Pós-punk

Os discos da minha vida (top 10)

Postado em Atualizado em

E não é que a interminável lista dos 100 discos da minha vida está chegando ao fim? Conforme o prometido, nada de textos pomposos antes dos álbuns propriamente ditos. Dois informes, apenas (e velhos informes, para quem já conhece esta brincadeira): 1. o ranking é absolutamente pessoal, então nem venham com a história de que o outro disco da banda é melhor; 2. recomendo, as usual, o download.

009 | Unknown pleasures | Joy Division | 1979 | download

Sombrio. Taí um adjetivo que deveria vestir o casaquinho e se retirar do salão (e sim, estamos falando no Grande Salão da Música Pop).

Há palavras que, de tão reprisadas, perdem o sentido. Reconhecemos a sonoridade, entendemos razoavelmente as emoções evocadas, mas temos a impressão de que elas podem se adaptar a todos os ecossistemas — para se referir a qualquer coisa, pessoa ou evento. Merecem, portanto, o ostracismo.

O termo tem tantas utilidades que me pergunto: o que não é sombrio? Há canções sombrias em discos do Green Day e da Beyoncé. Há quem observe, aqui e ali, a faceta sombria da Lady Gaga. Aposto que há dissertações sobre a fase sombria de Madonna. O visual de Trent Reznor é definitivamente sombrio. Radiohead circa Amnesiac? Sombrio de chorar.

A little bit longer, do Jonas Brothers? É um cadinho sombria, sim senhor.

Mas, se retornarmos à raiz musical da expressão, na pré-história do chavão, tropeçaremos em Unknown pleasures. Será um tombo inevitável – o disco praticamente criou um estilo (e de um clichê, de um lugar-comum) que perduraria nas décadas seguintes, aplicado como modelo para dezenas, centenas de álbuns sombrios.

Closer, o disco posterior do Joy Division, me parece ainda mais tenebroso. Quase insuportável de tão ocre. Ele poderia estar nesta lista. Mas Unknown pleasures me atingiu como uma tentativa de sufocamento. Quando ouvi pela primeira vez, a minha vontade era de não ouvi-lo nunca mais. “É o suficiente”, pensei. Me parecia uma viagem sem volta – a um lugar muito, muito escuro.

Na época (18 anos de idade) eu era fã de fitas de horror, e ficava todo prosa quando desenterrava um italiano mais medonho, obscuro. Mas o terror de Unknown pleasures me assombrou de uma forma mais incômoda que qualquer longa-metragem. Era uma história terrível, mas com que eu me identificava. Não era um tempo feliz.

Há quem trate Closer como uma carta de suicídio ou um bilhete de despedida. Ian Curtis morreu dois meses antes do lançamento do disco, aos 23 anos — o que só fez engrossar um halo macabro que nunca o abandonaria. Unknown pleasures, em comparação, é um álbum até vibrante: o som de uma nova banda inglesa ansiosa para registrar canções de punk rock (mas sem saber exatamente como).

Após o lançamento, a própria banda estranhou o disco. Ele soava ruidoso, abrasivo e abafado demais, como se gravado dentro de uma quitinete apertada, e sem janelas. Quando ouvi pela primeira vez, pensei em pedir outro CD para testar a qualidade do som – talvez o meu estivesse com defeito. Mas não. Em 1979, uma banda de rock tinha o direito de lançar um long-play com aquela sonoridade “errada” e, ainda assim, ser admirada em semanários. Obviamente, no entanto, o álbum foi um fracasso de vendas.

O que não reduz em nada (talvez só aumente) o desconforto que ele provoca. Se produzidas com polidez esmerada, canções como Isolation e She’s lost control estariam entre os hits da época. Existe algo corajoso, contudo, na forma como elas são esmagadas pela mixagem, afogadas num lodo instrumental de teclados, baixo e bateria eletrônica que, apesar de arrancar o couro das melodias, compõem um ambiente único, original, que distancia o Joy Division de todas as grandes bandas daquele período.

