Pop global

/\/\ /\ Y /\ | M.I.A.

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O que você procura na música pop?

Você quer conforto, identificação, sentimentos calorosos, um refrão bem escrito, uma melodia que se assemelha a outra melodia que se assemelha a outra melodia que, por sua vez, é a melodia que tocava no momento mais importante da sua vida?

Ou você busca o assombro estético, a provocação, o desafio, a ideia inusitada, a melodia dissonante e estranhamente sedutora que, como um bug inesperado, o convida a repensar a importância que você dá às melodias mais familiares?

Maya Arulpragasam, 34 anos, procura um pouco das duas coisas. O afago e o choque. Mas, decididamente, anda cansada de conforto.

Na capa do terceiro disco de M.I.A., nos deparamos com a imagem de uma tela de computador infestada de cursores do YouTube. A cingalesa se esconde atrás de blocos cor de rosa que poderiam ter saído de um game retrô. É uma colagem que lembra aqueles instantes horríveis em que aplicativos se multiplicam desordenadamente, poluem nossos monitores sem que possamos controlá-los. Um tufão de bits. Por alguns minutos, é como se a máquina – o lado misterioso da força – tivesse finalmente vencido.

O criptografado /\/\ /\ Y /\ (que, se você preferir, aceita ser chamado simplesmente de Maya) é um álbum pop que simula esses minutos de caos e pavor. Pânico de tecnologia.

Que, obviamente, não é provocado tão somente por defeitos momentâneos do Internet Explorer. Logo na primeira faixa, A message, M.I.A. aponta a escopeta para outros inimigos. “Fones de ouvido se conectam com iPhones, iPhones se conectam com a internet, que se conecta com o Google, que se conecta com o governo”, alerta. A introdução dura menos de um minuto de duração, mas resume o sentimento de paranoia, revolta (mas contra quem?) e tensão que contamina o disco inteiro.

Numa época em as redes sociais metralham os “toques” de modelos, boleiros, atores pornôs e ex-integrantes de reality show, pode parecer impressionante que a música pop não tenha adquirido o hábito de comentar a web – e especular sobre os efeitos sociais de todo esse ruído on-line. M.I.A. observa naturalmente essa dimensão tecnológica do tempo em que vive: é possível fazer pop de guerrilha, pop contemporâneo, sem levar em conta o YouTube, o Twitter, o MySpace, a Wikipedia? Para M.I.A., não é.

E talvez não seja mesmo possível. Talvez nós é que estejamos acostumados a encastelar o pop e a protegê-lo de uma realidade que ainda soa confusa, complicada demais. Perto da ambição de M.I.A., o pop-2010 soa como um filme desbotado.

O tema já estava presente, ainda que indiretamente, em Arular (2005) e em Kala (2007). Os discos foram elogiados por renovar a world music, mas M.I.A. sempre pareceu mais interessada em nos mostrar que, com a internet, a música dos ‘outsiders’, dos estrangeiros (antes, tida como exótica e obscura), passou a ser mais um elemento sonoro entre tantos, mais um arquivo em mp3 à nossa disposição. Colar um arquivo no outro – e, com isso, produzir combinações muito pessoais – era a lição (até simplezinha, para quem se adaptou a um planeta pós-Napster, mas que soou como uma imensa novidade).

Maya é o álbum que radicaliza esse estilo global, fragmentado, sem muros, que observa naturalmente (e, no caso, com agonia) um mundo que não passa no noticiário da CNN.

Radical, aliás, em mão dupla: a sonoridade está mais arredia, irritadiça, “difícil” (de propósito). Já o discurso, menos polido, desinteressado em explicar didaticamente as próprias intenções. É o que é, como ela bem avisa no título de uma das faixas.

Lovalot, talvez a melhor do disco, sintetiza o conceito: sob um loop áspero (imagine o som de um chocalho grudado a um sampler mínimo de baile funk), M.I.A. narra o caso de amor entre um casal islâmico envolvido em casos de terrorismo. “I really love a lot”, diz o refrão, que pode ser interpretado como “I really love Alah”. Mas é outro verso, insistente, que ecoa quando a música termina: “Eu luto contra os que lutam contra mim.” Eis que, sem condenar ninguém, M.I.A. dança no campo minado.

