Pílulas
Superoito express (40)
4 | Beyoncé | 7
Faltou timing, é verdade. Mas, se existe um disco da Beyoncé que faria por merecer o nome Dangerously in love, é este aqui. E não muito por conta do clima de guerrinha dos sexos que embala o primeiro single, Run the world (Girls). Aliás, um hit tão colante, no esquema super-bonder (o chiclete mais gostoso que a M.I.A. não confeccionou em 2011), quanto enganoso. Não é, de forma alguma, um cartão de visitas confiável pro álbum. O perigo, nas canções, é de ordem sentimental: a protagonista deste drama não é a musa girl-power, mas um mulherão que peca por amar demais.
O gênero é melodrama. Melodrama pop. Melodrama sirkiano. Na faixa de abertura, Beyoncé geme de desejo, deitada nos lençóis cor-de-rosa do produtor The-Dream (e há um fortíssimo perfume kitsch em versos como “não entendo muito de álgebra, mas sei que um mais um é igual a dois”, da baladona 1+1). Logo depois vem a ressaca moral: em I care, lamenta não ser totalmente correspondida (“sei que você não se importa muito, mas eu ainda ligo”, avisa), enquanto o refrão vai desmoronando em guitarras pop-rock. A seguinte, I miss you (de Frank Ocean), tranca as portas do quarto: soa como um sussurro, uma declaração quase constrangedora de amor (e é uma pena que a faixa pareça incompleta, sem um terceiro ato).
Nas primeiras faixas, o disco vai se lambuzando nesse gel romântico com tanta convicção que soa coeso como nenhum outro que Beyoncé gravou. Depois, no entanto, chegam os argumentos para quem defende a ideia de que o álbum morreu. São tantas as expectativas comerciais em torno da cantora que ela não consegue manter o foco: recorre à inevitável cartilha brega de Babyface (Best thing I never had, broxante), vai ao songbook de Diane Warren (I was here, tão ruim que arrepia) e desce à pista de dança quando parece menos apropriado (ainda que Party, produzida por Kanye West, tenha algum músculo). O disco termina com dois bons singles: além de Run the world, tem Countdown. Que vão fazer sucesso, sim, como não? Mas que acabam denunciando o fracasso de Beyoncé: não foi desta vez que ela conseguiu gravar um ÁLBUM (e o triste é que, aqui, esse parece ter sido um objetivo levado a sério).
D | White Denim | 7
Deveria parecer uma progressão natural: uma banda de garage rock assmidamente saudosista – que concebeu um repertório inteiro replicando o som de ídolos bastardos do fim dos anos 1960 – resolve virar as páginas do calendário e gravar o que entende como o típico disco psicodélico setentista, com todas as dores, delícias e manias do período (espere, portanto, encontrar clichês de prog rock, jazz, blues, além de letras sobre drogas e fazendas). Em tese, é uma guinada até muito previsível. Mas ainda me parece surpreendente notar que aquele trio meio desleixado e galhofeiro (que já foi comparado a The Hives e White Stripes) se reinventou como um quarteto detalhista, até um pouquinho cerebral (o disco é praticamente uma homenagem completa, faixa a faixa, aos ídolos do grupo). Tudo o que eu não esperava deles era uma balada sóbria como Street joy. Que está aí prontinha para entorpecer o fã de Tame Impala, se é que eles ainda estão na sala (estão?).
Cults | Cults | 6.5
Não é uma história nova, sabe? Cults é a novidade nova-iorquina absolutamente adorável que amacia os nossos headphones neste outono gelado. Deveria, é claro, existir um prêmio para esse tipo de disco, que transforma a vida em algo muito mais simples e doce – numa canção açucarada de dois minutos. Mas, dissipado o encanto dos primeiros dates, este début fofo começa a soar um tantinho como aquela comédia romântica agradável-porém-ordinária. Entende o que quero dizer? Aquela que, apesar dos diálogos espertinhos e do turbilhão de afeto, perde um pouco da graça assim que notamos o quanto depende de um esquema narrativo que é mecânico, velho, e não tem alma. Go outside e You know what I mean estão à altura do primeiro disco do Pains of Being Pure at Heart, mas eu aposto que este duo boy-meets-girl vai dormir um soninho totoso no meu hard drive, de conchinha com as Pipettes e o I’m From Barcelona. Apenas mais um rostinho bonito?
