Ranking
Os filmes da minha vida (1)
A ideia de criar uma lista com os 100 filmes da minha vida pode parecer uma grande bobagem. E, pensando bem, é mesmo.
Refleti bastante, ó meus amigos, antes de sair por esta estrada perdida. Bastante. Mas cheguei à seguinte conclusão: se eu não começasse esta jornada, envelheceria para sempre frustrado. E não estou sendo dramático em relação a tudo isso, acreditem.
O objetivo aqui é, acima de tudo, não repetir os erros que cometi na neverending saga dos 100 Discos da Minha Vida. O maior deles: em alguns momentos, olhando agora no retrovisor, percebo que aquela lista ficou um pouquinho impessoal, como se eu quisesse listar os discos que admiro – e não muito aqueles que acabaram marcando a minha vida, talvez por motivos que escaparam do meu controle.
Pois bem: nesta lista de filmes, o critério definitivamente não é o de um ranking de melhores, de mais influentes, de mais mágicos ou perfeitos (ou algo do gênero). O que vocês vão encontrar é uma listinha muito particular, uma espécie de diário-a-lápis que conta histórias sobre a minha relação com o cinema.
Em muitos casos, nem lembro muito sobre o conteúdo dos filmes. Por isso, este guia será totalmente inútil a quem procura indicações para alugar DVDs ou programar opções na tevê por assinatura. Tentarei escrever textos também rasteiros, inúteis, como que flashes de lembranças. Não vão servir para muita coisa, garanto.
Minto. Talvez eles sirvam para que vocês entendam um pouco mais sobre a pessoa que escreve neste blog. Estes filmes, de uma forma ou de outra, me entregam. O blogueiro está nu. Eles foram afinando meu olhar, mesmo sem o meu consentimento.
Ao contrário da lista de discos, esta aqui não tem links para downloads. Infelizmente. Se vocês quiserem se aventurar nesses filmezinhos, terão que ir à luta por conta própria (mas sei que os cinco leitores deste blog são todos grandinhos e, portanto, tudo vai dar certo).
A lista segue numa ordem que não é linear. Começa na minha infância, com o primeiro filme que vi no cinema, e termina na minha adolescência. Tem filmes que vi este ano e alguns que vi em 1991, 1995. Filmes em película, em DVD, em VHS. Filmes medíocres e obras-primas. Filmes que não consigo rever (porque desatam memórias difíceis) e filmes que revi vinte vezes. Filmes que me ensinaram e que me deseducaram, filmes cujo impacto ainda não sei explicar.
Tal como o ranking dos discos, este aqui vai irritar profundamente àqueles que lutam contra o “umbiguismo” na escrita sobre obras de arte. A esses supostos leitores, peço paciência: estes pequenos textos tratam apenas dos encontros entre um sujeito irrelevante (eu) e imagens que talvez vivam centenas, milhares de anos.
Uma grande bobagem, portanto (que vou tentar atualizar às segundas-feiras, toda semana; stay tuned).
100 | Os Trapalhões no Auto da Compadecida | Roberto Farias | 1987
O primeiro filme que vi no cinema estremeceu a minha rua. Eu, oito anos de idade, estava tão perplexo quanto os vizinhos, os meus primos, os meus amigos. “Vi com meus próprios olhos: o Didi morre“, eles diziam. E aquela ideia me dava arrepios. Porque os filmes dos Trapalhões, que eu via em VHS e na tevê, eram espetáculos de circo: comédias que deveriam nos alienar da ideia de morte. Daí que a sessão de O Auto da Compadecida, com Renato Aragão no papel de João Grilo, contaminou o cinema (e era um cinemão, desses que não existem mais) com um ar de desemparo. Lembro bem. Era como se alguém tivesse lançado fogo na lona, maltratado os bichos, assediado a bailarina. O fim do filme resolve essa impressão de desencanto (Didi vive!), mas, quando penso naquela sessão, tudo o que aparece nas memórias é a derrota do herói. A morte. E o cinema, para mim, começou estranhamente assim: como um espaço de melancolia, um templo de verdades difíceis, de descobertas às vezes desagradáveis.
