PJ Harvey
Mixtape! | Fevereiro, lost in space
A mixtape de fevereiro é o evil twin da coletânea de janeiro. Aquela era quentinha e reluzente, verão sem fim. Esta aqui é sombra e neblina, temporada de chuvas.
A mixtape de janeiro era a adaptação de uma história real – a minha. A nova é, digamos, uma obra de ficção.
Explico: eu gosto muito, de verdade, da mixtape de janeiro. É uma das minhas favoritas. Mas, depois da centésima audição, comecei a imaginar que, para as pessoas que não estão na vibe do Tiagão in love, ela pode soar tão enjoativa quanto geleia de amendoim (quando a gente passa a tarde inteira comendo) e tão pueril quanto aquele filmezinho ordinário que ganhou o Oscar.
Então resolvi gravar uma espécie de antídoto, de “lado B”, de complemento/contraponto àquele CD.
O problema é que, como sempre acontece, os planos não deram muito certo.
Já ouvi esta nova coletânea algumas vezes e comecei a perceber que não é exatamente antídoto nem contraponto à anterior. Existe alguma coisa diferente nela. Não sei ainda o que é e talvez vocês me ajudem a decifrá-la (olha aí, Daniel, atenção).
Percebi, de início, que ela narra uma trama sobre um sujeito aflito, tenso, que vai aos poucos abandonando essa carga de neuroses e termina o “filme” entorpecido, flutuando no espaço, numa espécie de transe. Talvez tenha morrido e esteja no paraíso. Talvez tenha dormido e sonhado, não sei.
Depois descobri que esse personagem pode ser um adolescente. Há três ou quatro músicas sobre sentimentos muito juvenis.
Mas, já nos livrando dese plot estabanado, uma intenção muito real era evitar um CD arredondado (minhas mixtapes geralmente começam a terminam num mesmo tom) e gravar uma coletânea que começasse num determinado ponto e terminasse em outro. Entendam assim: é uma decolagem; da terra ao espaço.
Duas outras características: um disco de homens à beira de um ataque de nervos (repare as vozes dos sujeitos); um disco folk, até certo ponto.
Em termos práticos: trata-se de uma coleção siderada com faixas de Danielson, Telekinesis, PJ Harvey, The Low Anthem, Jason Isbell, Toro Y Moi, Jamie xx com Gil Scott-Heron (We’re new here é meu CD favorito do mês, daí a foto do Jamie lá em cima), Radiohead, Nicolas Jaar. Também tem um bootleg de Bob Dylan. A lista de canções está na caixa de comentários.
Não sei se vocês vão gostar. Talvez aqueles que curtiram a mixtape de janeiro não se entusiasmem tanto. Talvez não. Vá saber. Vocês são uma caixinha de surpresas. Explico de um jeito muito simples: é um CDzinho curto e agradável, mas que mora num planeta onde o sol não brilha com tanta força.
Ok? Então faça o download da mixtape de fevereiro. Boa viagem.
(e, se possível, avalie nossos serviços aqui na caixa de comentários. Que somos humanos, no fim das contas).
Superoito express (36)
Let England shake | PJ Harvey | 7.5
Quando o contista que sempre escreve livros em primeira pessoa, íntimos, resolve lançar um romance histórico em terceira pessoa, o leitor fiel primeiro estranha e depois entende que, no desvio inesperado, o ídolo se põe nu. Soa como uma especie de recomeço. Na saga de PJ Harvey, Let England shake é essa obra que desorienta: musicalmente, a cantora permanece numa zona de conforto (cercada por uma “guarda real” que inclui o parceiro John Parish e o produtor Flood), mas o tema e o contexto das canções — que poderia render um roteiro de filme de guerra pra inglês filmar — obriga a cantora a romper o próprio estilo num ponto fundamental (e vou explicar de um jeito singelo, mas lá vai): em vez de olhar para dentro, ela agora olha para fora.