Born this way | Lady Gaga | 6.5
Antes que me crucifiquem, preciso admitir que o novo da Lady Gaga é um avanço tremendo, quase inacreditável, em relação a seus discos anteriores. Porque antes, amigos, eu ficava com a impressão de existir duas Gagas: a popstar dos clipes e das revistas, que curtia uma avacalhação nonsense, e a cantora de hits tão convencionais (e medrosos, veja a contradição) quanto qualquer armação do Black Eyed Peas. Em Born this way, a imagem finalmente entra em sincronia com o som. O resultado dessa sobreposição, como não poderia deixar de ser, é um disquinho esquizofrênico, frenético, indeciso, tomado por falsas polêmicas e um desejo enorme de aparecer. Talvez nem tão pessoal quanto parece (na verdade, é apenas um álbum que combina com o visual mutante e os golpes de marketing de Gaga), mas um produto mais vívido que os anteriores. O que não justifica, porém, as crises histéricas mais irritantes: da faixa-título, que reprisa Express yourself sem piscar o olho para o público, a misturebas inaudíveis como Americano, o disco melhora muito na segunda metade, quando engole todos os excessos oitentistas que nem Brandon Flowers tem a pachorra de defender. Termina muito bem, com o saxofone viciante de Egde of glory. Mas é um caminho longo, cheio de lombadas e ranhuras, que pode nos levar a disquinhos um pouco menos tortuosos. Ainda assim, não há como negar: Born this way é o DNA de Gaga, a personagem.
Nostalgia, ultra | Frank Ocean | 6
Por falar em picaretagem pop, Frank Ocean leva o conceito de copy+paste a um outro patamar. Soulman da geração Soulseek, o rapaz sensível da gangue Odd Future lançou por conta própria este EP (de 14 faixas, vá entender) que tem a aparência de uma mixtape gravada às pressas para a namorada. Isso é o futuro? Pode ser que sim. Mas, se eu fosse a musa do sujeito, recomendaria urgentemente uns 20 discos interessantes para que ele não precisasse roubar as melodias de Strawberry swing, do Coldplay, e de Hotel California, do Eagles. Apelações à parte (e são muitas), fica difícil resistir aos amassos de Novacane, mais um indício de que o novo R&B vai seduzir o mundo com um charme marrento todo especial (Drake e The Weeknd estão na luta, mano). No fim do baile morno, entendi por que o homem preferiu rotular este disco com o formato EP: o melhor, o maior e o mais intenso, tenho certeza, está por vir (e vamos combinar de uma vez por todas, bróder: Coldplay não é um tipo muito saudável de nostalgia, ok?).
Superoito express (33)
Man on the moon II: The legend of Mr. Ranger | Kid Cudi | 7
Um álbum de hip-hop dividido em cinco atos (um deles atende por You live and you learn), com uma faixa chamada Scott Mescudi vs. the world e um título que parece ter sido concebido pelo George Lucas. Tem como não gostar? Infelizmente tem, se o seu iTunes emperrar na faixa 8, Erase me, um rockzinho ordinário que nem Kanye West salva. Antes que você comece a refletir sobre o quão terrível é o fato de que os mais promissores pupilos do rap geralmente não sabem diferenciar Kings of Leon de Queens of the Stone Age, sugiro um rolê no segundo ato do disco, A stronger trip, usa psicodelia e dub para fins medicinais (a dobradinha Marijuana e Mojo so dope é, perdoe a falta de inspiração, viciante).