099 | Confiança | Trust | Hal Hartley | 1990
É um dos filmes da minha pré-adolescência, e tenho quase certeza de que o encontrei na hora certa. Lembro muito pouco sobre ele, mas o que lembro me parece imaturo, um tanto pueril. Não sei se, numa revisão, ele ainda me diria alguma coisa. De qualquer forma, na época era um dos filmes que eu mais admirava, e eu até achava que o compreendia totalmente. Eu queria ser um daqueles personagens, vagando vagabundamente por Long Island, conversando sobre Sentimentos Densos de um jeito descompromissado, como quem discute o capítulo da novela. Uma ceninha ficou: aquela em que Adrienne Shelly de repente despenca do muro, só para ver se o Martin Donovan vai impedir que ela caia. Ele impede: e aquilo ali me tocava, quando eu tinha 11 anos de idade e não sabia quase nada sobre cinema independente americano, Hal Hartley, juventude, amizade e confiança.
Os discos da minha vida (33)
Só por hoje, vou simplificar a equação. Os discos + Minha vida = Saga dos 100 discos da minha vida. Capítulo 33.
Facinho.
Sem pormenores, então. Que não tá fácil pra ninguém, a vida. Tenho uma montanha de livros para ler, muitos discos para ouvir, filmes para três vidas, séries de tevê que adormecem na dimensão dos desejos que não serão realizados. No meio tempo entre uma e outra coisa que não vou fazer, ainda tenho que aprender a fritar ovo e a talhar madeira. Hoje, o que me resta é escrever este post, esticar as pernas na cama e dormir. Que o tio aqui está pregado.
E ainda tem que peça pra eu escrever mais sobre cinema. Vocês, hem.
Os dois discos deste post são insubstituíveis. Caso contrário, não estariam entre os meus 40 favoritos de todos os tempos. Darei um jeito de encher uma caixa de papelão com os 40 disquinhos, daí vou carregar todos comigo para uma ilha deserta. Vamos ficar bem.
036 | Daydream nation | Sonic Youth | 1988 | download
Este é um dos raros discos de rock que a Biblioteca do Congresso, nos Estados Unidos, selecionou para efeitos de preservação. É justo. Mas imagino o que vai acontecer quando, daqui a 50 anos, um menino muito curioso, 12 anos de idade, se aventurar numa pesquisa sobre a música pop do fim do século 20 e esbarrar nisto aqui. Certeza: um tanto de susto será inevitável. Ainda mais se ele tiver crescido na companhia de bandas que se acostumaram ao conforto das escolhas óbvias, dos pequenos riscos, dos hits de efeito imediato e curta duração. O Sonic Youth de Daydream nation é um esporte inseguro: as longas jam sessions que deram origem ao disco transformam cada música em cruzamentos de pop e vanguarda, Jimi Hendrix e Joni Mitchell, Neil Young e Andy Warhol. O estilo da banda já estava criado, mas aqui ele é amplificado numa moldura monumental. Para museus de arte contemporânea, garagens encardidas e afins. Top 3: Teen age riot, Providence, Silver rocket.
035 | What’s going on | Marvin Gaye | 1971 | download
What’s going on é soul music naquilo que, a partir dos anos 70, o gênero teria de essencial: um homem perplexo diante do mundo. Depois de se tornar uma das vozes mais populares da Motown, Gaye ignorou as obrigações do pop-para-rádios para compor um disco que pode ser “lido” como uma carta aberta, uma crônica pessoal sobre o início dos anos 1970. O personagem principal – um veterano que retorna do Vietnã e encontra um país despedaçado – era um reflexo do cantor, perdido numa década que não prometia ilusões. A pergunta que guia o álbum ecoava, por isso, com o poder de um emblema: “O que está acontecendo?”. Ainda ecoa, aliás. Hoje, pode não ser fácil a identificação com versos que comentavam um período histórico muito específico. Mas o sentimento de inadequação que transborda nessas canções é universal, eterno, e continua a nos emocionar. Top 3: Mercy mercy me, What’s going on, Inner City blues.
