Power pop

Mixtape! | Janeiro, verão sem fim

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Janeiro de 2011: o primeiro mês do resto da minha vida. Verão sem fim.

Fico um pouco melancólico quando viro o calendário e noto que ele sumiu. Adeus, janeiro. Saudade de você, meu velho. Volte sempre. A casa é sua. Entre sem tocar a campainha.

Janeiro, verão sem fim. O som desta mixtape é o sol brilhando na janela – 31 dias incríveis no retrovisor. Semanas quase inacreditáveis. Se este CDzinho soa como um sonho muito aconchegante, é que não quero acordar. Pois bem, meus amigos: perdoem o excesso de formosura sonora.

Nem parece que 2010 terminou logo ali. Não é? Não é?

A mixtape de janeiro trata de segundas chances, fins de semana inesquecíveis, amor, química e açúcar. É um pouquinho inocente. E um pouquinho sexy. Um pouquinho juvenil. Um pouquinho abobada (mas é assim que as coisas são). Passei o dia ouvindo e posso afirmar que é a coletânea mais leve, mais boa-praça, mais cheirosinha que eu gravei. Dê de presente para a sua namorada.

É claro, este é um CD que eu gravei pensando na Alê, a mulher que está mudando minha vida. É para ela. Não são todas as músicas que dizem respeito a ela, nem a mim, nem a este blog, mas sabe o que acontece? Talvez seja melhor desviar a atenção dos versos e prestar atenção ao clima de canções que vão do power pop ao dream pop à soul music, que nos abraçam e não nos abandonam nunca mais.

A mixtape mais adorável do planeta, acredite. Um transe feliz. Look into the sky!

Ela contém doses viciantes de Peter Bjorn and John, Smith Westerns, Cut Copy, Gruff Rhys, Iron & Wine, Deerhoof, Adele, Joan as Policewomen, James Blake (que gravou o meu disco favorito do mês, e está abrindo o sorrisão na foto lá de cima) e Bright Eyes. Está uma delícia, garanto a vocês. 

A lista de músicas está, como de hábito, na caixa de comentários. Sabe aquele lugar que você devia frequentar, mas fica encabulado? Pois é. Tá lá.

Aposto que alguns frequentadores fieis deste blog vão avançar de colherada nessas melodias tão gentis. Melodias maiores que o mundo. Ouviu aí, Daniel? Vá fundo, meu bróder, que a hora é esta!

Então vamos todos juntos fazer o download da mixtape de janeiro. Certo? Joia? Bacana?

Depois (ou antes) de ouvir, se possível, um comentário para alegrar o meu dia. Vamos lá, gente! Tá quente lá fora, tem praia e mate gelado, todo mundo tá de férias e ninguém tem nada a perder. Aloha. E bom dia, fevereiro!  

PS: Ok, eu também às vezes me espanto com o meu otimismo recém-adquirido. Mas esse assunto fica pra depois. Vamos à mixtape, pode ser?

Superoito express (35)

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Zonoscope | Cut Copy | 7.5

O terceiro do Cut Copy é daqueles discos dedicados, espaçosos, que cobram nossa atenção pelo menos por uma noite inteira (a última faixa tem 15 minutos e se chama Sun God). Nota-se que os australianos estão aflitos para iniciar um relacionamento sério com público & crítica, mais ou menos como a garota que convida o namorado para jantar e prepara uma paella com cinco opções de sobremesa. E lá está o sujeito empapuçado, esparramado no sofá, pensando: “mas não precisava tanto…”

Uma das músicas atende por Blink and you’ll miss a revolution, e esta é uma prova de que os chapas — apesar da aflição — têm bom humor. No mais, estamos lidando com caso tardio de “tensão do segundo disco”, em que um novato bajuladíssimo se vê obrigado a honrar um álbum que nos conquistou lentamente, que roeu corações pelas beiradas (o ótimo In ghost colours, de 2008). Missão inglória. Mas taí.