E, quando o sujeito resolve brincar com um sampler soturno de St. Vincent (“Paint the black hole blacker”, em Maniac), a pergunta volta a fazer sentido: tem como não gostar? Tem, principalmente para quem ainda se encontra perdido nos vãos de My beautiful dark twisted fantasy, de Mr. West. Dois álbuns talvez igualmente ambiciosos, mas note as diferenças: enquanto West bagunça o interior das canções (que são longas e sinuosas), Cudi tenta nos impressionar com o acúmulo de faixas que disparam ideias coloridas, mas por vezes superficiais. É daqueles discos que nos agradam mais pelo temperamento frenético do repertório do que pelas canções em si. Não é tudo o que pensa que é – mas tem como não gostar?
Le noise | Neil Young | 7
Em tese, é o disco em que Young decanta a própria identidade até que restem apenas os elementos essenciais: a guitarra (alta, ruidosa, massacrada por toneladas de efeitos) e a voz. Mas nada na trajetória do homem é simples como parece, e basta lembrar que o disco anterior a este é o desgovernado (mas muito franco) Fork in the road, praticamente um álbum conceitual acerca de um carro ecológico. O que o produtor Daniel Lanois faz em Le noise é um ‘extreme makeover’ parecido com o método que aplicou em Time out of mind, de Dylan: criar uma atmosfera crepuscular, cinematográfica, mas com lacunas para que o compositor vença os maneirismos de estúdio. Mas esse conceito rigoroso por vezes parece uma estratégia para empacotar canções não exatamente inesquecíveis. Elas condensam tudo o que esperamos de um disco de Young – os lamentos de guerra e os hinos pacifistas e os retratos de homens solitários e a fúria juvenil – sem muitas surpresas ou desafios. De qualquer forma, é sempre uma alegria ver o sujeito verdadeiramente se esforçando e criando maravilhas como Peaceful Valley Boulevard. E, sejamos justos, é o mais coeso dele desde Silver and gold, de 2000.
Marnie Stern | Marnie Stern | 7
O terceiro disco da nova-iorquina pode ser interpretado de uma forma pessimista (soa como uma reprise dos anteriores, um beco sem saída, um exercício seguro etc) e de uma forma muito otimista (soa como uma celebração do estilo que Marnie talhou nos dois outros discos). Minha tendência, no caso, é o pensamento positivo: este é o primeiro disco dela que não me parece um projeto frio de faculdade de Arte, com todas aquelas camadas calculadas de distorção supostamente agressiva. Acredito que, desta vez, Marnie conseguiu vencer se livrar desse véu chamativo e se encontrou nas canções. A última faixa, The things you notice (que incluí na mixtape de outubro) poderia muito bem servir de ponto de partida para o próximo disco: tem o molde atormentado, paranoico, pontiagudo, do restante da discografia que ela lançou – mas é como se a autora das canções finalmente se expusesse de corpo inteiro. É bonito, é delicado (de uma forma inusitada) e, melhor ainda, soa intenso.
Swanlights | Antony and the Johnsons | 6
Um dos discos mais valentes do ano, já que Antony renega quase todos as referências pop para encontrar uma sonoridade tão serena e introspectiva quanto é (aparentemente) o momento em que ele vive. E encontra: mas pena que é um som tão etéreo que às vezes se dissolve nos headphones. Ouvi o disco pelo menos cinco vezes e só consigo me lembrar das faixas que destoam desse climão solene: I’m in love, que soa como uma daquelas divinas criaturas de Van Dyke Parks, e Thank you for your love, que abre um caminho soul no coração desta floresta gelada. Não é um álbum que consigo ouvir com frequência (e não recomendo a ninguém que acabou de romper um namoro; a dose de melancolia pode ser brutal). Mas, no momento certo, pode ser o antídoto aos excessos que imperam no indie rock.
No Twitter | 22-31 de maio
Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter durante a semana. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres.