Os discos da minha vida (32)
A saga dos 100 discos que cegaram a minha vida chega a um episódio de estourar as retinas: dois discos reluzentes, brilhantes, que nos obrigam a usar óculos escuros.
Não adianta, meus amigos: a tendência é que os textos desta lista se tornem cada vez mais descontrolados, dramáticos, um derramamento de lágrimas sem fim. São álbuns tão luminosos já me arrepio só de ver as capas.
Nessa altura, vocês já sabem como este neverending ranking funciona. Ele não obedece a nenhum tipo de critério muito prático e a única certeza que temos é a seguinte: provavelmente, ele não acaba nunca. Ok, falando sério: são discos que estiveram lá nos momentos mais importantes da minha vida e que, de certa forma, determinaram a forma como ouço música. Eles explicam quase tudo o que eu sei: atenção a eles, portanto.
E, caso vocês não os conheçam (duvido muito), há como fazer o download dessas joias.
038 | The soft bulletin | The Flaming Lips | 1999 | download
Em 1997, o Flaming Lips lançou Zaireeka: uma coleção de quatro CDs que, para serem compreendidos, deveriam ser ouvidos simultaneamente. Lembro que só conseguiu realizar a experiência uma única vez – depois de pedir emprestado o micro system do vizinho -, mas não esqueço a sensação: era como estar no centro de uma orquestra de space rock formada por um bando de músicos pirados. Era um projeto fascinante, mas só para os devotos de Wayne Coyne. Lançado dois anos depois, The soft bulletin transporta essa sonoridade 3D, obsessivamente criativa, para o formato de um disco de pop rock. O efeito, inebriante, não deixa nossos sentidos em paz. Interpretando o papel de um louco cientista de sons, o vocalista escreveu canções sobre ciência, filosofia, o espaço sideral e morte. No disco inteiro, a impressão é de que Coyne está surpreso, perplexo, eufórico com as músicas que inventou. Na última faixa, ele se desintegra diante dos nossos olhos. De volta ao pó, e certo de que não conseguiria repetiria o truque. Top 3: Suddenly everything has changed, Race for the prize, Waitin’ for a Superman.
037 | Abbey Road | The Beatles | 1969 | download
A despedida mais tocante da música pop não é frágil e desconjuntada (como são os discos de bandas decrépitas, desunidas, aos pedacinhos), mas o oposto disso: seguros de que existe algo muito desafiador, muito excitante na ideia de escrever um capítulo final, os Beatles se reuniram para compor uma obra-prima. Especialmente no lado B, quando uma canção tropeça na outra e formam uma espécie de ópera-rock-n’-roll, a intenção de escrever uma obra definitiva supera as promessas da banda e as nossas expectativas: lá estava um disco singular, como ninguém ainda havia ouvido. Até chegar na apoteose que é esse desfecho, ainda nos deparamos com os Beatles na forma mais pura (Here comes the sun e Because) e na mais áspera (I want you, Oh! Darling). O futuro parecia enorme. Mas não olhar para trás é, no fim das contas, uma forma digna de dizer adeus. Top 3: The end, Because, Something.
Os discos da minha vida (30)
É carnaval, afinal: a saga dos 100 discos que jogaram serpentina na minha vida apresenta dois clássicos para ouvir antes da quarta-feira de cinzas.
O blog está um pouco combalido, coitado, numa eterna ressaca de viver, mas este ranking não nega fogo. É muito chão, ó folião. Muito samba, suor e download.
Se este blog fosse uma escola do grupo especial, estes discos desfilariam na velha guarda, ensinando à ala dos novatos como é que se dança.