Primeira consequência, inevitável: Zonoscope é mais gordo que o anterior, com um cenário mais vasto (a capa tem um quê apocalíptico) e novas combinações de referências dos anos 80 e 60 — de uma vez por todas, eles se esquivam de rótulos como “electropop” e “indie dance”. A primeira metade soa mais fluente do que a segunda; que, por sua vez, se aproxima das colagens de James Murphy (eletrônica pelo ponto de vista de fãs de rock). Mas, ao mesmo tempo, ele confirma uma banda que quer abraçar o mundo (Take me over é descaradamente um candidato a sucessor de Take me out, do Franz) e, ao mesmo tempo, soar imprevisível (a psicodelia de Where I’m going lembra outra banda australiana, o Tame Impala). Ben Allen, produtor de Animal Collective e do Deerhunter, faz a mixagem — talvez o responsável pela camada de poeira sonora que faz do disco um set turvo, dopado.

Muita gente vai elogiar (e esse tipo de esforço merece ser reconhecido), mas não vou esconder: é um álbum que me agrada quando relaxa os músculos — a parte final de This is all we’ve got, por exemplo, é uma lindeza. Deixa uma ótima impressão (e sim, vieram para ficar), mas… Não precisava tanto.

Dye it blonde | Smith Westerns | 7.5

No primeiro disco, de 2009, havia faixas como Dreams, Girl in love, Be my girl e My heart. No segundo, Weekend, Fallen in love, Smile e Dance away. Só pelos títulos, já se percebe que este quarteto de Chicago ainda não acordou de um sonho bom. E impressiona como eles conseguem prolongar este verão: Dye it blonde é um disquinho jovial de glam, power pop e certa melancolia teen (os integrantes têm entre 18 e 20 anos) que soa tão coeso, tão autoconfiante quanto a estreia do Pains of Being Pure at Heart, por exemplo, ainda que muito mais doce. E pode parecer simples, mas é algo raro — um álbum que soa muito agradável, mas nunca nos provoca com golpes de fofura barata. Várias doses por dia e aposto que dá espinha.

Ventriloquizzing | Fujiya & Miyagi | 6

Nos dias bons, Fujiya & Miyagi gravou faixas que soam como um Kraftwerk movido a antidepressivos — versos singelos, disparados como slogans publicitários, com texturas se sobrepondo de 15 a 15 segundos. É um modelo que ainda não me entedia (há pelo menos um grande momento neste quarto disco, Sexteen shades of black and blue), mas ele ainda não dá conta de justificar um disco inteiro. E, sinceramente, não sei se a situação melhoraria se eles decidissem lançar uma compilação com as melhores faixas da carreira: ainda assim soaria repetitivo, como se a primeira faixa fosse o suficiente. Em pílulas, no entanto, soam adoráveis.

Kills | jj | 6

Uma mixtape estranhíssima da dupla sueca, que sampleia quase didaticamente canções que conhecemos muito bem (Kill you, por exemplo, chupa Paper planes, da M.I.A., já batidíssima; também tem Power, do Kanye West) e vai “matando” uma a uma. Não conta como um álbum “oficial”, e esse tom de brincadeira deixa a banda mais livre para cometer todas as loucuras possíveis. Mesmo com tanta liberdade, não consigo encontrar muitas faixas realmente matadoras (perdoem o trocadilho), e em muitos casos a anedota não surte o efeito que eles desejam. De qualquer forma, uma banda capaz de tudo.

Gimme some | Peter, Bjorn and John

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Em Gimme some, o disco de indie rock mais eufórico desde o novo do Go! Team, Peter, Bjorn e John pedem uma segunda chance. Pedem não: imploram. Imploram não: se ajoelham.

Você ouve uma, duas vezes e já nota o desespero. É um álbum que faria de tudo (e faz quase tudo) para nos agradar.