Na face menos incendiária do disco, a web serve de plataforma para casos de amor e crises de identidade. “Você quer que eu seja alguém que não sou realmente”, reclama a apaixonada narradora de XXXO. “Por que as coisas mudam e permanecem as mesmas? Por que as pessoas gostam das mesmas coisas?”, ela questiona, em Tell me why, talvez chocada com as semelhanças entre posts do Twitter. E duas das faixas-bônus atendem por Internet connection e Caps locks.

Antes do lançamento do disco, M.I.A. explicou que: 1. As canções foram escritas num momento de crise, quando ela, isolada em Los Angeles, se sentia desconectada do planeta; 2. Ao lado de produtores como Blaqstarr e Rusko, ela gravou uma jam demorada no estúdio caseiro, uma zoeira de ritmos e loops, de onde tirou as ideias para as músicas; 3. A intenção era criar um disco “tão estranho e desconfortável que as pessoas começariam a exercitar os músculos da crítica”, um projeto “esquizofrênico”.

O resultado soa menos desagradável do que M.I.A. esperava, mas chega perto dos atos de terrorismo musical praticados pelo Flaming Lips (Embryonic) e Radiohead (Kid A/Amnesiac). Chegaria ainda mais perto se o disco não se escorasse em três faixas que podem (e devem) rodar nas rádios sem provocar muita estranheza: o R’n’b fofíssimo de XXXO (uma das canções mais viciantes do ano, de longe), o remake dub de It takes a muscle (do grupo alemão Spectral Display) e Tell me why, uma faixa dançante e sutilmente multicultural que poderia ter entrado no repertório de Music, da Madonna.

À exceção desses três momentos (que aliviam e muito a vida do fã), Maya é cacofonia digital com inúmeros dejetos musicais que, numa primeira audição, soam irreconhecíveis. Nos álbuns anteriores, ainda dizíamos que M.I.A. mesclara hip-hop com funk carioca e bhangra. Agora, não dá mais: essas e outras influências são trituradas num caldo grosso, com tempero ardido de punk (em Born free, com sampler de Suicide) e de neo-industrial (Derek E. Miller, do Sleigh Bells, também colabora).

É um disco que permite (até alimenta) a divisão de opiniões: uma obra aberta, espinhosa, que será atacada por muita gente e tratada como uma revolução por outros tantos. Até aqui, goste ou não, é o álbum pop mais urgente do ano.

Em momentos como Teqkilla e Meds and feds, o disco se desprende de qualquer padrão melódico e vai criando camadas de ruídos sobre ruídos. São arquivos que soam como arquivos corrompidos (no segundo caso, M.I.A. consegue sujar a já sujíssima Treats, do Sleigh Bells). É o choque, o vírus que corrói a rede.

Mas, ao fim deste ‘post’ de 42 minutos, M.I.A. volta ao pop (e ao mundo real) com um canção que atualiza o desencanto de No surprises, do Radiohead, e a fase Zooropa do U2, quando um Bono Vox desplugado comentava sobre um mundo com centenas de canais de tevê, mas nada de interessante na programação. “Minhas linhas caíram, você não pode me encontrar. Preciso passar um tempo com você. Não há nada de novo no noticiário da tevê”, canta M.I.A., depois do fim do mundo.

E assim termina o apocalipse digital: numa tentativa de contato. Humano e (parem as máquinas!) real.

Terceiro disco de M.I.A. 12 faixas, com produção de Blaqstarr, Diplo, Switch, Rusko e M.I.A. Lançamento NEET, XL Recordings, Interscope. 8.5/10

Superoito express (21)

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Subiza | Delorean | 7

O Delorean é um quarteto espanhol que soa como uma banda sueca de electropop. Eles saíram em turnê com o jj e o Miike Snow (que são suecos), foram remixados The XX e Franz Ferdinand (que são britânicos) e criam trilhas sonoras para fins de tarde em Ibiza (uma ilhota espanhola que os turistas europeus a-do-ram). Sabe aquilo que chamam de pop global? Pois bem. Se você ouvir este disco numa tarde chuvosa, ele vai te transportar para uma praia exótica, com areia branquinha e macia. E, claro, frequentada por gringos pegajosos que curtem house e farofada.

