Phoenix
Superoito no Planeta Terra 2010

A comparação é totalmente injusta, mas digamos que seja inevitável: se show do Paul McCartney foi um fenômeno da natureza, torrente de emoções, uma choradeira infernal, os do festival Planeta Terra foram apenas… shows. Pois é. Uma história bem mais mundana. Mas, ainda assim, a ser contada aos nossos netos roqueiros.
Eu poderia escrever um texto longo sobre o assunto, mas este blog sempre perde a luta contra a minha rotina. No momento, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro toma quase todo o meu tempo, diariamente, das nove da manhã às duas da madrugada. Escrevo este post, por exemplo, num raro intervalo entre uma obrigação profissional e outra, de pé e suando litros.
Pensei em fazer um pequeno diário sobre a mostra de cinema, mas duvido que algum leitor do blog se importe com o evento. Este ano, resolvi pular esta parte para poupá-los do enfado e me livrar de dores de cabeça.
Numa velocidade enlouquecedora (perdoem os deslizes), aí vão pequenos comentários sobre os shows do Terra. Lembrando que só consegui acompanhar as atrações do Main Stage (o som do palco, aliás, estava perfeito).
Phoenix | 8.5 | Um show reto, econômico, quase monocromático (a começar pela iluminação, que esconde os franceses em sombras), mas com o tipo de poder concentrado que encontramos em bandas como Strokes e Arctic Monkeys. A setlist amplia o formato do disco Wolfgang Amadeus Phoenix: um trator de hits compactos interrompido por uma muralha alta chamada Love like a sunset (numa versão bem diferente daquela que está no disco, mais rock e quase nada de eletrônica). Para quem os acusa de blasé, Thomas Mars se retratou direitinho: “nadou” sobre a plateia e provou ser um vocalista mais destemido e atlético do que Mika e Kevin Barnes. Para mim, o show mais divertido da noite (mas admito: minha percepção pode ter sido influenciada pelo fato de que eu fui praticamente atropelado pelo vocalista; saudade daquela grade). Momento mágico: Lasso.
Pavement | 8 | Um flashback estranhíssimo, já que agrada totalmente ao fã (a banda toca as músicas mais conhecidas de cada disco; mais acessível do que isso, impossível) mas, ao mesmo tempo, incomoda um pouco aqueles que, como eu, amavam uma banda menos polida, menos ansiosa por agradar aos fãs. Apesar da sensação de que há algo errado com esse revival, eles estão muito mais afinados (e sóbrios!) do que eu esperava. Velhos amigos, o tempo passou. Momento mágico: Stop breathing.
Of Montreal | 8 | Teatrinho psicodélico mui perverso e hilariante: o tipo de sonho pirado que te deixa encucado no dia seguinte. Ótimo confirmar in loco que Kevin Barnes é mesmo um dos melhores performers em ação — mas o som embolado em músicas como Heimdalsgate like a promethean curse me irritou um pouco. E nada de Famine affair? Momento mágico: Bonny ain’t no kind of rider.
Mombojó | 7.5 | Cada vez melhores (e este show conseguiu superar o do Porão do Rock). Ocuparam quase 1/3 do palco, tocaram às quatro da tarde e, ainda assim, uma performance mais potente do que a de muitas bandas que vieram depois. Só uma ressalva: o clímax do show é muitíssimo superior a todo o resto. Momento mágico: Deixe-se acreditar.
Novos Paulistas | 6.5 | Uma boa estrategia para encontrar uma brecha no palco principal do Terra. E Tiê — que canta, toca piano e violão — é a musa da noite. Momento mágico: Efêmera.
Mika | 6 | Um espetáculo da Broadway condensado em 60 minutos e interpretado quase que totalmente por apenas um ator. Se o quesito principal fosse profissionalismo e técnica, o melhor show da noite. Mas me deixou a sensação de um clipe do American idol: um cantor competentíssimo se virando com um repertório medonho. Momento mágico: Billy Brown.