E talvez nem seria correto incluí-los entre os grandes, porque o Joy Division ainda soa como uma experiência. Que serviria de rascunho para uma ótima banda pop (o New Order) e de referência para grupos extraordinários, mas que não ousaram desafiar o público tão frontalmente (o Radiohead, por exemplo, não gravou um disco tão sujo, e taí uma adjetivo-clichê que também renova o sentido quando associado a um álbum do Joy Division).

Não bastasse isso, Unknown pleasures (tal como Closer) está entre os discos mais desencantados que ouvi. Não existe disfarces para a sofreguidão de Ian Curtis: ele materializa uma persona romântica, atropelada e arrebentada, em canções que desabam abraçadas a ele. Não existe alívio, não há remédio: o disco vai quebrando aos poucos, se segurando para não cair.

A diferença é que, ao contrário de Closer, este álbum ainda tenta se inscrever no salão da música pop. Tente tocar as canções no violão: elas têm início, meio e fim. As danadas, apesar de arredias, convidam os fãs a criar versões que as banalizem (Moby e The Killers, por exemplo, tentaram simplificar o jogo e se deram mal). Mas não, não há sensações iguais às que encontramos num disco do Joy Division. Eles nos machucam, é verdade. Mas álbuns sombrios não deveriam, pelo menos de vez em quando, nos ferir de verdade? Top 3: She’s lost control, New dawn fades, Disorder.

Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

Leia o resto deste post »

Superoito express (32)

Postado em

The age of adz | Sufjan Stevens | 8.5

Quem ouve apressadamente este The age of adz pode ficar com a impressão de que Sufjan Stevens escolheu um itinerário semelhante àquele que M.I.A. e MGMT tomaram recentemente: a aventura da autosabotagem. Afinal de contas, esta zoeira de ruídos eletrônicos, orquestrações pomposas e arranjos sinuosos é o sucessor de  Illinois (2005), o disco que fez de Stevens uma espécie de Colombo indie. Uma parte numerosa do público, que não acompanha os “projetos paralelos” do músico, possivelmente ainda espera dele uma nova fornada de crônicas americanas narradas com uma caligrafia delicada e pessoal. Esses continuarão esperando, já que The age of adz é um desvio de rota.

Se Illinois era uma viagem de dentro para fora (o homem investiga o país e se enxerga nele), The age of adz se volta a um território sentimental, íntimo. Viagem ao redor do próprio quarto. Mas, ao contrário do EP All delighted people (que apontava para a sutileza folky de Illinois e especialmente de Seven swans), The age of adz envolve essas confissões de Stevens numa colcha de excessos – com barulhinhos, coros angelicais e furacões de sintetizadores -, numa explosão cósmica que nos atira diretamente ao buraco negro do prog rock dos anos 70. 

Quanto mais ouvimos o disco, mais fica claro que a provocação não é gratuita – ele não foi planejado como um suicídio comercial, mas como afirmação de princípios. É como se as faixas, quase sempre incontroláveis, refletissem um compositor de pulsos abertos, afetado por decepções amorosas (e I walked é uma canção de despedida muito direta e tocante), desejo de espiritualidade (Get real, get right), medo da passagem do tempo (Now that I’m older) e outras crises que se enfrenta aos 35 anos. A reação de Stevens a esse cataclisma informa a música que ele produz, mais tensa e caótica do que de costume: The age of adz vai desagradar a quem o conhece como o bom-moço capaz de escrever melodias agradáveis que inspiram publicitários e fãs de Belle and Sebastian; e vai confirmar a fé dos que procuram em Stevens um artista.     

Pop negro | El Guincho | 7

Pop negro soa como o “lado A” de Alegranza! (2008), um disco mais labiríntico (e que me parece mais denso e interessante) do que este aqui. O espanhol Pablo Diaz-Reixa continua combinando loops siderados como um legítimo herdeiro do Animal Collective, mas desta vez ele usa esse método a serviço da sensação de conforto e euforia que se espera de um disco pop. É um álbum que, por isso, deve até incomodar os fãs do anterior – muitas das canções soam como remixes nada radicais para o repertório do Mutantes ou de bandas como Café Tacuba e Aterciopelados. Dito isso (e quebrada essa resistência em relação ao disco), o que fica é a ótima impressão de que Pablo sabe como extrair o sumo de boas canções comerciais e contaminá-lo com psicodelia. É uma festa boa, quente, e que não nos aborrece em momento algum. E ela termina tão rapidamente que dá vontade de ficar ouvindo o disco sem parar.    

