Relacionamentos
(segunda-feira, saída do trabalho, 19h)
Ele: Tiago, eu acho tudo isso uma coisa estranha. Cê era um cara tão fechado, tão na sua, ninguém nem queria saber sobre a sua vida. E agora taí, contando tudo, se abrindo pra todo mundo, desabafando, se arrastando. Te digo um negócio: cê tá sofrendo. Tá sofrendo. Tá na sua cara, olha aí.
Eu: Não sei.
Ele: E cê tá sofrendo porque ainda gosta dela. Ainda gosta dela. Cê criou uma explicaçãozinha racional pra não ter que encarar o fato de que ainda gosta dela. Criou e até acha que tá se dando bem, se convencendo de que tá tudo melhorando, de que tomou a melhor decisão, de que pegou o caminho certo.
Eu: Não sei.
Ele: Mas é. É, e eu vivi um lance parecido. Ainda tô vivendo. E só passei a me sentir bem comigo mesmo quando percebi que eu gosto dela de verdade. Eu gosto dela, porra. E foda-se, velho, se ela acabou de se mandar pro Rio, se ela tá com outro, se ela desencanou geral. Foda-se, não ligo, eu gosto dela. Me fodi, entende? Me fodi bonito. Mas claro: uma coisa é gostar e ficar batendo a cabeça na parede, a outra é gostar e assumir que não tem mais jeito. E aí você tenta seguir em frente.
Eu: Não sei.
Ele: Ou se esborracha. Mas aí é opção sua, sacou? Aí é você decidindo sobre a sua vida. E você não quer ficar preso numa merda de uma relação que já morreu, quer? Eu decidi que, porra, elas que esperem. Não vou ficar que nem um cachorrinho. Vou ficar quieto. Não vou atrás de mulher pra casar, e você sabe que elas já vêm com aliança na porra do meu dedo. As prioridades são outras. Vou trabalhar, ganhar dinheiro, comprar meu apartamento, focar, focar. Minha independência, entende? Eu queria era nunca ter entrado naquela merda daquela relação. Cinco meses no esgoto. Mas eu gosto dela, cara. Eu gosto dela. E você também tá nessa lama que dá pra perceber.
Eu: Não sei.
Personal life | The Thermals
Depois de uma fábula apocalíptica (The body, the blood, the machine, de 2006) e de um disco narrado por defuntos (Now we can see, 2009), o Thermals finalmente desce à “vida real”.
Não estamos falando, é claro, de um disco sobre a VIDA REAL, já que seria um tema abrangente demais para uma banda que costuma ser extremamente específica nas questões de que trata. O fim do mundo, por exemplo. A morte, outro exemplo. E, agora, as relações amorosas.
O nome do disco é Personal life. Mais explícito do que isso, impossível.
Você lembra de quando era criança e a professora pedia para que os alunos escrevessem redações de “tema livre”? E lembra daquele amiguinho seu que, pronto para se esbaldar com tanta liberdade, preparou um texto incrível sobre uma guerra interplanetária entre besouros, marcianos e operários da construção civil? Pois bem: se o Thermals fosse um desses jovens estudantes, ele escreveria sobre besouros ou marcianos ou operários da construção civil ou planetas ou sobre guerra. Nunca sobre todos esses temas ao mesmo tempo.
O curioso, no caso da banda, é notar como ela se movimenta dentro de limites muito bem acimentados. Daí a diferença entre Personal life e aqueles dois discos que o trio gravou recentemente: é um álbum um pouco mais aberto a desvios imprevisíveis. Um pouco.
O que não chega a ser uma grande revelação — ou um avanço —, já que ninguém espera que o Thermals se transforme num Of Montreal. É uma banda concisa, econômica, que fabrica discos orgulhosos da própria pequenez. A sonoridade de Personal life cabe num dedal: punk melodioso com pouquíssimos acessórios, estética de demotape e sem os esteroides que se espera do gênero. É, aparentemente, até manso. E sempre foi assim.
Mas, como acontece com o Hold Steady e com o Gaslight Anthem (para ficarmos em dois casos), é como se a simplicidade melódica combinasse com o universo dos personagens. Ela serve à narrativa (e não o contrário). E, no caso do Thermals, é a narrativa que nos conquista. É, acima de tudo, a franqueza (e o humor meio geek, de fãs de gibis) como a banda chama o público para bater um papo.
O indie rock tem sim uma vocação para a aventura, para olhar além da mesmice programada por executivos de gravadoras (o paraíso não é o disco novo do Klaxons, digamos). Mas também é um ambiente adequado para a espontaneidade, para o discurso “ao pé do ouvido”, para a confissão sem filtros ou efeitos digitais. O selo do Thermals, Kill Rock Stars, já lançou álbuns do Elliott Smith e do Sleater-Kinney. São três artistas que, ame-os ou não, soam reais.
Dito isso, vamos ao dark side of the record: Personal life mostra a face mais frágil do Thermals. Pronto. Falei. Ele não tem a fúria de The body, the blood, the machine nem canções tão tocantes (e enlouquecidas) quanto as de Now we can see. É, em síntese, um bloco de anotações (escrito a lápis) sobre o início, o meio e o fim de um caso. Abre com uma música chamada I’m gonna change your life e termina com You changed my life.
Simples. Mesmo quando sabemos que essa história toda, essa epopeia toda, não é tão simples quanto esse disco dá a entender.
O amor é um tema que massacra o pragmatismo do Thermals. Dá até para afirmar que este disco é o registro de uma derrota: a banda tentou enfrentar o conceito e perdeu. Mas tentou. Há momentos em que o disco belisca perigosamente o emocore (Only for you é quase-quase um épico romântico) e há outros quase singelos, em dívida com Kurt Cobain (Alone, a fool). Gosto muito de Not like any other feeling, em que eles tentam explicar o sentimento e não conseguem.
Paciência.
Truffaut dizia que o amor é o maior dos temas. Concordo com ele, e acredito que o maior dos temas cabe num disco de indie rock. Cabe. Mas não neste. Em faixas como Power lies, o Thermals ainda tenta criar conexões entre a política e a dinâmica de uma relação amorosa. Poder e mentiras. E promessas falsas. E tudo o mais. Nas últimas canções, falam diretamente aos fãs. Your love is so strong, etc. O discurso se alarga, mas sabe o que acontece? A narrativa, mesmo tão sentimental, parece raspar a superfície do drama.
Eu torceria por uma continuação (e para que, neste período, eles ouvissem um pouco mais de Blood on the tracks). Mas o Thermals é uma banda de rock que teme a redundância. Não musical, entenda (alguns riffs deste disco lembram os de discos anteriores, o pulso nem sempre pulsa), mas temática. Na próxima redação do colégio, este aluno aplicado do indie americano vai escrever sobre golfinhos ou aquecimento global ou paternidade ou adoção. E ainda vai soar adorável como sempre soou.
Algumas coisas não mudam.
Quinto disco do The Thermals. 10 faixas, com produção de Chris Walla. Lançamento Kill Rock Stars. 6.5/10