Radiohead

mixtape | Dezembro, verão cinzento

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A mixtape de dezembro é diferente das coletâneas mais recentes que você encontrou neste blog. As outras vinham em, digamos, technicolor. Esta foi filmada em p&b. Branco e preto. Branco + preto. Um pouco cinzenta, e emocionante all the way.

A mixtape tá tão boa que faz por merecer um adjetivo afrescalhado: é linda, linda, linda demais (pronto, parei com os adjetivos afrescalhados).

Sinceramente, é uma pena que muitos dos três leitores deste blog estejam, neste momento, na praia, torrando ao sol, entornando hidratante nas costas das respectivas namoradas. É uma pena porque esta aqui não é tão-somente a melhor mixtape do ano – estamos falando na melhor mixtape da história deste blog. Sério, gente. Sério de verdade.

Também: é uma das mixtapes mais simples, combinando canções folksy com eletrônica, num tom constante de fragilidade, delicadeza. Melodias por um fio, com estouros ocasionais de entusiasmo. As músicas são todas excelentes, e seria lamentável se você esperasse 2012 começar para conferir essas joias. Faça um favor a si mesmo e ouça esta mixtape antes do ano-novo.

Aqui dentro desta coleção de arquivos em MP3 você encontra Field Music (foto acima), Megafaun, Radiohead (sim!), Run DMT, Julia Holter (voltaremos a ela), Kendrick Lamar, James Blake (sim!), Bill Callahan, Oneohtrix Point Never e The Weeknd (sorry, haters!). Muita melancolia (pra quem é de melancolia), muita sutileza (pra quem é de sutileza). Mas sem cair em chororô, porque isso não é coisa que você encontra neste blog.

Antes que eu esqueça: voltamos a ter a incrível opção tecnológica de ouvir a mixtape aqui mesmo, enquanto você lê o blog! (A lista de faixas está ali na caixa de comentários)

No mais, desejo a você um bom 2012. Até logo (comentários na velha e boa caixa serão recebidos com muito apreço, como de hábito).

Faça o download da mixtape de dezembro (o link já tá funcionando novamente).

Ou ouça aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Mixtape, posted with vodpod

Mixtape! | Outubro, o filme

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A mixtape de outubro é a trilha sonora de um filme que eu não vi, que você não viu, que ninguém no mundo teve o prazer de ver – até porque ele não existe.

Se você lê o meu blog, sabe que outubro foi um mês em que escrevi muito sobre filmes e pouco sobre discos (ainda que eu tenha ouvido muitos discos, mas isso é conversa para outros posts). Por isso, resolvi criar uma mixtape que soasse como uma trilha de cinema. Sim, isso mesmo.

A compilação que vocês encontram a seguir (e espero sinceramente que vocês a ouçam porque, modéstia à parte, é a melhor de todos os tempos) reúne músicas de alguns dos meus filmes favoritos, faixas instrumentais, trechos de diálogos e, é claro (já que estamos falando de uma mixtape mensal mais ou menos igual às outras), faixas de discos recentes.

A trilha de um filmezinho imaginário, digamos.

Dedico este disquinho aos meus colegas de Mostra de São Paulo: Chico, Felipe (o Lahm), Michel, Diego, à minha namorada (Alê, e ela sabe que todas as mixtapes são um pouco pra ela), ao Leon Cakoff (que se foi neste mês) e a quem gosta dos filmes Drive, Mal dos trópicos, A viagem de Chihiro, Super-8, O poderoso chefão – Parte 2 e Os Goonies.

Difícil listar todas as músicas (e os artistas) que aparecem aqui (a lista de músicas está na caixa de comentários), mas tem Feist, Justice, James Blake, Radiohead (remixado por Jamie XX), The Caribbean, Jens Lekman, Desire e um monte de gente. São 16 faixas, mas que passam rapidinho (o CD dura 39 minutos; nem dói nem nada, garanto). E tem músicas das trilhas de Mal dos trópicos e de A viagem de Chihiro, atenção!

Como de costume, ele é embalado em dois formatos: você pode fazer o download do CD ou ouvi-lo aqui no site. Seria bacana se, após a audição, você deixasse um comentário sobre o disquinho. Mas, se o leitor for tímido, eu o compreenderei. Este é um mimo para cinéfilos e nós somos assim mesmo, uns bichos-do-mato.

Boa sessão.

Faça o download da mixtape de outubro.

Ou ouça logo aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Os discos da minha vida (top 2)

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Então, enfim, pois bem, the end. Chegamos ao setor de desembarque deste ranking de 100 discos. A partir de agora, vocês podem desfivelar os cintos e ligar os celulares. Tocamos o solo, cabou.

E todas as despedidas devem ser breves, certo? Errado. Hoje, para celebrar com o término desta odisseia inútil (afinal, esses são os discos da minha vida, não da sua), vocês ganham dois textos. Dois discos. Os últimos e, é claro, os primeiros.

Nem preciso dizer que deu um trabalhinho escrever sobre eles. Porque planejei um “grand finale”, um adeus reluzente e tal, mas não consegui colocar nada disso no papel. Acontece.

Antes de partirmos para o clímax (ou anticlímax, a depender das suas expectativas, irmãos), devo confessar uma coisa: mantenho uma relação ambígua, conflitante, com os álbuns mais importantes da minha vida. Muitos deles eu nem ouço mais. A maior parte apareceu durante a minha adolescência, uma época em que eu era mais mais ingênuo e sentimental do que sou hoje (percebam o perigo). Se eu descobrisse esses discos hoje, talvez a história teria ocorrido de uma forma diferente.

Mas acredito que eles, de alguma forma, colaboraram para a formação do meu temperamento — mais ou menos como os amigos que você calha de conhecer durante a vida.

Não posso brigar contra eles — contra o poder esses discos. Eles marcaram a minha vida porque marcaram, simplesmente isso. Talvez não por serem extraordinários (muitos deles o são), mas por terem me encontrado num momento importante ou sensível, quando me assombraram de alguma forma especial.

É isso, não é? Tá, acho que vou sentir saudades de me perder nesses flashbacks.

001 | Pet sounds | The Beach Boys | 1966 | download

002 | Ok computer | Radiohead | 1997 | download

Pet sounds é o meu disco preferido. É o que mais admiro. É o que guardo para mostrar aos filhos dos meus vizinhos (porque não pretendo ter filhos). É o parâmetros que uso para lidar com outros discos. É matéria meio que sagrada, e sinto que tudo o que deveria saber sobre música está dentro dele.

Ok computer é outra coisa. Talvez nem seja um disco-disco (não pra mim). Talvez uma espécie de álbum de retratos, um slide sentimental. Quando o ouço, ele abre tubulações para meu passado. E o efeito não é só musical. Não é algo que aconteça com muitos discos. Mas acontece com esse.

Pet sounds era, pra mim, um disco de solidão. Brian Wilson foi o herói da minha adolescência porque eu via nele a imagem de um homem que confiava na arte, apesar de tudo. E que se comprometia de forma quase demente à música, como se não houvesse outro jeito.

Ok computer me parecia um disco de revelação. Ele me mostrava o futuro. E era uma imagem exagerada, mas que soava muito séria. Existe algo de messiânico e ridículo neste disco, como se cada música carregasse plaquetas de “the end is near”. Era fim de milênio, e o contexto aqui importa.

Mas, ao contrário de White Album (o disco do meu pai) e de Dark side of the moon (o disco do meu padrasto), Pet sounds sempre foi um disco só meu. Eu me identificava com ele, e acho até que foram canções como God only knows e Don’t talk que fizeram de mim um sujeito doce e sentimental.

Ok computer abria uma paisagem mais trágica, e provocou em mim a crise que um disco do Dylan deve ter provocado nos moleques de 1965: “alguma coisa estranha acontece”, Thom Yorke me dizia. Era sinistro. Não sei se as pessoas já entendem tudo sobre aquela época.

O som de Wilson vinha do passado, ainda que flutuasse bem acima do tempo e do espaço: transmitia inocência, mas também dor profunda. Incompreensão. Depois li sobre as dificuldades que o homem enfrentou para gravar o disco, aí entendi tudo. É uma luta, o Pet sounds. E Wilson vence.

O som de Yorke, ao contrário, não era um mito, uma unanimidade. Soava novo, era um código que as pessoas iam tentando entender. Daí diziam nas revistas a bateria de Airbag, toda quebrada, observava alguma coisa sobre o mundo. E depois veio Kid A, que desmontou tudo de uma só vez.

Pet sounds é um disco dentro de um sonho. E há momentos de um sonho (pelo menos acontece nos meus) em que um cenário plácido se transforma numa tela desfocada, desconhecida. Quando ouvi pela primeira vez, lembro que pensei: parece familiar e não é.