O download é obrigatório. Minto: não é obrigatório nada, já que obviamente vocês conhecem os disquinhos como a palma da mão.
E perdoem o desânimo. Este post foi escrito quando o trio elétrico passou na poça de lama e deu um banho no sujeito que estava ali no calçamento. O sujeito era eu. Em outras palavras: muito trabalho e pouca diversão fazem do Tiago um blogueiro sem paixão.
E chega de concentração.
042 | Younger than yesterday | The Byrds | 1967 | download
“Então você quer ser um astro de rock ‘n’ roll?”, provoca o Byrds, logo na faixa de abertura deste disco. Antes de inventar o country rock (e Sweetheart of the rodeo é desses discos indispensáveis), a banda de Jim McGuinn e David Crosby ajudaram para criar a ideia de juventude que fez dos anos 60 uma década fundamental para a música pop. Genial já no título, Younger than yesterday é todo dedicado a essa mescla de ingenuidade e atrevimento, como se dissesse adeus a um tempo que estava prestes a mudar. No lado B, a versão para My back pages (Bob Dylan) funciona como uma declaração de intenções: uma banda de rock um tanto saudosista, mas que nada pode fazer além de olhar para frente — quase por acaso, ia deixando discos extraordinários no meio do caminho. Top 3: Have you seen her face, My back pages, So you want to be a rock ‘n’ roll star
041 | Exile on Main St. | Rolling Stones | 1972 | download
Ninguém deve entrar na discografia do Rolling Stones por esta porta aqui, mas foi o que aconteceu comigo. Não me arrependo, mas audições compulsivas de Exile on Main St. podem lançar uma luz dura, cruel, sobre os outros álbuns da banda. Seria melhor tratamos como uma espécie de hors concours: nas primeiras audições, soava como pura selvageria — a longa jornada de um grande grupo de rock rumo à selva do blues. Literalmente: soul music. Depois, já conhecendo a história do disco, percebi que ele vai muito além de uma homenagem a certas tradições americanas. Este mamute registra os humores de uma banda que é sim gigantesca, por vezes caótica, e, por isso tudo, se revela por completo quando numa sala espaçosa, com tempo livre, dezenas de guitarras coloridas para brincar. Um retrato ampliado, este aqui. Top 3: Shine a light, Tumbling dice, Rocks off.
Os discos da minha vida (29)
A saga dos discos que incineraram a minha vida chega a um episódio muito-muito caloroso: dois clássicos da minha discoteca particular. Bolachinhas sagradas que ouço com cuidado, até para não evocar as santas melodias em vão.
God bless ‘em.
Antes que você novamente se confunda todo, deixe-me explicar as regras deste ranking fervente: são 100 álbuns, organizados numa ordem mui subjetiva que diz respeito apenas a este que vos escreve.
Se você perguntar “Tiago, qual é o critério desta bagunça?”, eu vou gaguejar, olhar para o teto e correr soluçando pro banheiro. Foi mal, gente, são normas sentimentais e sentimento a gente não explica, a gente sente, a gente experimenta, a gente vibra, etc.
Entenda o seguinte: são os discos que, de certa forma, fizeram de mim um homem mais plano. Uma pessoa mais humana, mais vertebrada, mais gente. Manja? Então. E desculpe se pareço meio meloso hoje – é que acabei de sair de um desses fins de semana que amaciam nosso coração, um desses fins de semana que convertem assassinos mancos (não era meu caso, tou usando exemplo!) em missionários pacíficos, em ativistas ecológicos.
Não me culpem. Está tudo bem. Tudo azul. E não pensem em abandonar o blog por conta disso. Vai ficar bom. Vai ficar melhor. Vai ter bolo!