Smashing Pumpkins | 5 | Um tédio. Eu, que era um grande fã dos Pumpkins nos anos 90 (acompanhem a lista de discos da minha vida e vocês verão), ainda não consigo entender por que Billy Corgan acredita que as músicas novas, de uma pobreza gritante, têm o direito de dividir o palco com maravilhas como Today, Zero e Bullet with butterfly wings. Não me irritei tanto assim com a arrogância do sujeito (cobrar simpatia de Corgan equivale a exigir ‘animação’ do Pavement), mas o problema é muito simples: conceito nota 10 (olhar para o futuro, valorizar inéditas, ignorar o oba-oba dos fãs), efeito nota 0 (as inéditas só revelam o quanto o vocalista tenta repetir o passado). Média 5 para a montanha-russa do festival. Momento mágico: Bullet with butterfly wings.
Agora vou ali ver uns filmes. Abs.
The Drums | The Drums
Fofofóbicos, tremei: The Drums não é uma banda para vocês.
Não é. Recomendo desistência por antecipação. Sei qual é a dos fofofóbicos, essa gente com aversão a fofuras e chamegos xaroposos e guti-gutis afins. Para eles, Belle and Sebastian, Camera Obscura, The Shins e Sufjan Stevens equivalem a ursinhos de pelúcia róseos e muito simpáticos e macios (simpáticos e macios demais, diriam). E Juno só seria um filme decente se banisse aquele nerd delicado, com hálito de suco de laranja. Irc.
Gente estranha. Não os entendo.
Quer dizer: tento entender. Tento porque convivo com eles. Tento porque sei o que eles detestam. E eu nem veria problema em apontar nomes, já que todos acreditam que meu blog é aprazível, delicadinho, emotivo e, por isso, abominável feito algodão-doce de morango.
Eu acho, sinceramente, que eles deveriam se tratar. O que seria do mundo sem os momentos de fofura, meus amigos? Eu nem quero saber.
Mas, como eu ia dizendo, tento entendê-los. E bandas como o The Drums me ajudam nessa luta. É uma banda muito fofa, aviso logo. Um doce. Fofíssima: dá vontade de pegar no colo. Ela é formada por quatro sujeitos que são ou extremamente cínicos ou perigosamente carentes. Nada de errado com carência. Todos nós, até os fofofóbicos, vivem dias, horas, segundos de carência. É claro: eles superam as agruras com três ou quatro abdominais ou barras de chocolate (meio-amargo). Nós, os tristes, descarregamos nossas pitangas na música pop.
E o curioso é que nós, os tolerantes a excesso de fofura, queremos sempre mais. Mais choro, mais desencanto, mais fragilidade, mais doçura, mais melancolia. Então não nos irrita o fato de que uma banda como o The Drums (e há tantas!) acabe soando como um encontro meio literal entre The Smiths e The Shins, com sintetizadores agradáveis que afagam a nossa nuca e um manto acolchoado de guitarras que nunca espeta nossas costas. Logo nos primeiros acordes, nos sentimos acolhidos, seguros.
Para quem congela só de ouvir a palavrinha “twee”, aviso: mantenha distância. The Drums soará simplesmente intratável. É uma daquelas bandas que aprenderam o bê-a-bá do “beach pop” (que vem lá dos anos 60, Beach Boys e congêneres) e o aplicam ao gosto de uma geração que traduz essas influências de uma forma estudada, meio blasé, autoirônica (mas sem se aproximar da autoparódia). Algo como os momentos mais delicados do Vampire Weekend e do Ra Ra Riot.
The Drums é assim: demonstra muito talento para usar aquele velho clichê californiano (versos tristes para melodias alegres) de uma forma que soa muito sincera. É um quarteto de Brooklyn, Nova York, e a procedência talvez explique por que eles às vezes deixam a impressão de participar de um grupo de estudos avançados sobre indie pop. E, se alguém tinha dúvidas sobre a origem da faixa mais grudenta do disco (Me and the Moon), está tudo lá: The Strokes via Phoenix.
