Poder sem limites

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Numa boa entrevista ao The A.V. Club, Nicolas Winding Refn contou que gosta de filmar a partir de premissas muito acessíveis e simples – exemplo: um personagem correndo contra o relógio, fora da zona de conforto, metido numa situação em que nada funciona conforme o esperado. Quando se define uma estrutura dramática porosa (e genérica) o suficiente, ele explica, o importante passa a ser a forma como o cineasta a preenche. Talvez por isso a trama de Drive – sobre um motorista sem nome, misterioso durante e após a projeção – pareça um tanto oca quando tentamos contá-la a alguém.

Ainda mais tolo é o enredo de Poder sem Limites, um filme que deixa a suspeita de ter sido concebido com método semelhante ao de Refn. Na sinospe, o que encontramos é uma daquelas fitas de fantasia sazonais sobre os wonder years de super-heróis, com os conflitos que a linha de produção da Marvel leva de 15 a 20 minutos para compor. É um ponto de partida absolutamente comum – mas que, por ser trivial, libera o diretor estreante Josh Trank para fazer um filme de heróis que, descontada a trama, tenta ser diferente de todos os outros.

Como acontece em Drive, Trank usa a singeleza do argumento para criar um pacto ultraveloz com uma parcela do público, acostumada às artimanhas do gênero. Esses espectadores talvez aceitem rapidamente jogar o filme, apesar de tudo o que ele tem de anormal (e não é pouca coisa). Porque, ainda que seja mais um filme de super-herói, ele parece ter sido criado após o apocalipse do subgênero, no day after de uma overdose cansativa de blockbusters supercustosos e repetitivos. É como se Trank se empenhasse, a cada cena, para encontrar soluções audiovisuais capazes de reanimar os truques que o público dos multiplexes conhece intimamente.

O efeito de desconstrução/reconstrução mais interessante, aí, se dá com a manipulação das câmeras, que “narram” o filme – sempre de acordo com as convenções de outro subgênero manjado, as fitas de “found footage” (à la A Bruxa de Blair). Trank parece partir do ponto em que Cloverfield e [REC] pararam, contaminando imagens de “reality TV” com temas e efeitos surreais. A diferença (que muito me anima) é que, ao usar o CGI como se não houvesse amanhã, este filme vai muito mais longe, tratando o cinema como um brinquedo nas mãos de uma criança agitada. As cenas aéreas, delirantes, nos mostram como, na média, as fitas de fantasia são medrosas.

Algumas soluções visuais podem emocionar quem tem fé no sci-fi, acima de tudo quando os personagens usam superpoderes para fazer as câmeras flutuarem: é como se o próprio filme levitasse graciosamente, em planos fantasmagóricos, sem limites (eis um belo acerto, aliás, do título em português).

Todo o trecho mais, digamos, lúdico da trama, em que os amigos experimentam os poderes, me interessa mais que os setores inicial e final do filme: aos poucos, o longa se desloca de Cloverfield e X-Men ao território camp de um Carrie, A Estranha, com resultados também curiosos (as cenas da relação entre pai bronco e filho nerd e solitário são de uma crueza que não se vê nem em adaptações de Chris Nolan), mas que parecem-me empurrar o filme aos solavancos a um desfecho trágico.

Por mim, tudo bem. É assim que terminam as fitas de super-heróis. E Poder sem Limites pertence a essa casta, ainda que pouco se identifique verdadeiramente com ela. O que temos é um filmezinho cheio de ansiedade e fúria (bem adolescente, portanto), à imagem do anti-herói autodestrutivo que Trank cria para si. Parecido com muitos outros, mas singular.

(Chronicle, Inglaterra/EUA, 2012) De Josh Trank. Com Dane DeHaan, Alex Russell e Michael B. Jordan. 84min. B+