Resumindo: Subiza não é exatamente o paraíso. Se você encana com a superficialidade escancarada (e meio cínica) do indie-dance sueco, não recomendo esta pílula doce. Mas admita: não são muitos os que conseguem criar esse tipo de atmosfera delicada/arejada/ensolarada sem descambar para a lounge music de desfile de moda que encontramos naquelas coletâneas da boate Café del Mar (que fica em Ibiza, veja lá). E há lindos cartões-postais, como Real love e It’s all ours, que soa como as férias secretas do Animal Collective. Eis o paradoxo deste disquinho de vento: quanto mais você ouve, menos rasteiro parece.

jj nº 3 | jj | 7

O segundo LP do jj começa tão bem que deixa qualquer um com vontade de sugerir que a dupla regrave todas as outras oito faixas. E My life, o grande início, não deveria ser mais do que uma introdução. Mas, para roubar a cena logo nos créditos de abertura, a continuação de Ecstasy soa como uma homenagem ainda mais estranha à marra do hip-hop americano (eles se apropriam de versos do Lil Wayne gravados pelo rapper em uma música do The Game) e o mais próximo que a banda chegou do espírito noir típico do trip hop. A letra, sobre prisões e crimes, é veneno azedo no refrigerante do duo, que vai se aproximando aos poucos da soul music. Uma delícia. O restante do álbum é quase tão irresistível quanto, ainda que pareça um esboço para o próximo disco (And now e Let go são flechadas no peito). De qualquer forma, é muito bom conhecer uma banda que só precisa de 27 minutos para nos conquistar.

The wonder show of the world | Bonnie “Prince” Billy & The Cairo Gang | 6

Apesar de acompanhar com muito interesse o rastro de Bonnie ‘Prince’ Billy, reconheço que os melhores momentos do caubói são os solitários. O estilo dele, creio eu, até se beneficia dessa imagem de isolamento: o que ouço em discos como The letting go e Ease down the road é um homem (no máximo, ao lado de uma mulher misteriosa) numa pequena sala. A exceção é o ótimo Superwolf, com Matt Sweeney. No projeto com o Cairo Gang (do guitarrista Emmett Kelly), Billy volta a cantar o tema preferido (a vida em família, com tudo o que há de sublime e assustador) sem a força de um disco muito parecido com este: Lie down in the light, de 2008. A guitarra jazzística de Kelly deve ter atraído o compositor a experimentar uma sonoridade um pouco diferente e espairecer um pouco. Mas, à exceção da primeira música (Troublesome houses), o álbum dá giros lentíssimos em torno de uma ideia já desgastada.

Head first | Goldfrapp | 5.5

Fico com a impressão de que, desde o momento em que se assumiu como uma banda pop (Black cherry, de 2003), o Goldfrapp passou a se preocupar demais com a necessidade de acompanhar “tendências” de pistas de dança e de surpreender o público com mudanças abruptas de figurino. Depois de Seventh tree, o “álbum folk” (no auge do neo-folk americano), este Head first pega a onda do electropop oitentista que voltou às rádios inglesas como o La Roux e o Little Boots. Novamente, me parece apenas uma tentativa desesperada de não perder o bonde. Rocket é um single divertido, mas o disco soa apenas como o lado B de um greatest hits da Kylie Minogue. Rasteiro. E agora, com o retorno do Portishead e do Massive Attack, quem sabe Alison não resolve retornar ao ponto onde o disco de estreia parou?

Contra | Vampire Weekend

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10 ideias prematuras sobre Contra, o ótimo disco do Vampire Weekend.

1. A tal da “síndrome do segundo disco” existe sim, e aflige principalmente as bandas que estreiam com álbuns que soam como colagem de singles (Strokes, Arctic Monkeys, Talking Heads, The Clash e tantas outras). Contra é exemplo de como lidar elegantemente com esse rito de passagem: expandir o alcance sem alterar o código genético (e a XL Recordings deve ter adorado o resultado: os fãs não estranham e saem correndo – mas não morrem de tédio).

2. É, por isso, um primo globetrotter de Room on fire, do Strokes: o momento em que o VW tateia novos brinquedinhos sonoros e, ao mesmo tempo, reforça os códigos do mundo que criou lá no primeiro disco. Os elementos de eletrônica lo-fi (trazidos possivelmente pelo tecladista Rostam Batmanglij, que tentou tudo isso e muito mais no projeto Discovery) são o sabor da estação.