Entendo a aflição. Depois de acertar quase acidentalmente com Young folks (e, por consequência, o disco Writer’s block, de 2006), os suecos correram riscos, aumentaram as apostas e, sem sorte, perderam tudo. Quase ninguém entendeu Living thing (2009), o “disco difícil”. E ninguém ouviu Seaside rock (2008), o “projeto experimental”.

Gimme some é o menino interiorano que, depois de fracassar na cidade grande, volta ao lar com presentes para todos os amigos.

O que, se pensarmos mais com a cabeça do que com o coração, não deixa de ser uma tentativa digna de lidar com os reveses do pop.

Amamos os one-hit wonders, mas o grande pop sempre foi um negócio arriscado. As bandas que respondem ao sucesso com discos insensatos, sem certezas ou reprises de melhores momentos, aceitam entrar num jogo que pode sim resultar em invisibilidade comercial (os recentes do MGMT e da M.I.A., por exemplo), mas às vezes garante recompensas incríveis, que nunca serão merecidas por quem se contenta com o mediano (esses estarão sempre a uma distância segura de Radiohead, Wilco, Flaming Lips, Kanye West).

A transformação do Peter, Bjorn and John numa banda que se aventura — em Living thing; que é afobado, mas cheio de boas ideias — provocou um problema de mercado. Como resolver a crise? É a pergunta que Gimme some tenta resolver.

Este é, portanto, o disco que o mercado esperava do trio em 2009. Uma coletânea agressiva de power pop, garage rock, pop-punk, indie para pistas de dança (nos moldes de It could have been so much better, do Franz Ferdinand) e outros mimos que se adaptariam ao ambiente de seriados, anúncios de tevê, trilhas de cinema. É o disco mais amável que eles gravaram — mesmo quando, em raros trechos, os versos soam tão desencantados quanto os do álbum anterior.

Nas duas faixas que se destacam como hits prontos (Second chance e Tomorrow has to wait), eles saem para o verão: a ordem é aproveitar o sol enquanto é dia. “Não espere pela segunda chance. Ela nunca vai aparecer”, avisam (um conselho que, quando apontado para a própria banda, soa até irônico). E volta e meia reforçam a ladainha à “carpe diem”: “Este é o melhor momento da sua vida, o dia seguinte vai ter que esperar.”

Nos momentos menos bronzeados, como Down like me e May seem macabre, que o disco deixa escapar um pouco de amargura, mas nada que altere o tom de doçura, de afabilidade. É muito carinho, muito abraço, estamos todos bem.

É claro que não estamos — e a banda, menos ainda; ela está desesperada, lembre-se —, mas Gimme some é daqueles discos que simulam uma tarde de feriado. Nos discos anteriores, Peter, Bjorn and John alternavam alegria e tristeza, ingenuidade de mentirinha: pop sueco. Agora eles gravam um álbum mais americano, single-minded, até pragmático: é, de fato, um disquinho muito eficiente.

A intenção é aceitar as leis de um mundo que os rejeitou. Eu, que sempre me identifiquei com o temperamento corajoso-porém-precavido da banda, desejo sorte. Eu, você, todos temos contas a pagar, certo? Nos momentos mais otimistas do disco, até esqueço que esse tipo resignado de “volta ao lar” parece sempre um tanto melancólico.

Sexto disco de Peter, Bjorn and John. 11 faixas, com produção de Per Sunding. Lançamento Star Time International. 6.5/10

Os discos da minha vida (1)

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Os discos da minha vida, parte 1. Uma série de posts que começa hoje e só termina pra lá do fim do mundo. Nem desconfio quando.

A ideia é muito, muito simples: 100 discos que marcaram a minha vida, 2 por semana, quando possível com links para que você os ouça.

Não é, portanto, uma lista com a pretensão de elencar os “melhores discos de todos os tempos” ou os “discos mais influentes” ou os “discos para você ouvir antes de morrer” ou os “discos que mudaram o mundo”. É apenas um longo ranking de álbuns que se confundem com algumas das minhas melhores (e às vezes piores) lembranças.