Antes que eu me afogue de vez no meu idílio (e taí uma das 1001 coisas que você precisa fazer antes de morrer: se apaixonar), continuamos com a longa caminhada rumo ao meu disco-xodó-number-one, que vai aparecer aqui sabe-se lá quando (talvez no dia de São Nunca, há!). E, se você não conhece estes dois discos aqui, o download é obrigatório, sem desculpa. Certinho? Então tá (e me despeço usando minhas mãos pra fazer o sinal da pomba da paz, té mais).
044 | Stankonia | Outkast | 2000 | download
Ouvi tantos discos de hip-hop que não há como fazer a soma, e (em algum momento eu teria que admitir isso, que seja agora) fui sim um daqueles adolescentes cagalhões que invejam os negões do rap por motivos que nem eles – os adolescentes cagalhões – conseguem explicar. Mas eu poderia resumir todos os meus discos preferidos do gênero neste aqui, Stankonia. Tudo o que admiro no hip-hop (e no Outkast) está contido nestas 24 faixas: fúria & franqueza, poesia & putaria, invenção & curtição, graça & troça. Os discos de Big Boi e Andre 3000 são incontroláveis e excessivos por natureza (e é disso que gostamos), mas este aqui faz do caos uma espécie de parque temático, um saboroso bufê de mil opções. Um disco que deseja loucamente nos atiçar com sons e ideias que talvez não tenhamos ouvido em outro lugar – e faz de tudo para cumprir um objetivo que, honestamente, me parece um dos mais dignos quando se fala em música pop. Top 3: Ms Jackson, So fresh so clean, B.O.B.
043 | Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band | The Beatles | 1967 | download
Quando eu era um moleque e precisava de orientação para não me preder na Beatlecity, meu pai sempre foi o meu pastor. E ele dizia o seguinte: “Sgt. Pepper’s soa como o melhor disco do mundo, todos estão certos. Mas não ouça muito. Que enjoa.” Daí que talvez eu tenha ficado com medo dos riscos de me apegar demais ao álbum. No catálogo do fab four, é o que menos ouvi – mas cada audição, talvez como uma recompensa pela parcimônia, provoca em mim o efeito brutal de um descobrimento. A mais recente, quando comprei a versão remasterizada do CD, me deixou às lágrimas, percebendo detalhes que eu não havia reparado antes. Nem sei se eu deveria incluir este disco no ranking porque não faço ideia se já o entendo. E não há exagero nisso: todos os outros discos dos Beatles me parecem tangíveis. Este aqui soa perfeito, por isso intocável, por isso misterioso. Não sei se enjoa (talvez sim: é um álbum preciso, mas composto por canções barrocas, exuberantes, que talvez cansem quando não se está no espírito para guloseimas de mil folhas), mas continuo seguindo a recomendação do meu pai. Ouço sim. De vez em quando. Top 3: A day in the life, She’s leaving home, Good morning good morning.
Os discos da minha vida (27)
O capítulo de hoje da indomável saga dos 100 discos vai ao habitat de uma espécie perigosa: os discos aparentemente mansos sobre sentimentos selvagens.
Cuidado com eles.
Antes de escrever alguns garranchos sobre esses dois álbuns tortuosos – e extraordinários – preciso lembrar-lhes das regras deste ranking. Isto aqui é uma seleção absolutamente pessoal de discos que foram pontilhando alguns dos momentos mais importantes da minha vida. É isso e só isso.
Portanto, nada de vir reclamar que o disco X está muito atrás do disco Y, ou que o disco Z foi subestimado e que o disco K, ignorado. A brincadeira não tem nada a ver com isso. E, sem querer ser grosseiro, tem muito pouco a ver com você – ainda que eu recomende com força o download de desses álbuns, que continuam me emocionando ano após ano.
Muitos dos discos desta lista fazem parte do cânone da música pop. Vocês o conhecem ou ouviram falar sobre eles. Há uma parte desse ranking, no entanto, que correu pelas bordas dos top 10s e, na opinião deste blogueiro, merece um pouco da sua atenção, ó leitor. É o que acontece neste episódio de número 27. Um deles é o clássico. O outro é aquele que, num mundo perfeito, seria um clássico.