Príncipe da Pérsia: as areias do tempo | Prince of Persia: the sands of time | Mike Newell | 2/5 | Está duríssima a batalha dos blockbusters abobalhados. Não sei qual é o mais palerma, se Fúria de Titãs ou Príncipe da Pérsia – esse último, aliás, é mais uma prova de que fazer os personagens saltarem no tempo é ótima desculpa para roteiristas preguiçosos.
Godard, Truffaut e a nouvelle vague | Deux de la vague | Emmanuel Laurent | 3/5 | Um doc didático e quadradinho, mas recomendo muito: as imagens de arquivo são incríveis (dois exemplos: Os incompreendidos em Cannes e entrevistas com o público à saída das sessões de Acossado).
Treme | s01e06: Shallow water, oh mama | 3.5/5 | A trama pouco avança, o que não chega a ser um problema – taí um bom momento para notar as atuações, quase todas excelentes.
Treme | s01e07: Smoke my peace pipe | 4/5 | Agora que nos afeiçoamos aos personagens, a série finalmente nos atinge com uma pancada. A cena dos caminhões é de machucar.
FlashForward | s01e22: Future shock | 3/5 | Um desfecho muito coerente com a série: pulpy, frenético, às vezes ridículo, tão sentimental quanto Grey’s anatomy.
Glee | s01e20: Theatricality | 1.5/5 | O mais pobre da temporada. A celinedionização de Poker face é totalmente constrangedora.
Diário de SP | Superoito na Mostra
Diário da viagem de Tiago Superoito a São Paulo. Em cerca de 20 dias, ele pretende acompanhar a Mostra de SP e, entre uma sessão e outra, ouvir alguns discos.
Os filmes vão em azul. Os discos e shows em vermelho.

5/11
Os famosos e os duendes da morte | Esmir Filho | 6 | Sei que estou em minoria, mas gostei da estreia de Esmir Filho. A ambição de fazer uma espécie de Paranoid Park para fãs de Mallu Magalhães quase nunca se resolve maravilhosamente bem, mas o diretor banca o risco de retratar (com naturalidade e lirismo) uma geração maltratada e/ou desdenhada pelo cinema brasileiro.
Ninguém sabe dos gatos persas | Bahman Ghobadi | 7 | Apesar de não ter me convencido tanto assim nas tentativas de ficção, trata-se de um ótimo, vibrante doc sobre a música underground de Teerã (acredite: no Irã, bandas de indie rock são caso de polícia) .
A ilha de Bergman | Marie Nyreröd | 6 | Documentário televisivo (com jeitão de Biography Channel), mas Bergman é Bergman.
Brilho de uma paixão | Bright star | Jane Campion | 5.5 | Este conto romântico talvez seja o filme mais solene de Campion. Muito bem realizado (e com um elenco excelente), mas engessado por um formato de filme de época preciosista que não me impressiona (ou comove) em nada.
Lebanon | Samuel Moaz | 7 | Um action movie de guerra que me lembrou em alguns momentos The hurt locker (talvez por retratar experiências muito específicas num combate). Mas não dá para esperar complexidade deste aqui: Moaz não apenas confina os personagens dentro de uma máquina como parece simular, na narrativa, o movimento agressivo, violento de um tanque de guerra. Sem sutilezas, portanto, mas muito preciso naquilo que quer mostrar.
Meu top 5 da Mostra:
1. Polícia, adjetivo 2. Vício frenético 3. A família Wolberg 4. Ervas daninhas 5. 35 doses de rum4/11
Samson & Delilah | Warwick Thornton | 5 | Os aborígines também amam (e se estrepam). Eu não me surpreenderia se recebesse uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro. Miserê soft.
Maradona | Emir Kusturica | 5 | Um filme sobre o personagem Maradona, que Diego interpreta razoavelmente bem. Kusturica, de quatro, não consegue mais que se deslumbrar com ele. Daria um curta. A Igreja Maradoniana, no entanto, é um achado.