Daí que, se o disco não chega a parecer um objeto totalmente estranho dentro do repertório de Harvey (a sonoridade, uma espécie de folk rock despedaçado, lembra um pouco A man a woman walked by, que ela gravou com Parish em 2009), me parece o mais arriscado de uma carreira com muitos riscos. É que, no momento em que ela se obriga a seguir um “script” e ir descendo ao passado sangrento da Inglaterra (e com toda uma pesquisa musical que é aparece de modo sutil, um pouco como uma atualização das war songs de Dylan), ela deixa de depender do tal “ponto de vista feminino” que conduziu discos inteiros, como Uh huh her (2004) e Is this desire? (1998). Não serei eu a desconsiderar um esforço desses.
Mas acredito que essa transformação — que tanto entusiasma os fãs do disco — acaba escondendo ou até compensando as fragilidades do álbum, como se fosse o suficiente para provar que Harvey é uma grande artista. Quanto mais ouço, menos forte, menos “importante” ele parece. Principalmente a segunda parte, quando as ideias de Harvey (tanto musicais quanto poéticas) vão se quebrando em pequenas narrativas que se dissolvem no ar. Já a primeira parte contém, de verdade, algumas canções valentes: The words that Maketh Murder levaria Nick Cave às lágrimas, e a balada England, que parece convidar o espírito de Joan Baez para bater um papinho com Joanna Newsom. Mudar de perspectiva é um desafio para Harvey, mas me pergunto se ideias monumentais não deveriam vir acompanhadas de canções um pouquinho mais corajosas. Admirável, mas não consigo cair de amores.
Here we rest | Jason Isbell and the 400 Unit | 7
É o disco em que entendemos, muito didaticamente, por que Jason Isbell saiu do Drive-by Truckers, para onde provavelmente nunca voltará. Enquanto a banda procura um country rock lascado, que combine com personagens degenerados, o som de Isbell se torna cada vez mais polido, como se o objetivo do compositor fosse as paradas de sucesso para o público “adulto contemporâneo”. Dito isso, lembro que Isbell é um compositor tão talentoso quanto a dupla principal dos Truckers e, se a produção do disco higieniza tudo o que encontra pela frente, as canções sobrevivem a esse perfume de “soft rock”. É um disco para os fãs de Sky blue sky, do Wilco, e de The king is dead, do Decemberists: melodias aparadas, sem fissuras, como pedaços de madeira talhados com esmero e amor pelo ofício — no mais, Alabama Pines, Codeine e Stopping by são canções que o Uncle Tupelo lançaria com muita alegria no início dos anos 90.
12 desperate straight lines | Telekinesis | 7
Aprendam aí, Jonas Brothers: Michael Lerner cumpre todos os mandamentos do power pop, mas nem por isso soa como se estivesse diluindo o repertório do Fountains of Wayne e do Wings. Os discos do Telekinesis são aparentemente muito simples, quase tolos (o riff estrondoso, os versos cheios de tristeza juvenil, o refrão que ilumina uma cidade inteira; tudo isso em menos de três minutos), mas também muito precisos nesse tentativa de explorar tudo os fundamentos do gênero: franqueza, doçura, alguma melancolia. Está tudo no título: 12 linhas retas e desesperadas. Em 50 ways, Lerner cita Paul Simon (mas soa como uma versão nervosa do The Shins). Em Car crash, fala sobre um caso de amor que começa bem até o momento em que você começa a se sentir tão sozinho. Em Dirty thing, narra o início o meio e o fim de um namoro de verão. Não tem muito happy end por aqui. E é tudo muito dolorido, ainda que pareça fácil.
Hotel Shampoo | Gruff Rhys | 6
Lembro que, quando ouvi Rings around the world (2001), imaginei o seguinte: quando o Super Furry Animals assumir de vez, sem culpas, o amor por Burt Bacharach, talvez grave o disco pop mais bonito do mundo. A banda sempre ficou em cima do muro em relação a isso, mas, 10 anos depois, Gruff Ryhs parece praticar essa ideia de “disco de easy listening” com este Hotel shampoo. A má notícia é que, além de não ser o disco pop mais bonito do mundo, o álbum joga água na feijoada de Rings around the world, amenizando quase tudo o que aquele disco dizia. Se aquele era um álbum que brilhava forte no escuro, Hotel shampoo é de pelúcia, uma tentativa meio estabanada de pescar e adoçar algumas referências do rock dos anos 60. Sem muita convicção. Como se Gruff avisasse: estou brincando de ser gentil, aguardem o meu próximo disco. E, apesar de faixas muito boas (como Candy all over), acaba soando, no máximo, engraçadinho.