Um top 100 muito pessoal, cheio de idiossincrasias que vão irritar quem entende um pouquinho de música pop. Francamente: é uma listinha insignificante.

A maior parte dos discos vem dos anos 90, a época em que comecei a ouvir música compulsivamente. Mas é apenas o ponto de partida para uma viagem mais extensa (espero que vocês acompanhem com um pouco de paciência).

Tentarei ser breve nos comentários, até para que isto aqui não se transforme numa sessão aborrecida de autoanálise. Aviso que os textos explicam pouco sobre os álbuns e, no máximo, tentam recuperar a minha relação com esses discos. Não espere tratados. E é uma questão delicada, afinal de contas: não costumo ouvir estes discos, até para não ser tragado por terríveis flashbacks.

Mas sugiro que você os ouça. São bons.

100 | Grand Prix | Teenage Fanclub | 1995 | download  

Hoje soa como o álbum de power pop mais direto que se fez: um refrão, um riff, coros agradáveis, emoções frágeis, alguma tristeza e quase nada mais. Quase uma cartilha. Lá nos anos 90, foi um disco que me perseguiu quase contra a minha vontade. Nas primeiras audições, não levei muito a sério: achei aguado e choroso (o oposto do grunge, por exemplo). Eu tinha 15 anos. Mas cresci e Grand prix foi crescendo junto comigo, como um amuleto. “Este sentimento não vai embora”, eles avisavam. Não foi. top 3Don’t look back, Sparky’s dream, Neil Jung.

099 | Ten | Pearl Jam | 1991 | download

Eu juro que não me lembrava disto: a estreia do Pearl Jam sempre começou com essa atmosfera pseudo-oriental que mais tarde seria aplicada a discos do Kula Shaker e da Alanis Morissette? Mas taí: esse tipo de excesso era uma característica da onda grunge que o Pearl Jam soube aplicar com despudor e sisudez. E, saudosismo à parte, ainda considero o melhor momento deles. Menos aventureiro do que No code, mas gloriosamente single-minded (não consigo encontrar outro termo). Eu tinha a fita-cassete e admito que preferia o lado B (a começar por Oceans, ainda tocante). Hoje acho que eu ficaria com lado A, que tem o cheiro das minhas blusas de flanela. top 3: Oceans, Black, Jeremy.

Crash years | The New Pornographers

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O novo clipe do intrépido New Pornographers mostra o seguinte: um olhar panorâmico da cidade pode fazer com que nossas vidinhas pareçam muito mais poéticas do que elas na verdade são. Garanto que aqueles guarda-chuvas hipnóticos existem. Mas é claro: nas nossas vidinhas, não costumamos encontrar sujeitos azuis caminhando com cachorros azuis. A direção é de Sammy Rawal.

Shadows | Teenage Fanclub

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Tony Naylor, repórter do Guardian, defende neste artigo que as bandas de música pop deveriam gravar no máximo três bons discos e, para o bem da humanidade, saltar do barco.

Concordo com ele quando lembro de Oasis, Smashing Pumpkins e Hole. Mas aí discordo: há Beatles, Rolling Stones, David Bowie. E Animal Collective, que tem oito álbuns e continua nos surpreendendo.

Esses são exceções, vocês diriam. Pode até ser verdade (para cada Animal Collective, são 10 The Vines). Mas, quando evitamos as extremidades de provocações desse tipo, as coisas se tornam muito mais complicadas. Por exemplo: como fica o Teenage Fanclub, que, já longe do ápice (de álbuns belíssimos como Bandwagonesque, de 1991, e Grand Prix, de 1995), segue gravando discos muito dignos como este Shadows, o nono da carreira?

Resumindo: não confie em artigos que tratam a música pop como um conjunto de regrinhas esotéricas.