Todos os outros | Alle anderen | Maren Ade | 7 | Todo filme sobre as oscilações de um caso amoroso tem que soar pelo menos um pouco enervante, e este não é diferente. Sentimentos contraditórios, rompantes de ódio, momentos de felicidade e êxtase… As atores levam a ideia a ferro e fogo e resultado é um drama intenso, que exige cumplicidade do público. Demorei a digerir.
Shirin | Abbas Kiarostami | qualquer nota | Mentira, é 6. Uma experiência inclassificável, mas fiquei com a impressão de ter visto um filme tão enigmático quanto matemático (e por isso frio). O conceito é ótimo: Kiarostami filma rostos de atrizes enquanto elas assistem a um filme inspirado numa fábula persa. Essa ideia, por si só, rende inúmeras discussões sobre cinema, representação, o papel do espectador… Todas elas, aposto, mais envolventes que o filme em si.
3/11
O amor segundo B. Schianberg | Beto Brant | 4.5 | Um filme coerente com o projeto que Brant desenvolve desde Crime delicado: a narrativa se abre ao acaso, às experiências de vida dos atores, a referências de outras obras (a peça Navalha na carne e o filme A concepção) e à sensação de improviso. Mas, ao contrário dos longas anteriores dele, esse aposta tudo numa estrutura muito frágil, que dependeria de atores extraordinários (e, mais que isso, interessantes) para se justificar. Não é o caso.
Soul kitchen | Fatih Akin | 7 | Esta comédia não tem nada de nouvelle cousine, e melhor assim: um Akin bem-humorado vale por dezenas de diretores europeus socialmente engajados. Personagens muito vivos, gags de primeira e um herói adorável: taí a receita de um crowd-pleaser improvável.
Making plans for Lena | Non ma Fille, tu n’iras pas Danser | Christophe Honoré | 5.5 | Nada é estável (ou verdadeiramente confortável) na família de Honoré. O francês tem bom olho para a crise doméstica, mas este drama choroso está mais para Lelouch que para Truffaut. Ajudaria se Lena não fosse uma chata de galochas – e aí não há Antony and the Johnsons que nos convença das fragilidades da protagonista.
2/11
Ontem este blog completou dois anos de vida (curiosamente, num dia de Finados). Parabéns pra ele.
Viajo porque preciso, volto porque te amo | Marcelo Gomes e Karim Aïnouz | 6 | O documentário atropela a ficção, mas também patina em lugares-comuns (a trilha sonora brega, as cenas com prostitutas). Ainda assim, um diário de viagem com trechos muito bonitos.
London River | Rachid Bouchareb | 5 | De novo, o blablabla sobre intolerância, diferenças culturais e solidariedade numa Europa pós-11 de setembro. Brenda Blethyn imitando um jumento é um dos momentos-vergonha-alheia da Mostra.
Alga doce | Tatarak | Andrzej Wajda | 7 | Um drama clássico dentro de um filme moderno. Wajda deixa que a realidade rasgue a ficção de uma forma tão violenta que a tristeza das últimas cenas fica quase insuportável.
I love you Phillip Morris | Glenn Ficarra e John Requa | 5 | Tá na cara: os diretores se impressionaram tanto com a história real do trapaceiro gay que esqueceram de fazer cinema. Tosco, ainda que mais sacana que a média (em 2009 já é permitido fazer piada com AIDS?).
1/11
off-Mostra
500 dias com ela | 500 days of summer | Marc Webb | 5.5 | Tem momentos simpáticos (e é bacana notar que a “moral da história” tem mais a ver com os poderes da autoestima que com a ladainha do amor eterno), mas a love story indie soa como decalque ralo de Nick Hornby.
This is it | Kenny Ortega | 5 | Celebração além-túmulo – um tanto mórbida, portanto. Mas, além de valer como registro, o trabalho de edição é primoroso: Ortega quase me fez acreditar que, pouquíssimo tempo antes de morrer, Michael Jackson se portava como um touro no palco. Poderes do cinema.
31/10
Dente canino | Kynodontas/Dogtooth | Yorgos Lanthimos | 4.5 | A ideia é interessante, mas o modo impassível como Lanthimos trata os personagens (são cobaias de uma encenação) vai fazer você repensar Anticristo.