Essa música, a mais animadinha (e a mais derivativa de todas), é desvio de rota num álbum até certo ponto monocórdico e (falsamente?) ingênuo. “Você é meu melhor amigo, então você morreu”, canta Jonathan Pierce na faixa de abertura, Best friend, que vai desfiando memórias da adolescência muito doloridas, embaladas em arranjo dance. Mais adiante, ele confessa que a vida vai ficando cada vez mais difícil. “Eu imaginava que ficaria mais fácil”, diz. E coisa e tal.
Lá nas últimas faixas, a banda acrescenta uns violões safados ao pão-de-ló sentimental. E aí entendo a birra dos fofofóbicos. Da mesma forma como nós, os sentimentais, reclamamos da dureza impassível de algumas bandas de heavy metal e de hard rock, eles também têm o direito de se irritar com os trejeitos frágeis dessa turma à flor da pele. Nos dois casos, existe uma fórmula em ação. Há truques e há golpes baixos. The Drums usa essa artilharia com eficiência (é um primeiro disco!), mas, admito, parece cuidadosamente adaptada para agradar a um público que sabe o que vai ouvir e, ainda assim, quer mais.
Numa pastilha (de uva): é previsível, sim. Mas os bons sentimentos me parecem verdadeiros. Ou muito bem encenados. E acredito que é por conta desse elemento secreto, misterioso, que esta banda consegue se destacar em meio a tantas outras. Não tem nada a ver com marketing, ó descrente. A fofura, em alguns momentos, nos comove, nos levanta um espelho. E aí é como se, de um jeito meio torto, acertasse nossos nervos.
Como explicar esse efeito a alguém que nunca se apaixonou terrivelmente por algo impossível, por uma fantasia? E como explicar tudo isso a alguém que nunca encontrou conforto nas melodias chorosas das love songs? Não dá.
A estreia do The Drums não é nada extraordinária. E nada medíocre. Não é o céu nem o inferno. É um purgatório em azul-bebê, digamos, com cheiro de lavanda, etc. Por isso, pode soar irritante ou apaixonante. Eu escreveria um longo texto negativo sobre este disco e provavelmente vocês concordariam comigo. Mas este não sou eu. Meu coração tem 12 anos de idade. E (perdão, fofofóbicos) ele bateu feliz com o que ouviu.
Primeiro disco do The Drums. 12 faixas, com produção de Jonathan Pierce. Lançamento Moshi Moshi e Island Records. 7/10
Long distance call | Phoenix
Eu escreveria um post longo sobre a estranha agonia de um namoro à distância, mas esta canção do Phoenix diz tudo. Neste vídeo, uma cortesia finíssima do site La blogothèque, eles dão um giro nas ruas de Paris e fazem uma versão acústica da música, que está no disco It’s never been like that.
Então é isto, meu povo: hoje à noite, já morrendo de saudade, viajo para passar o réveillon com minha namorada, que está lá longe há tanto tempo. Dedico este clipezinho a ela.
Volto em uma semana. E, para 2010, prometo (como sempre prometo!) um blog menos errático, mais bonito e gostoso, saudável e com dinheiro no bolso. Feliz ano novo — e, se possível, não desapareçam, ok?
Adeus, 2009 | Superoito’s mixtape, parte 2
Meu segundo best-of de 2009 saiu um pouco menos sombrio do que o primeiro, mas não tanto quanto eu esperava. Talvez o ano tenha sido assim mesmo: meio bizarro, osso duro de roer. Paciência.
Aos menos melancólicos, fica a dica: da sétima faixa em diante, a pista esquenta.
E tem pra todo mundo – uma óbvia do Dirty Projetors (eles estão ali em cima, na foto que abre o post), uma não tão óbvia do Animal Collective, um balanço charmoso do Basement Jaxx, a “devoradora de homens” Neko Case, o hit improvável do Phoenix e, claro, Fever Ray (para Diego e Filipe). Espero que vocês sofram um pouco, mas se divirtam.