Ok computer é um disco dentro de um pesadelo. Exit music e Climbing up the walls pareciam avisar que algo estava prestes a chegar ao fim (se é que não havia já acabado), enquanto que No surprises me fez perceber que eu não estava seguro (nesse ponto, era um veneno terrível).

Em Pet sounds, Wilson dá forma musical a um sentimento de desconexão. É como se ele não pertencesse mais ao mundo (e ao mundo da música), e aí tentasse criar para si um lar imaginário. Me parece um disco muito poderoso de rebeldia, mas que soa agradável e, por isso, singular.

Em Ok computer, Yorke tenta modelar um mundo próprio, mas essa intenção só seria consolidada em Kid A. Em Ok computer, no entanto, ele impõe um olhar, ergue trincheiras, e aí nascem canções de fricção, tensas negociações musicais, como Paranoid android e Airbag. É uma guerra, o Ok computer.

Pet sounds desaguaria num álbum ainda mais sofisticado (e seria Smile o Kid A de Wilson?), mas ele me comove também porque ainda tenta conversar com aquele menino que procura um disco de surf music, um álbum pop. E é a ele que Wilson pede: ‘não fale, deite sua cabeça no meu ombro.’ É bonito.

Ok computer tem algo disso. Um disco que se afasta e se aproxima do público, numa reação de nojo e afeição (quase simultâneos), que quer amor e não quer, que frequenta os radicais mas gosta do conforto dos amigos, que não sabe muito bem se precisa ofender ou se deve ser claro e gentil.

Talvez eu seja um pouco como esses dois discos. Eles querem debandar para longe, mas sem perder o contato, sem desaparecer por completo. E nem por medo, por covardia, mas por opção.

Top 3 (Ok computer): Let down, Paranoid android, Climbing up the walls. Top 3 (Pet sounds): Don’t talk (Put your head on my shoulder), God only knows, Sloop John B.

Após o pulo, veja todos os discos que apareceram neste ranking.

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Mixtape! | Música de estimação

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Numa época distante, quando o marcador de visitas deste blog mostrou o número 100 mil, este blogueiro carente ficou todo vaidoso e postou um textinho emocionado sobre o fato.

Cerca de um ano depois, o blog bateu a marca dos 200 mil “hits”. Este blogueiro, então, postou um parágrafo sobre o caso. Mas ali o tom era irônico: o que representava aquele número? Seria uma boa notícia (muitos visitantes na área!) ou uma má notícia (no mesmo período de tempo, um site mais concorrido talvez atraísse mais gente)?

Ainda não sei.

De qualquer forma, virou tique: o alarme deste blog dispara sempre que o contador mostra um número redondo e grandalhão.

Pois bem: chegamos aos 300 mil. Para comemorar, preparei uma mixtape especial.

Falando francamente: o acontecimento é apenas uma desculpa para a existência desta coletânea de músicas; que, diferentemente das mixtapes mensais, não têm nenhuma obrigação de apresentar faixas recentes.

A plano era usar uma certa amostragem (os CDs que tenho no meu apartamento; não são muitos) e, com ela, criar uma seleção de canções de estimação. É apenas uma parte muito pequena delas, adianto (já que muitos dos meus CDs não estão no meu apartamento; e, além disso, algumas das minhas músicas preferidas eu guardo apenas em MP3).

Dito isso, o disquinho acaba espelhando a minha reação à tristeza de amigos que terminaram namoro recentemente. É uma espécie de break-up record, portanto. Mas com melodias muito dóceis. Um disco levinho sobre temas pesadíssimos. Talvez seja um CD sobre o medo da separação, do ponto de vista de um sujeito que está vivendo uma relação muito tranquila e feliz.

A lista de músicas está na caixa de comentários, mas recomendo fortemente que você faça o download, e sem muita desconfiança – ao contrário das mixtapes mensais, que têm limites muito estreitos, esta aqui é a mais sentimental e pessoal de todas. Acho que vocês vão gostar.

No mais, ela foi feita especialmente para quem visita este blog com mais frequência. Sem vocês, não teríamos chegado aos 300 mil hits — para o bem ou, ainda não sei, para o mal.

(e vai ser interessante se vocês comentarem o CD, mas não vou cobrar muito desta vez).

Faça o download da mixtape-bônus

Os discos da minha vida (38)

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Esta semana, a saga dos 100 discos que zoaram a minha vida chega a uma edição apocalíptica. Melhor: revolucionária. Antes disso: incendiária. Antes ainda: lancinante. 

Um contém os diabinhos frios da minha adolescência, o outro guarda um pedaço importante da minha infância lá dentro. Dois discos que, acima de tudo, me ensinaram o seguinte: tenho todo o direito de criar expectativas quase insuportáveis para a música pop; ela, a música pop, quase sempre me surpreende.

Dois álbuns de invenção, se é que podemos catalogá-los dessa forma. Dois álbuns que pedem para que criemos novas formas de catalogar álbuns. Um disco que abriu (tardiamente) os anos 1960, um que iniciou (pontualmente) os anos 2000. Duas obras-primas.

Muita gente boa (e muita gente ruim) já escreveu vários parágrafos bons (e vários parágrafos ruins) sobre esses discos, então vou me esquivar da responsabilidade e aproveitar este espaço para contar historinhas sobre a minha vida. Dica: não leve estes textos (e este ranking) muito a sério, ok? São apenas textos. E isto é apenas um ranking (e um ranking sem discos do Novos Baianos).

026 | Kid A | Radiohead | 2000 | download

Lembro que foi o primeiro disco que baixei via web, mas a conexão discada lá de casa era tão lenta que demorei mais ou menos uma semana para organizar todas as faixas numa pastinha virtual alaranjada. Quando fui ouvir a coleção, o espanto foi tão grande que eu não sabia quem culpar: se a banda, se o disco, se a conexão discada, se as minhas expectativas, se a web (como um todo). Admito que, cutucando aquela versão aparentemente inacabada de um disco aguardadíssimo, imaginei ter caído numa gozação. Esperei o lançamento do CD, comprei a bolachinha REAL e, bem, e nada: a internet nem sempre mentia (lição duríssima, aliás) e o som era mesmo quebradiço, às vezes bizarro, a trilha sonora vacilante para a era do gelo (e não falo em desenhos animados fofos, mas no apocalipse). Mais do que um álbum de transição, é uma tomada de posição: muito difícil de ser aceita de imediato (principalmente por um fã de Ok computer, meu caso), mas que nos empurra lentamente para uma paisagem de onde não conseguimos nos desvencilhar. Talvez um ambiente glacial, repugnante, mais pessimista do que qualquer livro do Philip K. Dick; também fascinante. Dali pra frente, aprendi rapidinho a baixar mp3. E tudo ficou nos lugares certos. Top 3: Everything in its right place, Morning bell, Optimistic.

025 | Rubber soul | The Beatles | 1965 | download

Meu pai, que nem sei muito bem onde está, gravou este disco para mim numa fita-cassete. Eu tinha acho que 10 anos, talvez um pouco menos. Lembro que era período de férias e eu detestava ficar desocupado, de bobeira na casa do meu velho, deitado no sofá, lançando osso pro cachorro, dormindo enquanto passava filme dublado na tevê. Antes de amar os Beatles, eles serviam para que eu preenchesse meu tempo. E Rubber soul é um dos discos que me levam àquelas tardes tão desalmadas: era como se não existisse mais vida alguma além daquela que saía do meu walkman. Ainda me impressiono como essas músicas acabaram se impregnando nas minhas lembranças, de tal forma que hoje choro quando ouço Drive my car e You won’t see me. Passei muito tempo negligenciando este disco, o trocando por outros (Revolver, por exemplo). Mas agora chega: Rubber soul, ainda que desperte memórias por vezes lamentáveis, até muito tediosas, guarda algo da minha infância que outros discos dos Beatles não têm. Talvez a sensação de que havia um playground lá fora enquanto eu estava preso lá dentro. Para minha sorte, havia um momento em que as férias com meu pai acabavam e, finalmente, eu apertava o stop. Top 3: Drive my car, You won’t see me, I’m looking through you.

Depois do pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

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Mixtape! | Fevereiro, lost in space

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A mixtape de fevereiro é o evil twin da coletânea de janeiro. Aquela era quentinha e reluzente, verão sem fim. Esta aqui é sombra e neblina, temporada de chuvas.

A mixtape de janeiro era a adaptação de uma história real – a minha. A nova é, digamos, uma obra de ficção.