30/10
O filho do caçador de águias | The eagle hunter’s son | René Bo Hansen | 4.5 | Exotismo pueril. Poderia estar na grade do Discovery Kids.
>> A família Wolberg | La famille Wolberg | Axelle Ropert | 8 | Provoca as emoções de um velho disco arranhado de soul music. Melancolia aveludada. Um dos melhores da Mostra (e, assim que chegam os créditos finais, já dá vontade de rever).
Quase Elvis | Almost Elvis/Karaokekungen | Petra Revenue | 4 | Humor desafinado, premissa bocó.
O fantástico Sr. Raposo | Fantastic Mr. Fox | Wes Anderson | 7 | Anderson pode até não ter encontrado uma forma de se livrar da camisa de força criativa onde está metido (o longa anterior dele já soava redundante), mas é um dos filmes mais fluentes que já dirigiu. Uma animação para crianças de muito bom gosto, digamos assim. E qualquer filme que abre com Heroes and villains merece minha consideração.
29/10
Seguindo em frente | Still walking | Hirokazu Kore-eda | 6 | Com meia hora a menos e sem algumas das frases-de-biscoito-chinês (tipo “os amigos que morrem nunca nos abandonam verdadeiramente”), acho até que o Kore-eda conseguiria ter feito mais que uma delicada crônica familiar. 35 doses de rum é uma homenagem menos óbvia a Ozu.
O solista | The soloist | Joe Wright | 5.5 | Wright tenta dar alguma dignidade ao bromance piegas. Jamie Foxx interpreta um carro alegórico (e muito provavelmente será recompensado pela proeza com uma indicação ao Oscar).
Insolação | Felipe Hirsch e Daniela Thomas | 5 | Hirsch é um dos poucos que me tiram de casa para ir ao teatro, daí o tamanho da decepção. Um cinepoema desapaixonado sobre o amor. Era essa a intenção? Mas ok: sem a tentativa de ficção (que pelamordedeus…), daria um documentário até bem razoável sobre a arquitetura de Brasília. O próximo filme dele será melhor que este.
28/10
Como ser Mr. Kotschie | Mensch Kotschie | Norbert Baumgarten | 5 | O cidadão-alemão-modelo, certinho, polido e bem casado, chega aos 50 anos de idade e esbarra numa crise existencial que… certeza de que não tem o dedo do Alexander Payne nisso aí? Alan Ball?
Singularidades de uma rapariga loura | Manoel de Oliveira | 7 | Um país solto no tempo, a cegueira do amor, uma bela homenagem a Eça de Queiroz. O começo é perfeito, só que… Raramente reclamo disso, mas taí um filme que me incomodou por ser curto demais.
O que resta do tempo | The time that remains | Elia Suleiman | 7.5 | Num tom ainda mais particular que o de Intervenção divina (sem a mesma verve, mas com gags tão ácidas e bizarras quanto), Suleiman olha com perplexidade para a própria história. Encontra uma vida cercada de horror por todos os lados.
Vencer | Vincere | Marco Bellocchio | 6.5 | Um melodrama febril, mas quase soterrado pelo próprio peso (eu não recomendaria uma sessão dupla com A fita branca).
26/10 e 27/10
>> 35 doses de rum | 35 rhums | Claire Denis | 8 | Sensibilidade incomum (e uma trilha sonora de arrepiar).
À procura de Elly | Darbareye Elly | Asghar Farhadi | 5.5 | Melhora um pouco quando um personagem-surpresa entra em cena, mas este thriller iraniano (com um subtexto político, como de praxe) não escapa muito do trivial.
Abraços partidos | Los abrazos rotos | Pedro Almodóvar | 7 | Quase uma sequência de A má educação: acerto de contas com o cinema. Há cenas extraordinárias (como aquela em que o cineasta cego tenta sentir as imagens tocando o monitor da televisão) e momentos em que o diretor parece ter ativado o piloto automático (toda a sequência final, do filme-dentro-do-filme). Ainda assim, Almodóvar vai do melodrama à esculhambação com aquela naturalidade que conhecemos bem.