Mas voltando ao Teenage Fanclub. Numa primeira audição, Shadows pode parecer o disco autoindulgente que se espera de uma banda anciã. Os riffs ruidosos do início dos anos 1990 são aplacados por arranjos agradáveis e delicados, quase discretos, com amenas distorções de guitarras, decorados com pianos, violões, cordas e efeitos discretos de sintetizador. Tudo muito adulto e “sofisticado”.

Para quem conheceu a banda no início dos anos 1990 e depois a abandonou, será um choque. Nada de noise pop. Nada de rispidez lo-fi. Nada de power pop (alegremente) adolescente. Mas, antes que esse fã se decepcione terrivelmente e vá revirar o catálogo da Sub Pop, sugiro paciência. Ouça o disco novamente.

E admita: os escoceses têm todo o direito de gravar um álbum diferente daquele que faziam aos 25. Norman Blake, um dos principais compositores, tem 44 anos de idade. Sinceridade (e é o que vale, não?) continua um valor que eles levam muito em conta.

No mais, Shadows dá prosseguimento à virada de Man-Made (2005), um disco mais afinado ao indie elegante e gentil de bandas americanas como The Sea and Cake e de britânicas como o The Clientele do que da euforia reluzente de um New Pornographers.

Mas é claro que aparecerá quem diga que eles não estão se esforçando. Novamente, calma: dentro do gênero que resolveram habitar (e vamos chamá-lo de rock pastoral britânico, algo assim), eles tentam praticamente de tudo. Para os parâmetros do nicho, Shadows é um disco até bem sortido, com camadas de guitarras que batem feito feixes de melodia, se sobreponto uns aos outros. Sutileza, sutileza.

E não é um grande disco, antes que me perguntem. Tecer lindas melodias pop sem beirar a fofura gratuita não é um trabalho tão fácil quanto parece, e o Teenage Fanclub ainda oscila entre o memorável (The fall, The back of my mind) e canções amarrotadas, que passam sem dizer olá. Ouvi o disco cinco vezes e há algumas faixas que soam simplesmente transparentes (pode ser que isso mude, mas não apostaria nisso).

Há quem acredite que a história do Teenage Fanclub chegou ao fim há 10 anos (e tudo o que temos desde Howdy, de 2000, é um longo epílogo meio cinzento). Eu não vejo assim, pelo contrário: Shadows, ainda que não justifique a espera de cinco anos, aponta muitas possibilidades para um quarteto que optou por crescer junto com o seu público.

Que eles se transformem num novo Clientele — eu não me incomodaria.

E, de qualquer forma, o tempo passa (e notem que muitas das letras do disco lidam com memórias, arrependimentos, saudade, o passado). A barriga cresce. O cabelo cai. E há pessoas que não querem ser Axl Rose (pelo menos não para a vida toda). O fã de Bandwagonesque, já trintão, vai ouvir este disco no iPod enquanto faz compras no supermercado, leva os filhos no colégio ou calcula as prestações da geladeira.

E aí o Teenage Fanclub soará novamente como aquele bom amigo que nos visita de cinco em cinco anos – e que deveria voltar mais vezes.

Nono álbum do Teenage Fanclub. 12 faixas, com produção da própria banda. Lançamento PeMa Records/Merge Records. 6.5/10

Together | The New Pornographers

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Sempre que começo a escrever um texto para este blog, me sinto um pouco estúpido. Encaro a tela do computador e pergunto a ela, às vezes em voz alta: por quê? Quando chego ao último parágrafo, a questão continua beliscando meu calcanhar.

É que nada disso parece fazer muito sentido. Este blog. Os meus textos. As opiniões. Os argumentos contraditórios. O tempo que parcelo em toneladas de frases, sujeitos e predicados, verbos e, acima deles, os infelizes adjetivos. Por quê? Para quem?

Aprendi numa aula de economia que existe um custo para todas as nossas escolhas. É uma regrinha muito simples: o custo de abandonar um emprego, por exemplo, é voltar a viver no sótão de casa, sem dinheiro para almoçar em restaurante bacana. Quando tento aplicar essa lei ao funcionamento deste blog, fico louco. Filosoficamente falando, qual é o preço que eu pago por manter esta quitinete?