Explico: eu gosto muito, de verdade, da mixtape de janeiro. É uma das minhas favoritas. Mas, depois da centésima audição, comecei a imaginar que, para as pessoas que não estão na vibe do Tiagão in love, ela pode soar tão enjoativa quanto geleia de amendoim (quando a gente passa a tarde inteira comendo) e tão pueril quanto aquele filmezinho ordinário que ganhou o Oscar.

Então resolvi gravar uma espécie de antídoto, de “lado B”, de complemento/contraponto àquele CD.

O problema é que, como sempre acontece, os planos não deram muito certo.

Já ouvi esta nova coletânea algumas vezes e comecei a perceber que não é exatamente antídoto nem contraponto à anterior. Existe alguma coisa diferente nela. Não sei ainda o que é e talvez vocês me ajudem a decifrá-la (olha aí, Daniel, atenção).

Percebi, de início, que ela narra uma trama sobre um sujeito aflito, tenso, que vai aos poucos abandonando essa carga de neuroses e termina o “filme” entorpecido, flutuando no espaço, numa espécie de transe. Talvez tenha morrido e esteja no paraíso. Talvez tenha dormido e sonhado, não sei.

Depois descobri que esse personagem pode ser um adolescente. Há três ou quatro músicas sobre sentimentos muito juvenis.

Mas, já nos livrando dese plot estabanado, uma intenção muito real era evitar um CD arredondado (minhas mixtapes geralmente começam a terminam num mesmo tom) e gravar uma coletânea que começasse num determinado ponto e terminasse em outro. Entendam assim: é uma decolagem; da terra ao espaço.

Duas outras características: um disco de homens à beira de um ataque de nervos (repare as vozes dos sujeitos); um disco folk, até certo ponto.

Em termos práticos: trata-se de uma coleção siderada com faixas de Danielson, Telekinesis, PJ Harvey, The Low Anthem, Jason Isbell, Toro Y Moi, Jamie xx com Gil Scott-Heron (We’re new here é meu CD favorito do mês, daí a foto do Jamie lá em cima), Radiohead, Nicolas Jaar. Também tem um bootleg de Bob Dylan. A lista de canções está na caixa de comentários.

Não sei se vocês vão gostar. Talvez aqueles que curtiram a mixtape de janeiro não se entusiasmem tanto. Talvez não. Vá saber. Vocês são uma caixinha de surpresas. Explico de um jeito muito simples: é um CDzinho curto e agradável, mas que mora num planeta onde o sol não brilha com tanta força.

Ok? Então faça o download da mixtape de fevereiro. Boa viagem.

(e, se possível, avalie nossos serviços aqui na caixa de comentários. Que somos humanos, no fim das contas).

The king of limbs | Radiohead

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Já passamos da metade de King of limbs, o oitavo disco do Radiohead, quando Thom Yorke sugere, num falsete: “Vamos afundar e ficar em silêncio como camundongos. Enquanto o gato está longe, podemos fazer tudo o que quisermos.”

O trechinho deve inspirar dezenas de interpretações. Eu vejo assim: ele ajuda a entender o temperamento de uma banda que preza a liberdade – mas entende que não se pode conquistá-la sem alguma coragem, sem algum atrevimento.

A trajetória do grupo – principalmente desde Kid A (2000) – conta a história de cinco ingleses que viram a necessidade de criar um território particular, um lugar no mundo, para habitar e fazer tudo o que quisessem.

Esse desejo se manifestou num gesto musical (a “banda de canções” se transformou numa “banda de ambiências, de experimentos”) e também comercial, quando o quinteto rompeu com a EMI e passou a lançar discos por conta própria, criando ou reinventando as regras do próprio jogo.

A música passou a acompanhar as mutações comerciais, até porque eles sabem que não se consome discos como na época de The bends (1995) ou Ok computer (1997). A questão passou a ser: como uma banda pop deve se portar diante de um público que, quando começou a baixar músicas aceleradamente, desmistificou todo o esquema de divulgação e vendas criado pelas grandes gravadoras? Como lidar com um público que perdeu a inocência?

Com In rainbows (2007) e a estratégia do “pague quanto quiser”, o Radiohead criou um pacto com os fãs (os convidou para uma experiência de audição coletiva, mundial, sem área VIP para jornalistas) e descobriu uma forma de ganhar dinheiro com o vazamento do disco, sem brigar com o fato de que a troca de arquivos se tornou inevitável.

Musicalmente, o que surgiu foi uma banda também mais independente, mais relaxada (no bom sentido), despreocupada, mais acessível do que nos tempos de Kid A, amolecida por uma certa inspiração de soul music, uma massa eletrônica por vezes acolchoada, sensual. Não demorou para que aparecesse o veredicto: um Radiohead mais “humano”.

Tanto do ponto de vista comercial quanto musical, The king of limbs dá alguns passos para trás em relação a In rainbows. Em vez de permitir que o público pagasse o quanto preferisse, o grupo estipulou um valor para o download (US$ 9, para a versão em MP3). Em vez de planejar um capítulo novo para o som da banda, gravaram um disco que nos remete aos cacos de outros que já lançaram.

O que pode incomodar, acima de tudo, é a impressão de acomodação. Na manhã de sexta-feira, a experiência de audição coletiva se repetiu exatamente como eles planejaram. Já a sonoridade do disco, dividido claramente em duas partes, tenta uma conexão entre os momentos mais arredios da banda (a fase Kid A/Amnesiac, agora com tempero dubstep) e a languidez de In rainbows.

O encontro entre esses dois “estados de espírito” produz um disco de beleza incomum, difícil – um álbum quebradiço, assimétrico, incompleto, frágil, cujas peças não se encaixam. Provoca, por isso, algum mal estar. Tenho quase certeza, porém, que essa sensação de desconforto estava nos planos da banda.

Isso porque, desde In rainbows, Yorke critica o formato tradicional do álbum. Numa determinada entrevista, avisou que abandonaria de vez os discos – via internet, distribuiria conjuntos de canções, lançadas tão logo fossem gravadas. A banda voltou atrás, mas The king of limbs é um espelho dessas incertezas: ele acaba soando mais como uma reunião de faixas criadas durante um determinado período do que uma obra coesa, envolvida num conceito bem definido. Nesse ponto, lembra Hail to the thief (2003), que também apontava várias direções sem saber (ou sem querer saber) onde aportar.

As ligações entre as faixas são quase etéreas, e aparecem nas imagens de natureza (em Bloom, Lotus flower e em Codex, em que um lago representa a pureza) e em arranjos circulares, percussivos, por vezes alienígenas (o loop de Morning Mr. Magpie, por exemplo), quase sempre amparados na bateria jazzística de Phil Selway e no baixo de Colin Greenwood, que mostram o quanto a banda está ouvindo Flying Lotus e congêneres. “Obrigações, complicações, rotina e agenda, te drogam ou te matam”, diz Little by little, quase num remake da paranoia de No surprises.

Na segunda parte, piano e violão vão amenizando uma atmosfera de tensão e desencanto. Em vez de espezinhar o público, Yorke passa a confortá-lo. “Ninguém se machuca, você não fez nada errado”, em Codex. “Não me assombre”, pede Give up the ghost. O álbum termina dentro de um sonho bizarro e irresistível, de onde o narrador não quer acordar.

Até por ser curto (38 minutos), o disco parece aconselhar que voltemos às faixas várias vezes, até que nos familiarizemos totalmente com elas. Existe nessas músicas, até nas mais selvagens (Feral, digamos), uma aparência de criação doméstica, um som íntimo, sem bordas arredondadas ou produção padronizada, um som que dá a ideia de algo autêntico, que faz do ouvinte um cúmplice. O fã do Radiohead às vezes pode se sentir participando dos discos. 

Desde que se livrou das obrigações da indústria musical, o Radiohead passou a procurar no próprio estilo, na própria tecnologia digital de gravação, a pureza que encontra nos elementos da natureza e que, para a banda, é corrompida pela vida urbana – mecanizada, artificial.

O título do disco, não à toa, vem de uma árvore com mais de mil anos de idade. Raízes bem firmes na terra. Em The king of limbs, o Radiohead vai se infiltrando lentamente nas profundezas do terreno que criou para si. Sem todas as surpresas que sempre esperamos dele (por isso, um disco que pode parecer um tanto frustrante). Mas talvez o momento seja de mapear o habitat: enquanto o gato não vem, os camundongos sonham.

Oitavo disco do Radiohead. Oito faixas, com produção de Nigel Godrich. Lançamento independente. 7/10

Lotus flower | Radiohead

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Não se sabe ainda qual foi o assunto mais comentado do dia: o disco novo do Radiohead, The king of limbs (que nasceu prematuramente, mas já está aí bagunçando o quarto de brinquedos), ou a dancinha michaelstipeana de Thom Yorke neste clipe de Lotus flower. Talvez simplezinho demais, mas um bom convite para um disco que evita movimentos bruscos. Enquanto não escrevo sobre ele, taí o aperitivo.