3. E, por falar em “reforçar códigos”, que mundo particular o deles! Como acontece com os discos da M.I.A. (que é citada num sampler de Diplomat’s son), não há como falarmos simplesmente em world music. O que eles fazem é incorporar sons estrangeiros (pop africano, folk britânico, reggae e, em Cousins, uma guitarra que só pode ser de Pepeu Gomes) com a naturalidade de quem faz pesquisas rápidas no Google, passa férias em resorts na América Central e opera transações comerciais via laptop com empresários europeus. Um disco que o Paul Simon adoraria ter escrito; um roteiro que o Olivier Assayas adoraria ter dirigido.

4. Antes que acusem os rapazes de explorar superficialmente a onda do “pop global”, é fundamental entender que a banda não é nada ingênua. Ela cria personagens, engendra relações entre esses personagens e compõe um ambiente onde essa gente se movimenta. Uma paisagem, diga-se, de bem-nascidos. Filhos esclarecidos e privilegiados (também intelectualmente) da América. A banda não se exclui em nenhum momento desse círculo, daí a generosidade (com uma ponta de ironia, já que, na terra do pós-pós-rock, David Byrne ainda é rei) como trata os tipos que inventa. Ninguém está fingindo ser o andarilho miserável do meio-oeste – um pouco de franqueza, às vezes, cai bem.

5. O agradável é como eles nunca confundem esperteza com pedantismo. Criam canções de que gostamos imediatamente, instintivamente. Quando voltamos a elas com mais calma, aí sim descobrimos do que tratam.

6. Mais do que isso, é um disco que – ainda que irrequieto (cada faixa abre um folder sensivelmente diferente na playlist do grupo, ainda que duas delas tentem repetir a taquicardia de A-punk) – soa fluente. Deve ser “culpa” da interpretação afável de Ezra Koenig, um sujeito capaz de narrar uma profunda desilusão amorosa (em I think UR a contra) sem perder um tom absolutamente gentil. Não dá mesmo para não querer jogar uma partida de xadrez com o moço.

7. Como se não bastasse, Koenig dá um salto como letrista: em Horchata, narra toda a trajetória de uma história de amor (do espanto caloroso com “sentimentos que você pensava ter esquecido” à decepção mais gélida); em White sky, acompanha o entusiasmo do homem que espera a hora do almoço para visitar o Museu de Arte Moderna; em Taxi cab (que parece até homenagem ao Magnetic Fields), vê a desintegração de um romance do banco de um táxi; em Run, sonha com a fuga do trabalho (adolescência tardia é pouco). São personagens que vivem o início do século sem perplexidade. Cultos e carentes, espertos e frágeis. Podemos e devemos nos identificar com tudo isso.

8. O mais impressionante é como, com apenas 36 minutos de duração, o disco empurra ao limite o principal dogma do VW: o desejo por precisão e economia. Começa minimalista, quase discreto, e vai dilatando até abrir-se em duas canções longas e abertamente sentimentais que poderiam ser confundidas com alguma belezura do Postal Service: a tocante Giving up the gun e o reggaeton Diplomat’s son.

9. (Daí minha única ressalva, por enquanto: esses “novos caminhos” nem sempre são explorados plenamente. O grupo passa de raspão por muitos deles e, quando tenta preencher com teclados, cordas e barulhinhos fofos as lacunas de uma sonoridade minimalista, acaba se assemelhando a uma série de outras bandas de indie rock que circulam por aí. Não queremos que eles acabem se transformando num Death Cab for Cutie ou num Ra Ra Riot, certo?)

10. O alívio é que, mesmo sem saber o que fazer com o próprio som, nos próximos discos teremos uma banda capaz de ver o mundo (e o pop) como quem sai para um passeio no parque. A ambição é parecer simples. Os primeiros dois do Shins soavam assim, não?

Mas sabemos que não é simples. Se escrevesse este post, o Vampire Weekend gastaria três parágrafos, cinco linhas e poucos adjetivos. Diria, ainda assim, muito mais do que eu disse. Eis o passe de mágica.

Segundo disco do Vampire Weekend. 10 faixas, com produção de Rostam Batmanglij. Lançamento XL Recordings. 8/10