha sido planejado para a minha geração, que acompanhou o R.E.M. a partir de Out of time. Foram nada menos que cinco faixas de Automatic for the people (entre elas, a obra-prima Sweetness follows) e três de Monster (Let me in, escrita em homenagem a Kurt Cobain, ganhou uma surpreendente versão acústica). O que eles querem com isso?
Talvez nada muito complicado. Ao vivo, o R.E.M. é um animal em extinção: uma banda madura o suficiente para interpretar e modelar o próprio repertório por caminhos nada previsíveis (mesmo quando tocam as músicas que todos querem ouvir). Quem imaginaria que as canções de Accelerate, quase anêmicas, combinariam tão bem com as de Automatic for the people? E que as de Monster, como I took your name, parecem extremamente sofisticadas perto das novas faixas? Eu não tinha pensado no assunto.
Se o R.E.M. é um dinossauro do pop (e não no mau sentido: é que hoje simplesmente não há habitat para bandas tão grandes), como fica Michael Stipe? Taí um vocalista completo, quase ultrapassado (até no discurso político, em desuso), um mestre de cerimônias que toma as rédeas do espetáculo sem se deixar vencer por ele – ele dialoga constantemente com o público, brinca com a pose de superstar, tem consciência absoluta da dimensão do próprio ofício (que Kaiser Chiefs tome anotações).
Desde New adventures in Hi-fi, não há um único álbum do R.E.M. capaz de ilustrar o imenso potencial criativo da banda ou o gênio de Michael Stipe. No palco, tudo passa a fazer sentido. O grande momento do show, o que sintetiza o trio, é Man on the moon: versos maravilhosamente literários e lotados de referências pop e políticas (que citam Elvis Presley e Andy Kaufman) cantarolados com facilidade por uma multidão. Se não estivessemos tão saturados de Losing my religion e It’s the end of the world (as we know it), notaríamos nessas músicas essa mesma qualidade: mesmo nos momentos mais acessíveis, o R.E.M. nunca cobrou barato do público (e não falo dos R$ 200 cobrados pela produção do evento), nunca se fez de bobo.
Juntas, as 25 canções do set list também sublinham o gosto da banda pelos momentos mais emotivos, delicados, com melodias que estão à altura do lado cerebral das composições (e essa batalha o R.E.M. trava desde o primeiro disco): Everybody hurts, uma das letras mais simples deles, é também a mais devastadora. O impacto de Drive se mede pelo acúmulo de versos que se repetem feito um mantra. E The one I love chega a destoar do conjunto verborrágico de Document, um álbum que, apesar de tão político, foi pouco lembrado no show (e não teve nada de Around the sun, felizmente).
Sem o neon da turnê de Up, o R.E.M. de Accelerate é preto no branco: uma banda lúcida, perene e relevante num mundo pop que devora a si mesmo a cada frame (atenção ao telão!). De um monumento, impossível cobrar mais que isso.
PS: Tudo isso para tentar convencê-los de que não caí no choro em What’s the frequency, Kenneth? à toa, ok?