Total life forever | Foals

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Foals. Não acredito que seja uma banda extraordinária. Nem inventiva. Nem especialmente sedutora. Não é (em definitivo) daquelas que nos tiram para dançar e não nos abandonam. Mas – antes que você procure outra – preciso avisá-lo: a partir de agora, devemos confiar nela. Relacionamento sério, sabe como é?

O grande disco do Foals não é Total life forever. O grande disco do Foals virá em três anos. Programe-se aí. 

Enquanto 2013 não chega, este quinteto de Oxford flexiona os músculos como uma seleção séria em véspera de campeonato mundial. Cada disco (=cada amistoso) exercita os talentos de jogadores que ainda não estão totalmente satisfeitos com o time que têm. O desconforto permite alterações táticas surpreendentes que resultam em partidas muito bonitas – como é o caso deste disco, o segundo deles.

(E, por hoje, prometo não voltar às comparações futebolísticas. Patetice tem limite)

Numa época em que as bandas de rock correm para definir uma identidade (dois discos, no máximo), o Foals soa como uma exceção curiosíssima. Eles parecem preocupados unicamente em apurar uma lógica interna que não diz respeito a mais ninguém. E seguem apurando – eles sabem que ainda não chegaram lá.

É uma banda que rejeita, por exemplo, a se adequar a certos modismos do indie rock. A estreia, Antidotes, estava pronto para ser vendida como um álbum de ‘math rock’ (na linha do Battles) com os floreios do produtor Dave Sitek, do TV on the Radio. Mas o Foals tratou de engavetar o disco produzido por Sitek, foi ao trabalho por conta própria e criou canções que talvez parecessem melodiosas demais a quem curte as abstrações do tal do pós-rock.

Desta vez, esperava-se que eles seguissem desmontando o funk-rock. Eis que decidem tomar uma curva perigosa e (sem largar o volante funk) gravar um disco ainda mais assobiável, com inspiração prog-pop e atmosfera de épico “à inglesa”. Mais para Elbow e The Verve, (muito) menos para The Rapture.

Uma mudança que nos obriga a rever tudo o que pensávamos sobre o Foals. Mas quantas outras bandas permitem essa revisão?

“O futuro não é o que parecia ser”, eles cantam (e como Yannis Philippakis está cantando!). Parece até que falam sobre o próprio Foals.

E o que dizer desse título? Penso em Total life forever e só consigo imaginar o Richard Ashcroft mordendo um travesseiro (de raiva).

A sonoridade mais massuda, aparentemente, pegou até própria banda de surpresa. Durante as gravações, eles declararam que o disco estava saindo “muito menos funk” do que tinham planejado e que soava como “o sonho de uma águia morrendo”. O que não é uma imagem adequada para remeter a um disco que se exibe como um pavão muitíssimo vivo – cheio de si.

Há, sim, algo de onírico em faixas como Black gold e After glow. Mas o que se nota é o som de uma banda realista, que acredita no engenho, no trabalho suado. Cada uma das músicas parece ter sido retocada exageradamente – são miniépicos dentro do épico. Talvez por isso o disco pareça – nas primeiras audições – um tanto embotado, pesadão. 

Não é para ser amado de uma vez só. Cada uma das canções vai aquecendo as turbinas do avião até o ponto de explosão – ainda que o disco só decole mesmo na faixa seis, a incendiária This orient. Estamos falando de um álbum que prefere o ambiente à ação, e que acredita na nossa capacidade de desconfiar das primeiras impressões.

É, como se diz (em ingrês), a grower.

E o interesse cresce quanto mais notamos o grau de detalhismo das faixas, que engrandece alguns elementos até óbvios (o disco todo parece feito de sobras do Radiohead, do Muse, da DFA Records). Black gold talvez seja o grande exemplo dessa capacidade do Foals de usar os detalhes, os ornamentos, para criar canções armadas como que em dobraduras, profundas. No caso, é uma linha de guitarra que, lá na metade da música, rompe a estrutura funkeada e nos transporta a uma dimensão mais doce.

Não é um disco que vai tirar o planeta de órbita. Mas Total life forever é o álbum que coloca o Foals (em definitivo?) na galáxia de bandas que importam.

Segundo disco do Foals. 11 faixas, com produção de Luke Smith. Lançamento Transgressive Records. 7.5/10

/\/\ /\ Y /\ | M.I.A.

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O que você procura na música pop?

Você quer conforto, identificação, sentimentos calorosos, um refrão bem escrito, uma melodia que se assemelha a outra melodia que se assemelha a outra melodia que, por sua vez, é a melodia que tocava no momento mais importante da sua vida?

Ou você busca o assombro estético, a provocação, o desafio, a ideia inusitada, a melodia dissonante e estranhamente sedutora que, como um bug inesperado, o convida a repensar a importância que você dá às melodias mais familiares?

Maya Arulpragasam, 34 anos, procura um pouco das duas coisas. O afago e o choque. Mas, decididamente, anda cansada de conforto.

Na capa do terceiro disco de M.I.A., nos deparamos com a imagem de uma tela de computador infestada de cursores do YouTube. A cingalesa se esconde atrás de blocos cor de rosa que poderiam ter saído de um game retrô. É uma colagem que lembra aqueles instantes horríveis em que aplicativos se multiplicam desordenadamente, poluem nossos monitores sem que possamos controlá-los. Um tufão de bits. Por alguns minutos, é como se a máquina – o lado misterioso da força – tivesse finalmente vencido.

O criptografado /\/\ /\ Y /\ (que, se você preferir, aceita ser chamado simplesmente de Maya) é um álbum pop que simula esses minutos de caos e pavor. Pânico de tecnologia.

Que, obviamente, não é provocado tão somente por defeitos momentâneos do Internet Explorer. Logo na primeira faixa, A message, M.I.A. aponta a escopeta para outros inimigos. “Fones de ouvido se conectam com iPhones, iPhones se conectam com a internet, que se conecta com o Google, que se conecta com o governo”, alerta. A introdução dura menos de um minuto de duração, mas resume o sentimento de paranoia, revolta (mas contra quem?) e tensão que contamina o disco inteiro.

Numa época em as redes sociais metralham os “toques” de modelos, boleiros, atores pornôs e ex-integrantes de reality show, pode parecer impressionante que a música pop não tenha adquirido o hábito de comentar a web – e especular sobre os efeitos sociais de todo esse ruído on-line. M.I.A. observa naturalmente essa dimensão tecnológica do tempo em que vive: é possível fazer pop de guerrilha, pop contemporâneo, sem levar em conta o YouTube, o Twitter, o MySpace, a Wikipedia? Para M.I.A., não é.

E talvez não seja mesmo possível. Talvez nós é que estejamos acostumados a encastelar o pop e a protegê-lo de uma realidade que ainda soa confusa, complicada demais. Perto da ambição de M.I.A., o pop-2010 soa como um filme desbotado.

O tema já estava presente, ainda que indiretamente, em Arular (2005) e em Kala (2007). Os discos foram elogiados por renovar a world music, mas M.I.A. sempre pareceu mais interessada em nos mostrar que, com a internet, a música dos ‘outsiders’, dos estrangeiros (antes, tida como exótica e obscura), passou a ser mais um elemento sonoro entre tantos, mais um arquivo em mp3 à nossa disposição. Colar um arquivo no outro – e, com isso, produzir combinações muito pessoais – era a lição (até simplezinha, para quem se adaptou a um planeta pós-Napster, mas que soou como uma imensa novidade).

Maya é o álbum que radicaliza esse estilo global, fragmentado, sem muros, que observa naturalmente (e, no caso, com agonia) um mundo que não passa no noticiário da CNN.

Radical, aliás, em mão dupla: a sonoridade está mais arredia, irritadiça, “difícil” (de propósito). Já o discurso, menos polido, desinteressado em explicar didaticamente as próprias intenções. É o que é, como ela bem avisa no título de uma das faixas.

Lovalot, talvez a melhor do disco, sintetiza o conceito: sob um loop áspero (imagine o som de um chocalho grudado a um sampler mínimo de baile funk), M.I.A. narra o caso de amor entre um casal islâmico envolvido em casos de terrorismo. “I really love a lot”, diz o refrão, que pode ser interpretado como “I really love Alah”. Mas é outro verso, insistente, que ecoa quando a música termina: “Eu luto contra os que lutam contra mim.” Eis que, sem condenar ninguém, M.I.A. dança no campo minado.