Tyson | James Toback | 6 | Autorretrato franco (mas dirigido sem a menor inspiração).
Tokyo! | Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon-ho | 5, 7, 6.5 | Carax destoa do tom preciosista, à Amélie Poulain, dos episódios de Gondry e Joon-ho. De qualquer forma, eu não me incomodaria se o filme do Joon-ho tivesse 135 minutos de duração.
Independencia | Raya Martin | 7 | Vida e morte numa floresta impressionista.
>> Vício frenético | Bad lieutenant: port of call New Orleans | Werner Herzog | 8 | Harvey Keitel ainda reina, mas Nicolas Cage sua a camisa (e está tão bem quanto em Despedida em Las Vegas e A outra face). Mas as comparações com o filme de Abel Ferrara são inadequadas: Herzog desloca a trama para New Orleans, lima as crises religiosas, reforça o humor negro (o que são aquelas iguanas psicodélicas?) e vê a América contemporânea pela lente do absurdo. Um outro tempo, um outro filme – e tão poderoso quanto o original.
24/10 e 25/10
Distante nós vamos | Away we go | Sam Mendes | 5 | Mendes tenta se livrar da pompa, mas tudo o que consegue é um road movie fofo e fake. A trilha sonora, que dilui Nick Drake de 1001 maneiras, soa apropriada.
>> Polícia, adjetivo | Politist, adjectiv | Corneliu Porumboiu | 8 | Porumboiu sai à procura das palavras e imagens exatas. O melhor romeno que vi.
Mother | Madeo | Bong Joon-ho | 7 | Outro que sabota elegantemente as regras do “filme policial”. Joon-ho é um talento e a cena final, belíssima. Uma ressalva, no entanto: sei que isto não vai incomodar quase ninguém, mas a estrategia que ele encontra para resolver o mistério central da trama me pareceu uma solução fácil demais.
Sedução | An education | Lone Scherfig | 4.5 | Cumpre rigorosamente as exigências do Oscar: ameno, inofensivo, agradável e, por fim, vazio.
Aconteceu em Woodstock | Taking Woodstock | Ang Lee | 5.5 | O tom sugere uma crônica, mas a aparência é de charge em tom pastel. Raso em absolutamente tudo (e não melhora o livro, que é uma bobagem).
23/10
Ricky | François Ozon | 7.5 | Fantasia (na real).
A mulher do anarquista | Marie Noëlle e Peter Sehr | 3.5 | Uma minissérie escrita por Maria Adelaide Amaral. E dirigida por Jayme Monjardim.
>> Ervas daninhas | Alain Resnais | 8 | É uma heresia escrever apressadamente sobre este filme, mas adianto que o novo Resnais revê o tom afetuoso e elegante de longas como Medos privados em lugares públicos e Amores parisienses, mas, simultanemente, quebra nossas expectativas com uma narrativa livre, enigmática e bem-humorada, que me lembrou alguns filmes dirigidos por ele nos anos 80 (A vida é um romance, Amor à morte). Talvez não seja um grande Resnais (pode ser uma obra de transição, e espero que seja), mas é o filme mais aventureiro dele desde Quero ir pra casa.
A fita branca | Michael Haneke | 6 | Rigoroso e pedante (como esperávamos de Haneke), mas me parece um retrocesso em relação a Caché. O típico “filme de arte” que enche os olhos de jurados de festivais. É um deleite visual, e um drama mais bergmaniano que qualquer Bergman (imagine aí o sueco filmando o roteiro de Dogville). Mas a parábola sobre o nascimento do nazismo soa frágil (já que toda sustentada em relações de causa-efeito e didatismo sociológico) e Haneke insiste em carregar cada cena com um peso de auto-importância que entendo como excessivo. Não é muito a minha praia, mas vai ter gente defendendo com entusiasmo.