Ei: um abraço a quem baixou a primeira coletânea. O número de downloads me surpreendeu. E, já que a ideia não é um fiasco completo, em janeiro de 2010 começo a preparar coletâneas mensais.
Eis a tracklist desta nova mixtape:
1. Stillness is the move – Dirty Projectors 2. When I grow up – Fever Ray 3. Crystalised – The XX 4. Laura – Girls 5. Bonfires on the heath – The Clientele 6. Bluish – Animal Collective 7. People got a lotta nerve – Neko Case 8. 1901 – Phoenix 9. Ecstasy – JJ 10. Feelings gone – Basement Jaxx 11. Moth’s wings – Passion PitFaça o download (via Rapidshare): Superoito’s mixtape 2009, parte 2
E, ainda nesta semana, devo terminar minha lista de melhores filmes do ano. Até.
Wolfgang Amadeus Phoenix | Phoenix
Reconheço que o Phoenix pode soar como uma das bandas mais ridículas do planeta. Pode, às vezes deve.
Outro dia, numa daquelas lojas de roupas que fedem a perfume francês, decidiram usar Everything is everything como música ambiente. As clientes a-do-ra-ram. E eu, encarando as caixas de som: esses franceses fazem pop de bijuteria, ou têm um excelente, estranho senso de humor?
Ainda estou firme com a segunda opção. Mas admito que a primeira também esteja correta.
A melhor introdução ao Phoenix está no Wikipedia. Lá, a banda é localizada na mesma cena francesa que revelou Daft Punk e Air. É um contexto importante – já que, nesse trio, o Phoenix foi aquela que levou mais ao pé da letra a ideia do pop-colagem, do decalque carinhoso de referências baratas, do kitsch com coração. É pop com uma piscadela de olho, cerebral (daí que superficialmente tolo, descartável).
Por isso que, para os fãs do quarteto, é sempre desanimador ouvir comentários como “ah, mas eles chupam o electropop dos anos 80”, como se isso fosse tudo. Também é. Mas não é tudo.
Antes de Wolfgang Amadeus Phoenix (e note que, logo no título, o senso de humor está cada vez mais explícito), eles gravaram um álbum de soul music branca (o incompreendido, talvez por parecer tão sério, Alphabetical) e um que fez a ponte entre o soft rock dos anos 70 e o “novo rock” do Strokes (o bem recebido It’s never been like that). Isso depois de uma estreia tão retrô quanto moderna (United, ainda o melhor deles).
O novo disco dá um pulo para trás – ao retomar a parceria com o produtor Philippe Zdar, de United (e do duo Cassius) – para prolongar a experiência de It’s never been like that. É o primeiro álbum do Phoenix que soa como uma continuação – as duas primeiras faixas, Lisztomania e 1901, poderiam ter entrado no disco anterior. Talvez eles não queiram mexer num time que se deu tão bem – e admito que me decepcionei um pouco com esse jogo seguro, sem tantos lances arriscados.
Há diferenças, porém: Zdar acentua as relações da banda com a eletrônica, que retorna à toda em Fences e com um quê ambient na extensa (e quase emocionante, se eles não insistissem em soar tão gélidos) Love like a sunset. São faixas que permitem intervalos saudáveis para o álbum, sem perder o fio da meada (ao contrário do Royksopp, taí uma banda que sabe fazer discos sólidos, sem gorduras).
A segunda metade volta a arar um terreno conhecido, ainda assim agradável. Com uma exceção: a quase épica Countdown, com climas de rock progressivo e ambição nunca antes imaginada pela banda (além de uma letra surrealista, quase um transe), dá uma pista de como este álbum soaria se não fizesse tanto esforço para fazer com que lembremos do passado do Phoenix.
Mas é uma banda que ainda consegue soar extremamente direta (para quem procura os hits) e tridimensional (para os iniciados). Só teremos a ganhar se lojas de roupas e elevadores a adotarem como trilha sonora.
Quarto álbum do Phoenix. Nove faixas, com produção de Phoenix e Philippe Zdar. Cooperative Music/V2. 7/10