Na face menos incendiária do disco, a web serve de plataforma para casos de amor e crises de identidade. “Você quer que eu seja alguém que não sou realmente”, reclama a apaixonada narradora de XXXO. “Por que as coisas mudam e permanecem as mesmas? Por que as pessoas gostam das mesmas coisas?”, ela questiona, em Tell me why, talvez chocada com as semelhanças entre posts do Twitter. E duas das faixas-bônus atendem por Internet connection e Caps locks.

Antes do lançamento do disco, M.I.A. explicou que: 1. As canções foram escritas num momento de crise, quando ela, isolada em Los Angeles, se sentia desconectada do planeta; 2. Ao lado de produtores como Blaqstarr e Rusko, ela gravou uma jam demorada no estúdio caseiro, uma zoeira de ritmos e loops, de onde tirou as ideias para as músicas; 3. A intenção era criar um disco “tão estranho e desconfortável que as pessoas começariam a exercitar os músculos da crítica”, um projeto “esquizofrênico”.

O resultado soa menos desagradável do que M.I.A. esperava, mas chega perto dos atos de terrorismo musical praticados pelo Flaming Lips (Embryonic) e Radiohead (Kid A/Amnesiac). Chegaria ainda mais perto se o disco não se escorasse em três faixas que podem (e devem) rodar nas rádios sem provocar muita estranheza: o R’n’b fofíssimo de XXXO (uma das canções mais viciantes do ano, de longe), o remake dub de It takes a muscle (do grupo alemão Spectral Display) e Tell me why, uma faixa dançante e sutilmente multicultural que poderia ter entrado no repertório de Music, da Madonna.

À exceção desses três momentos (que aliviam e muito a vida do fã), Maya é cacofonia digital com inúmeros dejetos musicais que, numa primeira audição, soam irreconhecíveis. Nos álbuns anteriores, ainda dizíamos que M.I.A. mesclara hip-hop com funk carioca e bhangra. Agora, não dá mais: essas e outras influências são trituradas num caldo grosso, com tempero ardido de punk (em Born free, com sampler de Suicide) e de neo-industrial (Derek E. Miller, do Sleigh Bells, também colabora).

É um disco que permite (até alimenta) a divisão de opiniões: uma obra aberta, espinhosa, que será atacada por muita gente e tratada como uma revolução por outros tantos. Até aqui, goste ou não, é o álbum pop mais urgente do ano.

Em momentos como Teqkilla e Meds and feds, o disco se desprende de qualquer padrão melódico e vai criando camadas de ruídos sobre ruídos. São arquivos que soam como arquivos corrompidos (no segundo caso, M.I.A. consegue sujar a já sujíssima Treats, do Sleigh Bells). É o choque, o vírus que corrói a rede.

Mas, ao fim deste ‘post’ de 42 minutos, M.I.A. volta ao pop (e ao mundo real) com um canção que atualiza o desencanto de No surprises, do Radiohead, e a fase Zooropa do U2, quando um Bono Vox desplugado comentava sobre um mundo com centenas de canais de tevê, mas nada de interessante na programação. “Minhas linhas caíram, você não pode me encontrar. Preciso passar um tempo com você. Não há nada de novo no noticiário da tevê”, canta M.I.A., depois do fim do mundo.

E assim termina o apocalipse digital: numa tentativa de contato. Humano e (parem as máquinas!) real.

Terceiro disco de M.I.A. 12 faixas, com produção de Blaqstarr, Diplo, Switch, Rusko e M.I.A. Lançamento NEET, XL Recordings, Interscope. 8.5/10

Crystal Castles | Crystal Castles

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Anote e não deixe faltar na sua lista de fim de ano: Crystal Castles pode até não se segurar como o melhor disco de 2010, mas será um dos poucos que, lá em dezembro, vão soar como um retrato muito vivo deste nosso tão estranho, tão efêmero, tão frenético, tão caótico mundo pop.

Pretensioso, eu? Mas é isso aí. Este é um disco que, antes de qualquer qualidade (ou defeito, certamente vão encontrar muitos), soa urgente como o noticiário das oito e meia. Não é sempre que acontece. Mais cedo ou mais tarde, você vai acabar se surpreendendo da mesma forma como eu me surpreendi.

Algumas bandas e artistas têm o talento (ou a sorte) de, talvez inconscientemente, capturar o sentimento de uma época. M.I.A e Vampire Weekend fazem isso quando viram a world music pelo avesso. Radiohead é o próprio sintoma de um período marcado por transformações aceleradas. Geniozinhos de laptop como o Flying Lotus e o Burial, por exemplo, foram gerados na placenta da microtecnologia. Performers mutantes, The Knife, Beirut e Liars espelham o que existe de mais instável num mundo imprevisível, desconfortável.

Adicione o Crystal Castles a esse clube. O duo, formado por Ethan Kath e Alice Glass, se fez conhecido por uma sonoridade bipolar — tão agressiva quanto delicada — que parecia combinar punk e electro. Alguns o chamavam de “digipunk”, outros de “techno-metal”. Mas eles nunca soaram como isso ou aquilo. O ponto de partida é o noise rock, mas eles não escrevem o próprio destino em pedra.

O segundo disco confunde ainda mais quem tenta classificá-los. Começa violentíssimo, sob poeira de ruídos agudos, e vai se reinventando até a última faixa: do shoegazing ao electropop, do hardcore a uma catarata de distorção que só pode ser classificada como tortura sonora. Tudo é possível. Nada faz sentido. O mundo vai acabar em 2012, salve-se quem puder.

O susto é premeditado (tudo ceninha, percebe?). O gosto pelo caos está no hardware do grupo. Gravado em uma igreja na Islândia, num chalé em Ontário (no Canadá, país de origem do duo) e numa loja de conveniência abandonada em Detroit, Michican, e em Londres, o álbum é desconexo de propósito. Quase por birra, não é nada conciso. Tem 14 faixas, algumas longas, e não se contentaria com menos.

A ideia, creio eu, é compactar todos os interesses de Alice e Ethan dentro de um CD-testamento. O resultado é uma mixtape perversa, com uma tracklist que nos deixa para sempre perdidos. Algumas grosserias são quase inaudíveis (caso de Doe deer, que ouço em volume máximo quando quero que o planeta exploda), outras são de uma sensibilidade doce, até radiofônica (aposto que Celestica vai rolar fácil nas rádios britânicas). “Siga-me para lugar algum”, convida Alice. É pra já!

Nas primeiras faixas, o disco se apresenta como um bicho de sete cabeças: os contrastes são intensos, chocantes, gratuitos. Aos poucos, como quem vai afinando uma rádio (indo e voltando nas estações mais acessíveis, sem medo de cair nas lacunas ruidosas que separam umas das outras), a banda encontra a sintonia e, da metade em diante, ele se transforma em uma outra criatura, esguia e autoconfiante. Minhas músicas favoritas estão nessa segunda metade: os jogos vocais em Violent dreams, o aperto claustrofóbico de Vietnam, o desespero sinistro de I am made of chalk, o cinismo fofo de Not in love.

Tal como o The Knife, o Crystal Castles usa efeitos especiais para criar personas e, assim, definir o perfil de cada canção. Cada uma delas parece abrir um capítulo diferente nesta saga. Talvez por isso o disco não aborreça e, até a última faixa, siga oferecendo novos mistérios. Mas, ao contrário dos suecos, existe uma aura familiar no som do duo — um traço humano, palpável — que permite ao ouvinte experimentar os prazeres mais simples do pop.

Nos anos 90, a década em que eu cresci, um disco como este seria tachado de irregular, sem forma, imaturo. Hoje, soa simplesmente apropriado: se você pudesse converter o noticiário em uma só música, como ela soaria? Aposto que, em alguns trechos, o barulho seria insuportável.

Segundo disco do Crystal Castles. 14 faixas, com produção de Ethan Kath. Lançamento Fiction Records. 8.5/10

Cosmogramma | Flying Lotus

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Querem ouvir uma fábula indie? Então lá vai.

Era uma vez o fim do mundo. Ok? O planeta acabou. Choveu demais, o asfalto tremeu, os vulcões ficaram estressadinhos, o sol cuspiu uma gosma fatal e só sobrou na Terra uma massa de asfalto, lixo, pen drives, cacos de vidro e cosméticos caríssimos. É triste, mas foi o que aconteceu.

Sim, claro, havia os sobreviventes.

