Projeto X

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Sempre que topo em algum lançamento da onda “found footage”, lembro logo do meu preferido entre os filmes de Lars von Trier, As Cinco Obstruções. No documentário, o diretor desafiava um ídolo (o cineasta Jorgen Leth) a refazer um curta-metragem obedecendo a uma série de restrições, todas elas determinadas (é claro) pelo próprio Trier. Há quem interprete essa obsessão por definir limites bem específicos para a encenação — que se nota em outros filmes do diretor, como Os Idiotas e Dogville — como um esquema de marketing. É, não é? Mas também podemos tomar essa estratégia como uma reação a uma época em que o digital passou a permitir enorme liberdade a quem faz filmes.

O filão “found footage” (como se mostra hoje) parece todo ele construído em torno dessa provocação de Trier — já que esses filmes baratos (em digital, com aparência tosca de exercício universitário) se submetem, de antemão, a um punhado de “obstruções” formais. A começar pelo ponto de vista do narrador, já que as imagens são captadas ora pelos próprios personagens principais, ora por sistemas de vigilância, ou por coadjuvantes que calham de flagrar as cenas via telefone celular ou câmera portáteis. O combo final nada mais é que a edição — para efeitos “informativos” — de um material bruto que evidencia algum crime ou fenômeno sobrenatural.

A maior parte dos filmes desse subgênero segue rigorosamente esse modelo realista, testando os efeitos que toda essa crueza provoca no espectador (em Cloverfield e Poder sem Limites, por exemplo, a graça é narrar tramas de sci-fi como se fossem flagrantes de reality shows). Projeto X é, ao menos em tese, um filme da lavra “found footage”: após um aviso de que a Warner lamenta por mostrar aquelas gravações (ou algo parecido), o que vemos são as imagens captadas por um grupo de amigos numa “festa de arromba”. São incalculáveis as opções de edição, já que praticamente todos os convidados têm iPhones à mão — e tomaram, desconfio, algumas boas doses de energético.

O “found footage” é um jogo de tabuleiro. É uma lástima (e aqui estou sendo dramático) que Projeto X não queira jogá-lo. Não por falta de ambição — o produtor Todd Phillips (de Se Beber, Não Case) tenta atualizar as chulices de Clube dos Cafajestes para a geração do iPad e de Kanye West. O modelo visual é usado (aí sim) como um aplicativo para tornar o filme mais “urgente” a uma parcela teen do público — e abandonado quando o diretor não precisa dele (principalmente nas cenas em que a narrativa se transforma em clipes de hip-hop). O desfecho, fuzilando cruelmente as minhas pobres expectativas, anula toda a suposta anarquia da trama com um alívio romântico que caberia numa season finale de Gossip Girl.

Superficialmente, é uma comédia anormal (e, por isso, interessante). Mas Lars von Trier pediria para fazer de novo — porque, claramente, alguém não entendeu como a brincadeira funciona.

(Project X, EUA, 2012). De Nima Nourizadeh. Com Thomas Mann, Oliver Cooper e Jonathan Daniel Brown. 88min. C