Não estamos num mundo perfeito, eu sei, mas este blog tem uma missão a cumprir.
048 | Mighty Joe Moon | Grant Lee Buffalo | 1994 | download
Muito antes de integrar o elenco de Gilmore Girls e de gravar discos com alguma maquiagem pop, Grant-Lee Phillips era o homem dos falsetes infinitos, que parecia ter encontrado um atalho secreto para conectar a rusticidade do country rock com a sensualidade do glam. Fuzzy, da estreia, é a canção indie mais sexy dos anos 90 – mas é no segundo álbum que o som do Grant Lee Buffalo explode em milhares de cores numa tela gigante de Drive-in, sem a vergonha de nos seduzir com efeitos de estúdio e riffs que se lambuzam com as apelações do hard rock. Como os discos que Elliott Smith gravou para a Dreamworks, este também apresenta uma versão compacta, pontiaguda (talvez polida) de um estilo já totalmente pronto. Talvez não seja o melhor da banda, mas é aquele que esconderemos para sempre nos nossos armários, junto com os velhos gibis soturnos e as blusas de flanela: um disco perfeito para uma época que menosprezava discos perfeitos. Sugiro o seguinte: dane-se a época, fiquemos com o disco. Top 3: Mockingbirds, Rock of ages, Drag.
047 | Astral weeks | Van Morrison | 1968 | download
Talvez o disco mais difícil da minha adolescência: não foi na primeira, nem na segunda, nem na terceira tentativa que finalmente consegui comprar o tíquete para a terra nebulosa – mágica, não duvide – de Van Morrison. É um dos álbuns mais importantes dos anos 60, principalmente por catalisar uma série de signos da contracultura: o lirismo beat, o folk à Dylan, o jazz e o blues, o misticismo riponga e a imagem de liberdade anexada à figura de um homem que inventa a própria bússola e assim desbrava o mundo, sem lenço ou documento. Mas (e vocês querem sinceridade, certo?) eu só consegui me afeiçoar por ele quando percebi que ele pode ser compreendido como uma das seções de O som e a fúria, de Faulkner: um narrador que, com uma voz muito particular, tenta dar conta de um ambiente. Admita: você nunca vai entender verdadeiramente o que Morrison quer dizer. Mas olhar o mundo através dessas canções ainda pode ser uma experiência fascinante. Top 3: Cyprus Avenue, Madame George, Astral Weeks.
Os discos da minha vida (8)
Após um breve intervalo, voltamos a apresentar a história dos discos que, digamos assim, deram uma rasteira na minha vida. Um ranking sentimental, particular, por vezes constrangedor, que eu deveria ter escondido junto com os desenhos que eu produzia (porcamente) aos oito anos de idade.
No episódio desta semana, o narrador encontra dois álbuns que ajudaram a moldar o gosto por canções ora confessionais, ora delirantes. Ele próprio, ao bater o olho no post, se surpreendeu: “isso explica tudo!”, exclamou. E explica sim.
086 | Electro-shock blues | Eels | 1998 | download
Mark Oliver Everett escreveu as canções de Electro-shock blues logo após o suicídio da irmã e a descoberta de que a mãe sofria de câncer em fase terminal. Nessas condições, como gravar um disco de rock? Mark faz o que pode: abre a porta de casa e nos convida a compartilhar um segredo terrível. Ainda hoje me impressiono com essa sonoridade em carne nua: é desconcertante como Mark transforma a dor em melodias sem norte, quebradiças, com um quê de Tom Waits e outro de Neil Young – e alguma esperança torta. Um álbum todo fraturado, imperfeito, doméstico, que trava um pacto de sangue com o ouvinte. Hard listening, e infinitamente triste. Mas, em retrospecto, mostra a música pop como uma barra de segurança onde às vezes nos apoiamos quando as coisas deixam de fazer sentido. Top 3: My descent into madness, Dead of winter, Last stop: this town.