Eles se recolheram em cavernas profundas, onde se instalavam numa tristeza sem fim. Estavam condenados a viver por pouco tempo, até que o oxigênio acabasse. E isso daria uns três meses, no máximo. Entre esses esquecidos, existia um sujeito ansioso, que não suportaria passar tanto tempo sentado numa pedra enlameada trocando ideias com gente desconhecida e transtornada. O que ele fez? Abriu o laptop, catou os pen drives quebrados e começou a costurar os arquivos fraturados de MP3. Enquanto a bateria do computador durou, criou as combinações mais sideradas. E matou o tempo antes que, finalmente, caísse morto.

O disco produzido por essa pobre alma foi algo muito, muito parecido com o que se ouve em Cosmogramma, o novo do Flying Lotus.

Steven Ellison, 26 anos, é o maluco da caverna. Prodígio em idéias inusitadas, estaria apto a liderar uma nova onda da eletrônica. Mas isso não vai acontecer. E não vai porque ele parece preocupado demais em satisfazer os próprios caprichos. Faz música quase que para consumo próprio, e aposto que se diverte mais com o processo criativo (a costura de referências, sons dissonantes, cacos sonoros) do que com o resultado dessas pirações.

Ele define Cosmogramma como o disco que, desde pequeno, sempre tentou compor. Com cheiro de infância. Não se espante, no entanto, se esse “álbum de lembranças” soar como o apocalipse. Não é tão aprazível quanto parece. Vocês vão ler elogios, por exemplo, sobre como FlyLo (não é uma graça?) cria um mix fascinante de John Coltrane, arte abstrata, fliperama, Aphex Twin e Radiohead. Mas poucos vão admitir que o primeiro contato com este disco é um pesadelo. Acreditem em mim: para quem não vive sem lufadas de melodia, será a experiência mais asfixiante desde Embryonic, do Flaming Lips.

Dito isso, existe uma compensação pelo esforço: com o tempo, Cosmogramma mostra a capacidade de se meter nos nossos poros. É um disco que não faz a menor questão de ser amado instantaneamente. Mas que merece ser amado, já que Ellison é um dos poucos artistas da cena independente que se interessam por procurar uma sonoridade tão fragmentada e mutante quanto é a nossa vida em 2010 (isto é: no fim do mundo). Ele procura. Está ainda procurando.

Desde Kid A, Thom Yorke tenta compor trilhas sonoras para essa paisagem angustiante e, não à toa, o homem faz uma participação neste álbum (o vocalista do Radiohead está em And the world laughs with you, esquisita demais para a soundtrack de Lua nova). Mas essa voz conhecida é só mais um elemento pop que Ellison combina com sons do ambiente, ruídos bizarros, linhas jazzísticas de baixo e filetes de orquestra. Algumas das ideias são tão originais que provocam sorrisos (em Table tennis, ele cria uma base percussiva com o som do atrito provocado por uma bolinha de ping-pong), outras são até suaves (Zodiac shit), outras nos atacam com um rolo compressor de bits bichados (como o comecinho da faixa de abertura, Clock catcher).

Essa “ópera espacial” (assim o disco é definido pela gravadora, Warp Records) pode ser tratada como o equivalente sonoro para um filme como Ruhr, do James Benning: as paisagens não são tão diferentes daquelas que encontramos no nosso cotidiano, mas o que nos deslumbra é a forma particular como elas são observadas. Um outro viés. E, como acontece com muitos filmes experimentais, este disco também será desprezado por uma parte do público que não quer (ou não consegue, e entendo esses) enfrentar as turbulências da espaçonave de Ellison.

Mas faça o teste: quanto mais nos afastamos dos cenários que nos são familiares, o voo de FlyLo vai ficando mais exótico e bonito. E atenção: lá de longe, dá até para ouvir o som do mundo explodindo.

Terceiro disco do Flying Lotus. 17 faixas, com produção de Steven Ellison. Lançamento Warp Records. 8/10

50 discos para uma década (parte final)

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Em Brasília, são 22h. Vamos terminar esta novela?

Primeiro, devo lembrar (até para os que chegarem depois) de mais uma fornada de discos que ficaram de fora da lista. Infelizmente, não tem lugar para todo mundo entre os meus 50 favoritos da década. Mas vejam a situação com otimismo: se muita coisa boa foi limada da lista, isso significa que vivemos uma década (musicalmente, pelo menos) muito inspirada e devemos ficar felizes com isso. Certo?

E, também para a posteridade: os vencedores foram anunciados ao vivo, com o apoio de uma conexão precária e ao som do greatest hits do Blur.

São eles (em ordem alfabética): Boy in da corner, Dizzee Rascal, For Emma, forever ago, Bon Iver, From a basement on the hill, Elliott Smith (hors-concours), The Futureheads, The Futureheads, Good news for people who love bad news, Modest Mouse, Heartbreaker, Ryan Adams, The hour of bewilderbeast, Badly Drawn Boy, In search of…, N.E.R.D., Jim, Jamie Lidell, Microcastle, Deerhunter, Myths of the near future, Klaxons, Parachutes, Coldplay, The runners four, Deerhoof, Since I left you, The Avalanches (heresia ter ficado de fora!), The Carter III, Lil Wayne, Vampire Weekend, Vampire Weekend, XTRMNTR, Primal Scream.

E prometo não demorar muito entre um post e outro (sabe como é: tem muito texto, isto deu um trabalhão e eu gostaria de verdade que vocês lessem pelo menos a primeira frase de cada um dos comentários, por favor).

brianwilson

10. Smile – Brian Wilson (2004)

A história ainda parece inacreditável: quase 40 anos depois, Brian Wilson finalmente concluiu uma das grandes obras fantasmagóricas da música pop. Só por isso – esse esforço obsessivo, heroico – Smile já seria um monumento. Mas não fica nisso. Os fãs dos Beach Boys já conheciam as músicas que estão no disco, mas não faziam ideia de um detalhe fundamental: juntas, as peças do quebra-cabeças finalmente se encaixam numa sinfonia pop que, além de soar deslumbrante do início ao fim, esclarece as ambições do projeto e (ainda que tardiamente) leva adiante as loucuras de Pet sounds. Curiosamente, em tempo de Flaming Lips, Animal Collective e Fiery Furnaces, as experiências de Wilson soaram novas. De novo.

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9. Discovery – Daft Punk (2001)

“O disco tem muito a ver com a nossa infância e com as memórias que temos daquela época. É sobre nossa relação pessoal com aquele período. É menos um tributo a uma era musical (de 1975 a 1985) e mais a forma que encontramos de focalizar o tempo em que tínhamos menos de 10 anos de idade. Quando você é criança, você não julga ou analisa música. Você gosta porque gosta. Você não quer saber se é cool ou não é. Este disco encara a música de uma forma brincalhona, divertida e colorida. É sobre a ideia de olhar para algo com a mente aberta, sem fazer muitas perguntas. É sobre a relação verdadeira, simples e profunda que temos com a música”, Thomas Bangalter (e só tenho duas coisas a acrescentar: é o grande momento do Daft Punk e um modelo para quase tudo o que foi feito em electropop na década).

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8. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective (2009)

Uma lista séria sobre a década deve conter pelo menos dois álbuns do Animal Collective, uma banda que gravou o primeiro disco exatamente em 2000 e chegou madura a 2009. Além de Merriweather Post Pavilion, que é a obra-prima deles, eu escolheria Feels, o auge da psicodelia folk que eles experimentavam desde o início da carreira (e que deu no também genial Sung tongs). Em Strawberry jam, outra cria excelente, a sonoridade pesou num tom áspero, mecânico e quase sempre perturbador. Difícil escolher um só. Mas Merriweather, dois passos a frente dos outros, consegue sintetizar tudo o que eles fizeram e apontar para o futuro. Um disco que brinca com uma eletrônica feérica, eufórica, e explora o lado mais emotivo dos versos, que, mesmo quando voltam-se às memórias de infância, não deixam de enfrentar as incertezas do mundo. Uma banda em progresso, crescida, segura de si mesma – e ainda sim, ainda estamos assustados.