Talvez seja caríssimo.

Ontem à noite, fuçando nas gavetas de casa, encontrei uma revista de música e cinema que produzi aos 11 anos de idade. São 10 páginas de papel A4, digitadas em máquina de escrever e coloridas com giz de cera. Lembro que passei duas tardes editando aquelas resenhas. Ao fim do batente, o único leitor da publicação (eu) ficou muito satisfeito com o resultado.

Notei a semelhança: falo muito sobre adolescência, mas meus blogs são os vestígios dessa etapa da minha vida, o finalzinho da infância, quando eu escrevia (e criava músicas, programas de rádio, videoclipes em VHS, filmes imaginários) para ninguém. Era (e é) uma espécie de autismo criativo: eu, trancado dentro do meu cérebro, murmurando verdades.

Soa deprimente, eu sei. Mas, desde pequeno, não consigo domesticar essa vontade muito selvagem de escrever sobre o que vejo e sinto, os filmes e os discos e tudo o que existe entre eles. O mais curioso é que, quando criança, eu não era um menino solitário, sem amigos. Todos no bairro me conheciam. Eu era o presidente dos clubinhos — eu confeccionava as malditas carteirinhas! Com a minha Caloi azul, o meninão aqui liderava a equipe de bicicross. Mas, ainda assim, escrever me parecia um refúgio, uma ilha deserta.

Daí que, quando ouvi o disco novo do New Pornographers (uma das poucas bandas de rock que me levam de volta à infância, e não à adolescência), pensei: a hora é esta; vou parar com o blog e sanar a doença.

Parecia um plano razoável, mas não daria certo. Eu continuaria a rabiscar cadernos pautados e folhas de pão. Na minha lápide vocês encontrarão a frase: Tiago Superoito, que escreveu para as paredes.

E é impressionante como este disquinho novo do New Pornographers, Together, catalisou essas minhas preocupações e me ajudou a entendê-las. Por quê? É que fico com a impressão de que esta banda existiria de qualquer forma — com ou sem fã-clubes, críticas positivas, afagos de gravadores e status de “supergrupo indie”. Os álbuns dos canadenses, nos melhores momentos, soam como um jogo despreocupado entre amigos. Um divertimento. Uma tarde perdida, largada sob a brisa quente do power pop.

É como se cada um dos integrantes da banda se livrassem da realidade (as carreiras solo, todas muito respeitáveis) para curtir prazeres de infância: um refrão gorduroso, uma melodia excessivamente calórica, um riff safado, um ar de traquinagem. Canções para o churrasco de domingo. Só queremos nos divertir, é o que dizem discos como Mass romantic (2000) e Twin cinema (2005).

E isso é minha infância. Isso é este blog. Escrever por escrever. Escrever apenas por prazer.

É verdade que com o tempo, o New Pornographers deixou um pouco essa (saudável) pose de projeto descontraído para se afirmar como uma banda de verdade. Não colou. Challengers (2007) é um disco adorável, mas soa como uma colagem excessivamente cuidadosa (e mais “adulta”) de canções coletadas das carreiras solo dos principais integrantes: AC Newman, Neko Case e Dan Bejar. Dá para transformar hobby em trabalho? Acredito que sim, mas sentimos saudades daquela banda que não parecia banda, e sim uma farra, uma happy hour.

Together, já no título, tenta recuperar essa antiga sensação. Esforço consciente. Talvez por conta da receptividade morna de Challengers. Talvez por que a própria banda sentiu falta de um pouco de espontaneidade. Mas, por qualquer ângulo, é um disco que ocupa um espaço intermediário entre a minha infância e os meus vinte e poucos anos. A curtição alegre e as responsabilidades maçantes. Eu fico alegre quando vejo meu reflexo em The crash years (uma torrente de hormônios), mas um pouco tenso com a arquitetura calculadinha de If you can’t see my mirrors, que, com referências descoladas a Velvet Underground, resulta bem menos cool do que parece.

