Quadrinhos

2 ou 4 parágrafos | Thor

Postado em Atualizado em

Esta reportagem do New York Times explica por que, de alguma forma, os filmes produzidos até agora pelo estúdio da Marvel me parecem tão iguais uns aos outros, como que impressos numa mesma gráfica. “Quando Homem de Ferro vendeu US$ 585 milhões em ingressos no mundo todo, o sucesso validou uma estratégia: integrantes da equipe de quadrinhos passaram a interferir na produção dos filmes, com sugestões que levaram à criação de um comitê criativo”, escreve o repórter Dave Itzkoff.

Os dois episódios de Homem de Ferro e O incrível Hulk são filmes de comitê: os diretores são tímidos de doer (caso você tenha esquecido, eles atendem por Jon Favreau e Louis Leterrier), os atores principais são extrovertidos o suficiente para compensar todo o resto (Robert Downey Jr. e Edward Norton) e o tom das historinhas é, na medida do possível, realista – não preciso lembrar que ainda estamos no reinado de Christopher Nolan, certo?

Esse modus operandi aparece em Thor (3/5), mas pela metade, e sem um grande ator na dianteira: o que passa na tela é, na verdade, uma queda de braço interessantíssima entre um cineasta (Kenneth Branagh, de volta ao ringue) e um estúdio. É por isso, ó espectador de fim de semana, que aquele cinéfilo ranzinza, que implicou com a “impessoalidade” (que blasé!) de Homem de Ferro, vai se deixar dobrar por isto aqui. Thor é um choque de realidades, e muito explícito: quando o herói nórdico pisa o solo, o filme se transforma naquilo que a Marvel quer dele. Quando o poderoso sobe ao mundo da fantasia, é Branagh quem agarra o joystick, convertendo a saga a um modelo shakespeariano que conhece bem (entre os 12 filmes que dirigiu, seis são adaptações do inglês).

Em terra firme, o filme perde a verve, “no wit, no grace”, mas ganha movimentos atléticos, eficientes, uma love story banal e um alívio cômico constrangedor (os roteiristas escreveram Fringe, daí que dá para adivinhar o que nos espera). No “infinito e além”, ele se torna uma apoteose de CGI, um bloco carnavalesco, um Cirque du Soleil para fãs de Senhor dos anéis (tem até ponte de arco-íris!). Uma coisinha excessiva, mas condizente com o gosto de Branagh pelo estrondo, pelos conflitos trágicos, por som & fúria. Longe de ser grande e poderoso, Thor pelo menos passa como (em parte) um filme vivo, que tenta respirar dentro da máquina de fazer papel. Espero sinceramente que não fracasse.

2 ou 3 parágrafos | Kick-Ass – Quebrando tudo

Postado em Atualizado em

Vou abrir uma exceção e elogiar um filme de um cineasta que me parece nada talentoso. Matthew Vaughn produziu Guy Ritchie, fez Nem tudo é o que parece (um sub-Ritchie) e o tedioso Stardust. O novo dele, muito superior àqueles dois, é uma adaptação de quadrinhos que me ganhou como poucas outras. Então taí: vocês não devem esperar muito do próximo longa de Vaughn, mas recomendo feliz da vida este Kick-Ass (3.5/5).

Quem lê este blog sabe que sou um sujeito muito difícil para adaptações de quadrinhos. Acho quase tudo igual e me entedio. Por que meu voto vai para Kick-Ass, então? Talvez por não seguir as normas de segurança do gênero (não é um filme “família”, não é calculado para entreter a vovó, a netinha e o cunhado fã de AC/DC). Ou por não transformar as cenas de ação em demonstrações grotescas de efeitos visuais, explosões geladas de pixels. E aí acredito que Vaughn, apesar de não me convencer como cineasta (ele picota referências unânimes, de Stanley Kubrick a Quentin Tarantino, e fica nisso), tem o mérito de conduzir o filme com muita fluência – o oposto de um típico Guy Ritchie, portanto.

O filme é todo metido a contemporâneo (exagera no falatório sobre cultura pop, mas acerta, por exemplo, quando engendra a ação via YouTube, SMS, câmeras de celulares), mas o que me agrada nele são os traços mais convencionais – o traquejo como Vaughn nos apresenta os personagens e narra a trama. E isso, no cinema de entretenimento, deveria ser algo simples, corriqueiro, mas vá lá ver Príncipe da Pérsia e depois conversamos. Até as cenas de ação mais mirabolantes são narradas com clareza. Nada de montagem histérica e câmera tremida, mas outras ideias: jogo de luzes, plano-sequência, balé sangrento (Kill Bill é sampleado explicitamente). Nada exatamente novo, mas nunca confuso. Até o tom esquizo da narrativa (é sátira ou homenagem?) soa premeditado – é o delírio um velho fã de fitas de super-herói, que vê o antigo objeto de culto com um tanto de carinho, um tanto de vergonha. Não é complicado de entender.

2 ou 3 parágrafos | Homem de Ferro 2

Postado em Atualizado em

A trilha sonora de Homem de Ferro 2 (2.5/5) é, em grande parte, uma compilação de sucessos do AC/DC. O que me parece uma escolha muito apropriada para um filme de ação que soa como um concerto recente da banda australiana: um espetáculo ensurdecedor para o papai e o filhinho, cheio de efeitos pirotécnicos, com um band leader zureta (Robert Downey Jr, nosso Brian Johnson), um coadjuvante mais alucinado ainda (Mickey Rourke, nosso Angus Young) e um script tão inofensivo e mecânico quanto os especiais de hard rock transmitidos pela VH1.

Mas eis que, lá pelas tantas, aparece Robot rock, do Daft Punk. A música é uma brincadeira irônica, muito francesa, com clichês do rock setentista. Se o filme seguisse esse rumo (e poderia ter seguido, já que a performance blasé de Downey Jr aponta para essa direção), eu ganharia o dia. Mas este não é o meu filme, não é o filme dos meus sonhos, não tem quase nada a ver comigo, e Jon Favreau está longe, muito longe de um Paul Verhoeven.

Ficamos assim: menos, bem menos Daft Punk; mais, bem mais AC/DC. Menos sarcasmo e sutileza (melhor: sutileza nenhuma), mais profissionalismo bem-intencionado. Entendo o sucesso do filme, principalmente entre os fãs de quadrinhos que cobram cineastas invisíveis, que de preferência não se metam no caminho dos personagens e da trama. Já contei para vocês que cochilei no meio de um show do Simply Red? Pois bem: se fosse uma love story, Homem de Ferro 2 seria um show do Simply Red.