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7. Funeral – Arcade Fire (2004)

Visto de longe, o primeiro disco do Arcade Fire não parece muito complicado: conhecemos muitos álbuns sobre a morte. Além do mais, os canadenses não foram os primeiros a fazer indie com escopo e vocação para estádios. Ainda assim, Funeral ainda soa como um disco peculiar, inimitável (e não foram poucos os que tentaram imitá-lo). Poucas obras confessionais têm um conceito tão bem definido – e todas as cinco primeiras faixas soam como a trilha de um filme – e um desejo tão intenso de criar melodias inesquecíveis, perfeitas (e aí vale citar Pixies, U2, pop francês, space rock americano e o diabo a quatro). Uma marcha fúnebre que celebra a vida – eis a bela contradição deste belo disco, uma surpresa que a banda não conseguiu superar (no segundo eles seguiriam um caminho mais dark e épico).

wilco

6. Yankee hotel foxtrot – Wilco (2002)

Até o fim dos anos 1990, o Wilco era uma banda de country rock insatisfeita com a camisa-de-força do gênero. Em Summerteeth, eles brincaram com a psicodelia sessentista, mas o resultado ainda soava polido, como se faltasse coragem para dar o grande salto. Ele viria com Yankee hotel foxtrot, um disco de certa forma maldito, já que rejeitado pela gravadora (dizem até que os executivos ouviram e acharam uma porcaria), e que mostra uma banda em transe. Foi lançado só depois de ter virado objeto de culto na internet, e ainda soa como uma espécie de milagre. Cada vez mais interessado no art rock dos anos 1970 (um estilo, nos discos seguintes, seria lentamente diluído em soft rock), Jeff Tweedy aproveitou-se da produção de Jim O’Rourke para criar uma obra instável, tortuosa, imprevisível e desiludida – um instantâneo da América do início do século. Ainda parece frustrante que a banda tenha optado por, depois disso, seguir um caminho confortável (ainda que o seguinte, A ghost is born, seja todo espinhoso e também belíssimo). Houve um momento, no entanto, em que eles encontraram a sintonia perfeita com o tempo em que vivem.

dangermouse

5. The grey album – Danger Mouse (2004)

Por que não? Essa perguntinha meio banal deve ter motivado o DJ Brian Burton (Danger Mouse) a cometer a heresia mais brilhante da década: arrombar o cofre dos Beatles, pilhar o tesouro mais sagrado da música pop e combinar os clássicos do Álbum Branco com os hits do Black album, recém-lançado por Jay-Z. Dois discos separados por algumas décadas, mas que, um menos explicitamente que o outro, sugerem uma mesma atmosfera de despedida. A mutação genética não é perfeita (e há faixas truncadas, tortas), mas tem um valor histórico que ainda não conseguimos medir. O disco que esfregou a era da internet na fuça das gravadoras? Um ato de vandalismo artístico? Uma amostra de que nada mais é sagrado? Sinal dos tempos (e apenas isso)? Quem não se importa com esse tipo de análise ainda leva de brinde algumas das canções mais divertidas de todos os tempos. É aquela coisa: proibido é mais gostoso, né não?

whitestripes

4. White blood cells – The White Stripes (2001)

O White Stripes é a melhor gag da década: um homem e uma mulher que se vestem de vermelho e branco e soam como se uma banda de garage rock tivesse resolvido fazer versões toscas para o repertório do Led Zeppelin. A fórmula de Jack e Meg White ilustrou perfeitamente uma época que elegeu o minimalismo ruidoso como sabor da estação e contraponto aos excessos do rock do final dos anos 1990 (de certa forma, essa foi a nossa interpretação para o punk dos 70 e o grunge dos 90). E, para nosso espanto, White blood cells trazia algo além de contenção e explosão: revelava uma banda de rock com tutano e ambição – e capaz de citar Cidadão Kane em meio a um esporro pós-punk (cinco pontos só por isso!). Os dois discos seguintes são tão bons e relevantes quanto, mas esta aqui é a cápsula que contém todos os segredos e manias do casal 2000. E nem preciso comentar Fell in love with a girl. Preciso?

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3. Stankonia – Outkast (2000)

Olhe para a década: os grandes discos de hip hop lançados nos últimos 10 anos são os musicalmente irrequietos, que forçam os limites do gênero e saem furiosamente para a aventura. Jay-Z, Kanye West , à frente deles, o Outkast. Depois de ter implodido dentro de um maravilhoso e louco álbum duplo (Speakerboxxx/The love below), o duo acabou perdendo parte do poder de influência que tinha no início da década. Mas não custa lembrar: até 2003, eles ditaram quase todas as regras, até dominar o pop por completo (com o hit Hey ya!) e deixar a cena sorrateiramente.

Há quem prefira os primeiros álbuns, também alienígenas, mas Stankonia hoje soa como o auge criativo de Big Boi e André 3000 — numa comparação ridícula, é o Sgt. Pepper’s deles (e, naquela época, não conseguimos antever o Álbum Branco). E um período de colheita generosa, com 24 faixas, 74 minutos e clássicos absolutos como Mrs. Jackson e B.O.B. Já estavam claras as diferenças entre André (o soulman insano) e Big Boi (o mano apegado a boas tradições) — mas, ali, elas se uniam numa química imbatível. Um daqueles discos imensos que nos deixam muito pequenos.

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2. Is this it – The Strokes (2001)

Lembro a primeira vez em que ouvi um single do Strokes (acho que The modern age): apaguei o arquivo de MP3 e fui procurar outro. A qualidade de som parecia terrível. Depois, envergonhado comigo mesmo, notei que o jogo era aquele: a atmosfera ruidosa das gravações (que pareciam saído de uma fita demo largada num estúdio abandonado de Nova York por volta de 1967) contava tanto, talvez mais, que as melodias e as letras. De qualquer forma, todos os elementos se complementavam. Sabemos tudo sobre o hype criado em torno deles — e provocado por uma imprensa inglesa que ainda era poderosa nesse ramo —, mas (ao contrário de queridinhos como The Vines e Kings of Leon) eles sobreviveram heroicamente a tudo.

Hoje, fica claro por que: Julian Casablancas honra a tradição dos grandes band leaders, sempre prontos a se rasgar de angústia diante do público (e o disco posterior, o ótimo Room on fire, aprofunda o tom desesperado e pessoal das composições) e Albert Hammond Jr entende tudo sobre o poder hipnótico de um riff palatável (o projeto solo do sujeito não nos deixa mentir). Uma banda simplesmente real. E oportunista, no bom sentido. Nenhum outro grupo soube aproveitar com tanta gana o revival do rock de garagem e do pós-punk: endividados tanto com o Velvet Underground quanto com o Ramones, eles restauraram Nova York como um fervilhante laboratório de rock. Taí, então: um dos poucos discos da década que merecem entrar numa lista não tão longa de grandes álbuns de todos os tempos.

radiohead

1. Kid A – Radiohead (2000)

Não importa se você ouviu ou não ouviu Kid A (ou se você prefere Hail to the thief – ninguém é perfeito): nenhuma discussão sobre o rock do início do século se sustenta sem alguma referência a este disco. É grande assim. Produzido num período de transição para a indústria musical, foi um dos primeiros a se integrar intensamente à onda da troca de arquivos via internet (na lista de melhores discos de 2000, a revista Spin deu o primeiro lugar apropriadamente para o hard drive dos computadores dos leitores, e em segundo ficou Kid A) — e, para muitos fãs, o “último suspiro” da era do álbum. De qualquer uma das formas, é um triunfo do timing. O disco certo para um mundo errado.

Se Ok computer se deixa afinar por tradições do rock — o progressivo, o pós-punk, o goth rock dos anos 80 —, Kid A derruba os dogmas e barras de segurança em busca de uma sonoridade nova, radicalmente atual (e, com o excelente In rainbows, a banda novamente confrontou ideias dadas como intocáveis). Com o esforço de se reinventar, o Radiohead renasceu como um projeto de eletrônica e jazz-rock capaz de compor canções fragmentadas, tortas, que transportam para o processo de composição toda a confusão que Thom Yorke sempre imprimiu às letras de canções. Antes, ele comentava a paranoia urbana, a opressão tecnológica. Com Kid A, converteu todas essas angústias em pura música. Dos sintetizadores sufocantes de Everyting in its right place à metralhadora eletrônica de Idioteque, tudo é agonia. E o mundo (da música, pelo menos) acordaria perturbado desse pesadelo.

Radiohead em São Paulo

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radioshow

Assim que ouvi Ok computer pela primeira vez, acredito que por volta de agosto de 1997, tomei um susto tão grande que decidi dividir a experiência com meu padrasto. Fã de Kraftwerk e de Pink Floyd (cresci ouvindo sinos em volume máximo), provavelmente ele entenderia aquilo tudo melhor que eu. Lembro até hoje a reação desejeitada daquele homem grisalho, já turrão e (às vezes terrivelmente) cético: depois de um longo período de silêncio, o Mr. Sisudez se deu por satisfeito lá pela quinta ou sexta faixa. “É impressionante”, ele observou, quase cientificamente. “Se eu tivesse a sua idade, ouviria sem cansar.”

Ficamos nisso. Acredito que, depois daquela impressão animadora, meu padrasto nunca voltou a um disco do Radiohead. Como se, incapaz de acompanhar o galope de uma geração por ele desconhecida, preferisse manter distância das estranhas (e talvez maravilhosas) novidades cultuadas por meninos de 14 anos de idade. Como se dissesse: “ok, Tiago, agora você sabe o que sinto quando ouço The dark side of the moon.”