(E, tomando alguma distância do meu umbigo, note que este é um disco mais de Neko Case, que vem de um ótimo álbum solo e canta as melhores faixas, e menos de Bejar, que soa como se estivesse turbinando lados B do Destroyer. Já Newman, nosso chapa supercomum, quase não se destaca)

Se as primeiras gravações do grupo soavam como os amigos de meninice, que você conheceu aos 11 anos de idade (e seus rins tremem de emoção quando você lembra disso tudo, confesse), os mais recentes às vezes se assemelham aos reencontros com antigas turmas de colégio, quando tentamos simular as brincadeiras do passado e esquecer das obrigações. Tentamos, mas raramente conseguimos.

Nas boas canções (e são muitas, como Moves, Your hands, Up in the dark e We end up together), eles conseguem reprisar a mágica. O entusiasmo é real e os convidados especiais (do Beirut, St. Vincent, Okkervil River) entram na dança. A banda ainda me faz acreditar que eles vão continuar escrevendo e tocando canções como essas por muito tempo, mesmo quando a gravadora chutá-la e o último fã abandonar a arquibancada.

Acabou que, após dezenas de audições, este disco me convenceu a continuar com o blog e com os textos e com os argumentos e com os parágrafos inúteis que me perturbam e alegram. Para que serve o New Pornographers? Acho que para nada. Qual a relevância deles? Acho que nenhuma. Mas estou certo de que eu seria um pouco mais infeliz se esta banda (e este blog) não existissem.

Quinto disco do New Pornographers. 12 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Matador Records. 7/10

A LITTLE BIT LONGER | Jonas Brothers

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A cartilha do power pop aplicada por Nick, Kevin e Joe, três moleques que têm o mundo do pop nas mãos e gravam canções inofensivas com o aval da Disney – mas que, se você não se importar muito com esse detalhe, soarão como uma perfumadinha versão teen do Fountains of Wayne.

Criados desde cedo com cereais selecionados, os irmãos aparentemente foram formatados para preencher a brecha de mercado aberta com a decadência do Hanson. Mas me parecem ainda mais eficientes que Isaac, Taylor e Zac. Pelo menos o são neste A little bit longer, um álbum abertamente comercial que não nega os objetivos práticos de praxe (preencher a programação do Disney Channel, bombar nos parques temáticos etc) e, mesmo assim, trata com sensatez as referências musicais que escolheu para si. É um disco bastante correto – mais ou menos o que se espera de um trio de estudantes aplicados que, sob pena de ficar de castigo virado para a parede, não tira menos que 8 nas provas.

Até as baladas (que, em tese, soariam insuportáveis de tão derramadas) não exageram tanto na dose. A faixa-título, uma confissão de Nick sobre a vida dura de um diabético, parece mais sincera e até desconcertante do que esperávamos de um álbum com esse formato e essas ambições. Eu não queria estar na pele deles. Próximo capítulo desta história: os garotos certinhos saem com os guarda-costas para um passeio nas casas noturnas de Los Angeles, se revoltam contra a vigilância paterna e são reprovados no teste do bafômetro. Ah, a maturidade.

Ainda não estamos lá. A little bit longer é o som da inocência (ainda que tardia, já que o mais velho tem 20 aninhos). E, bom, pelo menos sem a aparência artificial que se encontra quase sempre nesse tipo de caça-níquel infanto-juvenil. Eu, que não assisto aos programas de tevê nem sob tortura, não me importaria se eles enchessem os cofres do papai com mais alguns milhões de dólares às custas de guitarras altas e refrãos tolos. Isto também é rock ‘n’ roll – e sejam honestos: quem aí já não foi um dia um menino ingênuo e milio… hum, esquece.

Terceiro disco do Jonas Brothers. 12 faixas, com produção de John Fields. Hollywood Records. **