Maximum Balloon | Maximum Balloon | 6

Um disco criado para nos provar que Dave Sitek (o “cientista louco” do TV on the Radio) também curte a vida adoidado. Não que ele consiga nos convencer totalmente disso (o pop “desencanado” do sujeito se revela tão engenhoso, tão excessivamente maquinado quanto qualquer outra coisa que ele produziu), mas consegue algo raro em discos superpovoados por participações especiais: ele dá ao som do Maximum Balloon uma unidade forte, como se adaptasse as referências do TV on the Radio (Bowie, Byrne, pós-punk) ao clima febril de uma pista de dança. Agora é esperar que, nos próximos discos do projeto, ele consiga usar essa sonoridade para criar canções tão boas quanto Young love, das poucas que me interessam aqui.

Postcards from a young man | Manic Street Preachers | 6

Depois de reencontrar a fúria (e a ansiedade adolescente) no ótimo Journal for plague lovers (2009), o Manic Street Preachers retorna ao ponto em que haviam parado em Send away the tigers (2007). Isto é: de volta às tentativas de fabricar rock de arena, comercial até a costela, com alguma dignidade. Sabemos que, nesse aspecto, eles não têm noção de limites: daí momentos constrangedores como Hazelton Avenue, que rouba o riff the It ain’t over til it’s over, de Lenny Kravitz. Mas o disco anterior parece ter energizado a banda, que parece mais confiante do que nunca na luta para voltar ao trono do britrock. Quantos euros o Bon Jovi pagaria para escrever uma canção como (It’s not war) Just the end of love? De volta à realidade, pois.

Measure | Field Music

Postado em Atualizado em

Entre os meus 15 e 17 anos de idade, escrevi cerca de 200 músicas. Curtas e longas, alegres e tristes, algumas verdadeiramente radicais (lembro que, entusiasmado com um novo software, tentei cruzar grunge com trance), outras confessionais, singelas. Todas sofríveis. Muitas das canções foram gravadas em fitas-cassete. Volta e meia, ouço tudo novamente, meio constrangido com o meu passado. Mas fico aliviado. Esses registros lo-fi são a prova concretíssima de que não cometi um erro que poderia ter me transformado num sujeito miserável: não superestimei meu dom para a composição.

É que, para quem começa a arranhar o violão, criar canções parece algo até simples. Sei de pessoas que se orgulham de repertórios mais vastos que o meu. 500, 600 músicas. Todas inéditas, à espera de algum afago, de reconhecimento tardio, de um tapinha nas costas. Eu não tenho ilusões. Aposto que, aos 15 anos, Kurt Cobain já conseguia converter desespero em diamante. O petiz Elliott Smith, não duvido, fazia os primos chorar com interpretações agoniadas para Happy birthday. Eu, no máximo, usei acordes primários como escape para tristeza (quase sempre despropositada) e tédio. Tudo o que fiz foi um longo diário sonoro (e eu cantava terrivelmente mal).

Conheço bandas iniciantes que cabem nesse relato sobre a minha modesta aventura no universo do bedroom rock. É a mesma história. São esforçadas, prolíficas e (infelizmente!) desprezíveis. A elas recomendo Measure, o terceiro disco do Field Music. Um álbum que esfrega na nossa cara a tal verdade inconveniente. Existe sim uma matemática da música pop (que soma carisma, conceitos espertos, timing, malabarismos estilísticos, “atitude”), mas, quase sempre, ela nos leva a um denominador muito simples e muito abstrato: alguns têm talento para a coisa, outros não.