Duvido que me padrasto tenha assistido aos trechos do show de sábado em São Paulo, exibido na tevê por assinatura. Não o interessa. Posso dizer sem margem de erro: foi retrato de uma geração. A minha geração.

Provavelmente ele teria gostado do que vi (que, para mim, não vale menos que 10/10). A sensibilidade musical do meu padrasto, apesar de excessivamente seletiva (cinco ou seis bandas são o suficiente para mapear toda uma existência), foi moldada por um rock inventivo e atmosférico, ambicioso e monumental. Anos antes de Ok computer, mostrei a ele Nevermind e tudo o que recebi em troco foi um “tsc, o ser humano é um projeto que não deu certo”.

O show do Radiohead é ambicioso e monumental como eram os álbuns de rock progressivo dos anos 70. Mas também é catártico, emotivo e atormentado como o pós-punk do final daquela década. Há como identificar essa mão-dupla de referências em cada um dos álbuns da banda. Em Ok computer. Em Kid A (ainda que rarefeita). Em In rainbows (ainda que coberta por um bafo quente de soul music). Mas, no palco, essa equação se faz visível, reluzente, pulsando diante dos nossos olhos (deslumbrados, talvez cansados, talvez incomodados ou frustrados, mas hipnotizados).

É nosso reflexo. A imagem de quem viveu os anos 90 e seguiu se transformando até chegar aqui, no final da primeira década do século 21. Radiohead é, de certa forma, nossa história (minha e dos outros que o adotaram como trilha sonora para a adolescência). E, de outra forma, a história muito precisa de um período de transformações fundamentais para a música pop. Intencionalmente ou não, os ingleses refletiram o furor grunge (no hit Creep), a desilusão do fim de século (em Ok computer) e a fragmentação do pop via web (Kid A foi o primeiro grande filho do Napster) até antecipar a morte da indústria fonográfica (em In rainbows, distribuído de graça, independente de verdade).

A discografia do Radiohead pode sim ser encarada como um tratado para um mundo em transe. Você ouve Ok computer, por exemplo, e entende a crise econômica. Sério.

No palco, a banda tenta resumir essa ópera sem soar didática ou acomodada (a liberdade de criação é a bandeira que eles continuam levantando). Trata-se de um desafio e tanto. Dois dias antes, assisti a um show do Iron Maiden e tudo o que os velhos metaleiros conseguem (dignamente, para os padrões do metal; nada contra) é enfileirar canções conhecidas da forma mais plana possível, com um ou outro cenário engraçadinho – o que 90% das bandas praticam desde os anos 60. O show do Radiohead vai bastante além desse formato-padrão. É um espetáculo mais intrincado.

Assisti ao show com uma amiga que não conhecia nada além de In rainbows. No final da apresentação, virei-me para ela e disse: “Você acabou de ouvir tudo o que precisa saber sobre a banda. Isto é Radiohead.” Pouco depois, ouvi reclamações de fãs que queriam ter cantarolado hits de The bends. Mas faria algum sentido? A jornada do Radiohead não tem volta. Entendi muito bem que Creep, escondida lá no terceiro bis, era uma faixa bônus que, apesar de agradar aos fãs (e foi uma apoteose), destoa bastante da fase em que a banda se encontra.

A banda se jogou tão decididamente na própria aventura que muitos dos fãs ficaram pelo caminho. Natural. Conheço que deteste Kid A. Também sei dos que desprezam hits como High and dry. O show abraçou essas duas facetas, mas resgatadas a partir dos climas quase transcendentais de In rainbows (a iluminação é, por si só, obra-prima: engolida por tubos de luz, a banda toca literalmente dentro de um arco-íris). Uma banda na trilha do sublime.

Mais que isso: uma banda madura. Quem dera se toda maturidade soasse assim. O rigor técnico aliado à interpretação emotiva, a pompa de superprodução afinada à elegância do conceito (até as cores do telão, em meios-tons, impressionavam pelo detalhismo, pela finesse). Os sets que mudam a cada concerto, mas são sempre executados de forma impecável. Improvisos calculados, mas que soam vivos, doídos, frágeis. Thom Yorke é o Kurt Cobain que cresceu, entendeu os mecanismos da música pop e venceu o monstro sem desligar-se da angústia (e viver neste mundo continua difícil, com ou sem maturidade). Hoje, não há band leader que o supere.

O show de São Paulo oscilou do folk mais cru (a emocionante Faust arp, com dois violões e ponto final) à eletrônica mais cerebral (a geleira chamada Idioteque) – e cobriu uma série de etapas intermediárias entre um extremo e outro. As canções menos virulentas acabaram se destacando – com momentos arrasadores como Karma police, Fake plastic trees, Exit music (for a film) e Pyramid song -, interrompidas vez ou outra por espasmos de ruído (Bodysnatchers, The national anthem). Síntese do show e da carreira da banda, Paranoid android foi reconstituída com fidelidade absoluta – e agarrada pelo público, que fez coro, prolongou os versos, não quis soltar. Sete minutos que passaram como sete segundos.

No total, ficamos perplexos por cerca de 2h20. Pareceu pouco. Eu ficaria ali, de pé, apertado pela multidão, talvez de cabeça para baixo, por mais quatro horas (ouvir Lucky e Climbing up the walls assim, no susto, é de provocar parada respiratória). O golpe de misericórdia veio no final do segundo bis, com uma versão acelerada para Everything in its right place: as luzes vomitavam os versos da canção mais surrealista da banda, enquanto Thom Yorke ia desaparecendo lentamente.

Sabemos tudo o que precisamos saber sobre o Radiohead. O resto é mistério. 

Em tempo 1: O mundo não acabou, mas a saída da Chácara do Jockey parecia uma cena de Fim dos tempos. Uma massa de gente, empurrada sabe-se lá para onde. “Parece até Eu sou a lenda“, uma amiga comentou. Nesse exato momento, por uma coincidência absurda, quase tropeçamos adivinha em quem? Alice Braga! Bastante simpática, aliás.

Em tempo 2: Os shows de abertura foram prejudicados pelo volume do som (que, no Radiohead, estava excelente). Los Hermanos fez um retorno correto (7/10), privilegiando lados B e faixas do Bloco do eu sozinho. O público estava tão animado que a banda soou mais alegre que de costume (e Rodrigo Amarante, mesmo aparentemente rouco, deu até pulinhos). O Kraftwerk (6/10) penou para se adaptar à arena, com um telão que mal ocupava metade do espaço destinado ao palco do Radiohead. O show é excelente, um dos melhores que vi na minha vida, mas se dá melhor em espaços menores, com som alto. Foi um aperitivo.

Em tempo 3: Depois de duas horas e meia tentando pegar um táxi (quase apelei para a estratégia de deitar no asfalto e me fazer de cadáver), vi a cor de um sanduíche de frango às 3h da matina. Acordei às 7h para pegar o voo e cá estou eu, um zumbi em pessoa. Morto mas feliz.

Paranoid android | Radiohead

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Um guitarrista de uma banda de rock de Brasília, que entrevistei ontem, disse tudo o que precisamos saber sobre os shows do Radiohead no Brasil. Ele não é fã dos ingleses (aposto que prefere Primal Scream ou My Bloody Valentine), mas, quando perguntei se havia comprado ingresso, respondeu até com alguma irritação: “Óbvio, é uma das maiores bandas do século 20.”

Quem discorda? Impossível menosprezar uma apresentação do Radiohead. Não dá. É crime. Para o fã de música, de qualquer música, trata-se de um evento obrigatório (minto: para os fãs que estacionaram nos anos 80, recomendo o revival de Iron Maiden). Temos que usar traje esporte fino? 

Numa rodada de entrevistas com músicos de Brasília – da geração que hoje tem 30, 35 anos -, foi impressionante notar como a banda é admirada até por quem nunca se interessou verdadeiramente por eles. Mais que influência musical, deixam uma lição de integridade que, por si só, justifica o culto. Quem mais conseguiu praticar tão radicalmente, e por tanto tempo, o sonho da liberdade de criação? 

Teorizar sobre rebeldia é uma coisa – outra é lançar um single como Paranoid android (acompanhado deste clipezinho estranho aí, de Magnus Carlsson), sem refrão e quase sem nexo, para abrir os trabalhos de um álbuns violentamente machucado pelas tensões do fim de milênio.

Para mim, ainda parece um absurdo. Só de saber que eles vão tocar essa música, essa anomalia, essa obra-prima, daqui a alguns dias, ali na minha frente, dá frio na barriga. É como se o mundo estivesse para acabar.  Se eu sobreviver, juro que tento uma explicação.