085 | Sheik Yerbouti | Frank Zappa | 1979 | download
Zappa gostava de dizer que fazia “dumb entertainment”. Não discordarei dele (estamos falando do sujeito que em 1968 gravou We’re only in it for the money). Álbuns como este são picaretagens assumidas: numa época em que precisava de dinheiro para bancar os projetos mais experimentais, o guitarrista fez discos que esperavam dele, tão grosseiros (e até estúpidos) quanto generosos e engraçados (na medida do possível). Dessa fase oportunista e irresistível, Sheik Yerbouti é o meu favorito. Mas há um motivo mais forte para ele ter entrado nesta lista: foi o primeiro disco do Zappa que ouvi, e ele imediatamente me ensinou que, no rock, delirar é permitido. Quem conhece este disco entende por que admiro sandices como Deerhoof e Fiery Furnaces. Top 3: Dancin’ fool, Flakes, Bob Brown goes down.
Os discos da minha vida (1)
Os discos da minha vida, parte 1. Uma série de posts que começa hoje e só termina pra lá do fim do mundo. Nem desconfio quando.
A ideia é muito, muito simples: 100 discos que marcaram a minha vida, 2 por semana, quando possível com links para que você os ouça.
Não é, portanto, uma lista com a pretensão de elencar os “melhores discos de todos os tempos” ou os “discos mais influentes” ou os “discos para você ouvir antes de morrer” ou os “discos que mudaram o mundo”. É apenas um longo ranking de álbuns que se confundem com algumas das minhas melhores (e às vezes piores) lembranças.
Um top 100 muito pessoal, cheio de idiossincrasias que vão irritar quem entende um pouquinho de música pop. Francamente: é uma listinha insignificante.
A maior parte dos discos vem dos anos 90, a época em que comecei a ouvir música compulsivamente. Mas é apenas o ponto de partida para uma viagem mais extensa (espero que vocês acompanhem com um pouco de paciência).
Tentarei ser breve nos comentários, até para que isto aqui não se transforme numa sessão aborrecida de autoanálise. Aviso que os textos explicam pouco sobre os álbuns e, no máximo, tentam recuperar a minha relação com esses discos. Não espere tratados. E é uma questão delicada, afinal de contas: não costumo ouvir estes discos, até para não ser tragado por terríveis flashbacks.
Mas sugiro que você os ouça. São bons.
100 | Grand Prix | Teenage Fanclub | 1995 | download
Hoje soa como o álbum de power pop mais direto que se fez: um refrão, um riff, coros agradáveis, emoções frágeis, alguma tristeza e quase nada mais. Quase uma cartilha. Lá nos anos 90, foi um disco que me perseguiu quase contra a minha vontade. Nas primeiras audições, não levei muito a sério: achei aguado e choroso (o oposto do grunge, por exemplo). Eu tinha 15 anos. Mas cresci e Grand prix foi crescendo junto comigo, como um amuleto. “Este sentimento não vai embora”, eles avisavam. Não foi. top 3: Don’t look back, Sparky’s dream, Neil Jung.
099 | Ten | Pearl Jam | 1991 | download
Eu juro que não me lembrava disto: a estreia do Pearl Jam sempre começou com essa atmosfera pseudo-oriental que mais tarde seria aplicada a discos do Kula Shaker e da Alanis Morissette? Mas taí: esse tipo de excesso era uma característica da onda grunge que o Pearl Jam soube aplicar com despudor e sisudez. E, saudosismo à parte, ainda considero o melhor momento deles. Menos aventureiro do que No code, mas gloriosamente single-minded (não consigo encontrar outro termo). Eu tinha a fita-cassete e admito que preferia o lado B (a começar por Oceans, ainda tocante). Hoje acho que eu ficaria com lado A, que tem o cheiro das minhas blusas de flanela. top 3: Oceans, Black, Jeremy.