Superoito express (5)
Antes de qualquer coisa (e, já que este é um blog e blogs fervem no calor do momento, aí vai a quentura de uma opinião): estou muito, muito, muito impressionado com o segundo álbum do Móveis Coloniais de Acaju, que ouvi pela primeira vez hoje. Muito. Não sei se ele será compreendido (é um disco de pop rock bastante direto e acessível, acima de tudo), mas por enquanto estou tentando lembrar qual foi o último álbum tão bacana e fluente que ouvi de uma banda brasiliense. A produção é do Carlos Eduardo Miranda, mestre na arte da concisão. Para o rock brasileiro, um sopro de vitalidade – para o de Brasília, uma pequena revolução. Escrevo mais sobre ele quando for lançado. Em formato de vídeos do YouTube, as faixas já estão no site da banda.
Agora vamos aos anos 90, vamos?
A woman a man walked by | PJ Harvey & John Parish | 7 | A segunda colaboração entre Harvey e Parish (depois de Dance Hall at Louse Point, de 1996) é o álbum mais arejado e sortido de Polly Jean desde Stories from the city, stories from the sea (2000). Só faltou um conjunto mais sangrento de canções. Com versos de PJ e melodias/climas de Parish, abre maravilhosamente bem com uma faixa ganchuda que parece homenagear simultaneamente Pavement e Sonic Youth (Black hearted love), segue dignamente com um folk de ponta-cabeça (Sixteen, fifteen, fourteen), continua com uma marcha fúnebre delicadíssima (California) e depois se acomoda num indie fragmentado e ocasionalmente furioso que Harvey interpreta com familiaridade – talvez excessiva.
Sometimes I wish we were an eagle | Bill Callahan | 7 | O rompimento do namoro com Joanna Newsom não deu no álbum profundamente, desesperadamente melancólico que talvez os fãs de Callahan aguardavam com sadismo. É um disco reflexivo, uma meditação até serena sobre temas que o compositor trata com frequência: morte, amizade, natureza e um tipo de amor quase inocente, puro. A novidade é que, a exemplo de Newsom, Callahan reveste a rusticidade das canções com arranjo de cordas quase floridos. Daí vêm os momentos mais supreendentes – como My friend, que soa mais drakiana que qualquer canção de Nick Drake, e a épica Faith/Void, lindíssima.
A new tide | Gomez | 5.5 | Não me pergunte como uma das bandas inclassificáveis do final dos anos 90 se transformou num ser esquizofrênico e, por fim, irrelevante. Difícil explicar. Mas fiquei curioso com a notícia de que eles tentariam um retorno à fase mais inventiva (se bem que, no caso do grupo, é isso ou o suicídio artístico). Realmente, este sexto álbum demonstra a tentativa de sair do lugar, mas algo se perdeu no caminho. Lembro que, nos anos 90, os tiques à Eddie Vedder do vocalista eram curiosos – hoje soam até datados, o que parece ainda mais estranho. Mas há momentos interessantes, como a abertura (Mix) e Win park slope. Nada que se aproxime do primeiro disco, Bring it on (1998).
Invaders must die | Prodigy | 5 | Fechando numa chave triste (taí mais um caco dos anos 90), este suposto “retorno à forma” do Prodigy é só uma nova vítima da implosão do big beat (os recentes do Chemical Brothers são outras). Não tão desnorteado quanto o álbum anterior, mas ainda perdidinho. Omen esquenta qualquer pista, mas o restante do álbum parece desesperado por restaurar o prestígio de uma banda que, do dia para a noite, parou de fazer sentido. A volta de Keith Flint (agora com a maquiagem toda borrada, um Coringa à Heath Ledger) e Maxim só deixa tudo mais bizarro. Sei que estou ficando velho quando lembro do impacto que foi ouvir Firestarter pela primeira vez… Bons tempos. Não voltam mais. Etc.