Sede de sangue | Park Chan-wook | 6.5 | No humor ou no horror, não tem estribeiras – o que, para um filme de vampiros, vejo como uma qualidade. Mas não sabe quando ou como acabar.
22/10
(…)
21/10
Novidades no amor | The rebound | Bart Freundlich | 4.5 | Nenhuma novidade (mas taí: nunca vi tanta criança vomitando dentro de uma comédia romântica).
Unmap | Volcano Choir | 6.5 | Soa menos como um novo projeto de Bon Iver e mais como uma participação dele num álbum do Collection of Colonies of Bees. Dito isso, o “convidado especial” faz com que prestemos atenção à arte sutil de uma boa banda de pós-rock, do tipo raro que cria atmosferas à serviço de melodias.
20/10
À procura de Eric | Looking for Eric | Ken Loach | 6.5 | Um Loach mais fluente que o de Ventos da liberdade (e menos efêmero que o de Apenas um beijo). Pode ser visto como uma comédia leve, um feelgood movie (e, com uma boa campanha, poderia entrar facilmente na lista dos indicados ao Oscar), mas também como um conto urbano muito coerente com antigas preocupações do cineasta, ainda um working class hero. Faz algumas jogadas ensaiadas (o roteiro de Paul Laverty é golpe baixo), mas não perde a doçura. A interpretação de Steve Evets, o carteiro que “conversa” com o ídolo de futebol, é das melhores do ano.
Quanto dura o amor? | Roberto Moreira | 4 | O filme felizmente dura 83 minutos (na maior parte da sessão, não consegui tirar da cabeça aquela canção do Blur que vai mais ou menos assim: They’re stereotypes/There must be more to life).
O caçador | Chaser/Chugyeogja | Na Hong-jin | 6 | A trama é literatura pulp tratada a ferro e fogo (talvez isso explique as comparações, nem sempre justas, com Park Chan-wook e Bong Joon-ho). Mas o cineasta não tem pulso, pilota no automático – daí a flacidez da narrativa.
19/10
Anticristo | Lars von Trier | 7 | O pesadelo de Trier talvez seja mesmo controlado demais (qualquer delírio de David Lynch soa mais caloroso), mas não consigo desprezar um filme tão obcecado por imagens de culpa, dor e luto. Tenho que ser franco: tirando um ou outro momento mais desajeitado (o diretor trata o gênero horror com tanto estranhamento que o efeito fica até interessante), Trier conseguiu me perturbar com este pesseio na floresta. Um detalhe curioso: quase todas as resenhas que li reclamam do prólogo (slow-motion em p&b aparentemente virou crime), por isso só posso supor que quase ninguém tenha visto O espelho, do Tarkóvski. Vejam. É um dos meus favoritos. E, ainda que não do modo mais óbvio, tem muito a ver com este Anticristo.
Bonfires on the heath | The Clientele | 7.5 | O Clientele é daquelas bandas que não fazem estardalhaço e que, por isso, sempre correm o risco de serem subestimadas. O novo disco deles é quase tão bom quanto Strange geometry (e quem conhece aquele álbum entendeu o peso do meu elogio) e prova que o grupo não vai descansar enquanto não encontrar a canção irretocável, uma criação capaz de cristalizar toda a tradição do pop barroco britânico (repare nos sopros à mariachi, discretos e precisos). A jornada do Clientele é às vezes enervante (e a polidez ainda incomoda), mas quase sempre rende melodias elegantes – e, nos melhores momentos, também emocionantes, como a faixa-título e I know I will see your face.
New moon – Original motion picture soundtrack | Vários | 6 | Daria um ótimo EP, com Thom Yorke (e Hearing damage não é lá extraordinária), Grizzly Bear (Slow life), Bon Iver & St. Vincent (Rosyln) e Death Cab for Cutie (Meet me on the Equinox). Nada muito diferente de um dos CDs do The O.C. (os indies vão aos teens), mas poderia ter sido pior.