E alguns têm talento extraordinário para o que há de básico na arte da canção. É o caso dos irmãos David e Peter Brewis, o “núcleo duro” do Field Music. Eles praticam um estilo que parece destoar de tudo o que está na moda, tanto no nicho indie como nas rádios: discos como Tones of town, de 2007, e Measure poderiam ter sido lançados em 1979, em 1989 ou em 1999. São álbuns que permitem fácil classificação (pós-punk, indie rock, garage britânico) e que não pedem para ser valorizados pela ousadia do conceito, pelas experimentações formais. Soam até conservadores, talvez um tanto nostálgicos, mas, acima de tudo, desprendidos do tempo em que foram produzidos.

Nada retrô nisso — eles soam simplesmente despreocupados com o mundo ao redor. Uma questão de temperamento. O ouvinte é que deve se adaptar à discrição da banda, que se especializou em criar arranjos sinuosos (às vezes complicadíssimos) para canções que parecem mais simples do que são. Numa das faixas deste novo disco, Something familiar, eles até brincam com essa aparência ordinária: “Sempre encontro uma forma de complicar as coisas. Não é nada difícil ser complicado.” Eles fazem isto: descomplicam.

Essa obsessão por estruturas familiares de canção pode provocar alguns mal-entendidos. Para os iniciantes, Measure periga parecer fácil demais. Sei que isto é um blog e leitores de blog curtem amores à primeira audição, paixões explosivas, mas sei também que os leitores deste blog são inteligentes e curiosos o suficiente para, neste caso, dar pelo menos cinco chances ao disco, pacientemente, antes de tirar conclusões. Ele tem 20 canções que, na melhor tradição de um Guided By Voices e de um Sea and Cake, se instalam na nossa vida quando estamos prestes a descartá-las para sempre.

Até para quem acompanhava o Field Music com interesse, Measure soará um tanto surpreendente. Nem parece o retrato de uma banda que, há poucos anos, parecia prestes a desmontar (David e Peter pareciam mais entusiasmados, respectivamente, com os projetos School of Language e The Week That Was). Sem tapa-buracos, este álbum duplo tem o tamanho exato para fazer justiça a uma fase de alta produtividade. São poucas as bandas que conseguem justificar esse formato widescreen: mas, como o Frank Black de Teenager of the year, o Field Music nos convence com uma justificativa simplezinha — as canções eram boas demais.

Claro que não é só isso: conhecedores que são da história do rock, David e Peter fazem um inventário sutil de todos os gêneros que os influenciaram, do soft rock ao pós-punk, do folk à música abstrata, de Pixies a The Who. Nas primeiras 10 músicas, o disco se desenrola como uma continuação direta de Tones of town: com polidez e ironia tipicamente britânicos, um artesanato impecável (a irresistível In the mirror, com guitarras que choram e versos existencialistas, é uma aula para qualquer novato em rock), vocação literária (uma das canções se chama Let’s write a book) e sem o menor esforço (a faixa-emblema se chama Effortlessly). Finíssimo — e seu pai, que tem muito bom gosto, ouviria numa boa.

Na segunda metade, a banda aproveita as liberdades típicas de um álbum duplo, perde a medida e supera tudo o que já gravou — quase como numa mini ópera do The Who, as canções parecem narrar uma trama com leve tom de rock progressivo, à Pink Floyd (You and I é belíssima), e de psicodelia sessentista à Love (First comes the wish, The wheels are in place). Influências que aparecem mais na estrutura das canções e menos na atmosfera do disco, que passa longe da grandiloquência ou da psicodelia cool que está em voga.

Veja: Measure é um disco que pode ser defendido assim, com argumentos organizadinhos num texto de blog. E que provavelmente será desprezado por parte da crítica, tratado como um álbum ultrapassado e corretinho demais. Ok. Entendo. Mas nada explica de onde vem a força elementar dessas canções: algo que David e Peter têm e nós, meros compositores dedicados e quase eficientes, nunca teremos.

Terceiro disco do Field Music. 20 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Memphis Industries/Revolver. 8.5/10