Peter Jackson

top 100 | Os filmes da minha vida (14)

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Cá estamos com mais um capítulo da saga heroica dos 100 filmes da minha vida. Desta vez, sem muito papo: são dois longas que, por coincidência, vi pela primeira vez na mesma época. E que não revejo há mais de 20 anos. Boa sorte com eles, então.

074 | Até o Fim do Mundo | Until the End of the World | Wim Wenders | 1991

Não sei se acontece com todo muito que gosta de cinema, mas eu vivi sim, admito, a fase dos longas-metragens muito longos. Aconteceu por volta dos meus 11 anos, quando bateu uma fissura inexplicável por fitas duplas de VHS – lembro de alugado, de uma vez só, os três capítulos da série O Poderoso Chefão. Nesse período, assisti a este exagero exageradíssimo de Wim Wenders – um dos épicos mais delirantes (e desembestados, mas essa é outra história) de que tenho conhecimento. Coppola era um ídolo. Mas foi diante deste road movie apocalíptico – como que escrito durante um transe provocado por overdose de livros do Philip K. Dick – passei a admirar os cineastas que se permitiam filmar sem prudência, pateticamente além da conta. A fase dos longas de mil páginas, no entanto, não durou muito: hoje, não sei se teria paciência de cair nessa estrada novamente.

073 | Fome Animal | Braindead | Peter Jackson | 1992

Nenhum filme de Peter Jackson me entusiasmou tanto quanto esta comédia de terror – que, creio eu, fica ainda mais interessante quando vista imediatamente depois de qualquer episódio da série O Senhor dos Anéis. Já em 1992, o diretor parecia entender muito bem como usar efeitos visuais para definir o tom da narrativa. No caso, o excesso grosseiro de gore transforma cada cena num cartoon adolescente – surpreendendo, a cada virada de página, quem acredita ter finalmente identificado os limites do filme. Para um menino de 12 anos, fã de Evil Dead 2, era o tipo de obra-prima que os adultos obviamente jamais entenderiam. Desde então, Jackson dirigiu alguns filmes de aventura – mas ainda nos deve um outro filme assim tão aventureiro.

Superoito rápido e rasteiro (2)

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Like you know it all | Hong Sang-soo | 4/5

Este é o segundo filme de Hong Sang-soo que vejo (o outro foi A mulher é o futuro do homem, de 2004). Daí que não posso encontrar as semelhanças entre este Like you know it all e o passado do diretor (são muitas, dizem). E não sei se me incomodaria com elas. O longa retrata situações muito corriqueiras — em resumo: um jovem diretor de cinema frequenta festivais e conhece pessoas  -, mas taí um diretor capaz de olhar para o cotidiano com curiosidade, espanto e a franqueza de um diário. Acredite: neste filme a rotina às vezes parece tomada pelo clima siderado de uma ficção científica.

A divisão da trama em duas partes complementares acentua a impressão de que existe um subtexto misterioso que observa/provoca os personagens. Nada que se aproxime de um tipo banal de misticismo (vide Um olhar no paraíso) ou de filosofices supostamente líricas sobre destino e acaso (vide O segredo dos seus olhos). O diretor é sutil demais para cair nessas armadilhas, e parece entender muito bem os limites e as particularidades do próprio estilo. Estou quase convencido de que seja o único cineasta em atividade que faça justiça às comparações com Eric Rohmer. Próxima parada: Mulher na praia, de 2006.

Lake Tahoe | Fernando Eimbcke | 3.5/5

Por coincidência, logo depois de Like you know it all assisti a outro filme que enxerga as coisas corriqueiras da vida por uma lente torta. Mas, enquanto Sang-soo cria uma atmosfera de leveza à livro de rascunhos (ou de crônicas), o mexicano Fernando Eimbcke desorienta o espectador com uma meta muito precisa: ilustrar a confusão sentimental de um menino metido num drama familiar. O diretor vai tirando lentamente o véu da narrativa (que começa com imagens de uma cidade quase fantasmagórica, filmada em longos planos) até revelar a solução do “mistério” num tom mais carinhoso e pessoal do que poderíamos ter previsto. Muito bonito, ainda que um tanto calculado.

O segredo dos seus olhos | Juan José Campanella | 2/5

O típico candidato que o Brasil inscreveria para concorrer ao Oscar: um drama esguio e posudo (com o “requinte” de uma produção do James Ivory) que me deixou com a maior vontade de assistir a um filme com alguma fluência. Apesar do gosto por melodramas, o forte do diretor de O filho da noiva não é a sutileza (e, nesse ramo, não se aprende muito depois de 16 episódios de Law & Order). É assim, meio no tranco, que ele dá baixa num roteiro complicado (rocambolesco seria um bom adjetivo), que alterna duas tramas em diferentes períodos de tempo, esboça uma reflexão sobre o processo criativo e tenta mesclar uma investigação policial a uma história de amor e obsessão. Existe vida nas cenas finais, mas o filme mal dá conta de carregar o próprio peso.

Percy Jackson e o ladrão de raios | Chris Columbus | 2/5

Quem precisa de um novo Harry Potter? Eu é que não. Este Percy Jackson é um brinquedinho tão oportunista que poderia ter sido engraçado — na trama, que parece uma paródia do último livro da saga de J.K. Rowling, três amigos têm que encontrar pedras misteriosas para salvar o mundo —, mas o mix de mitologia grega, RPG, cosplay, X-Men, Lady Gaga e AC/DC me deixou com saudades de A bússola de ouro. Sério: desta vez, nem os jovens nerds vão (se) aguentar.

Um sonho possível | John Lee Hancock | 2/5

Se Preciosa é o “feel bad movie” da temporada, Um sonho possível usa mais ou menos o mesmo material sensacionalista (o drama de um adolescente negro, obeso, marginalizado, quase catatônico, que encontra um fio de esperança sabe-se lá como) para criar um “feel good movie” para torcidas de futebol americano. Quando Sandra Bullock (interpretando Julia Roberts) vencer o Oscar pelo papel da “mulher branca e bondosa”, você vai testemunhar a maior sandice da Academia desde a vitória de Gwyneth Paltrow por Shakespeare apaixonado. Vai ser triste. Mas já é inevitável.

Um olhar do paraíso | Peter Jackson | 1.5/5

Acusem-no de qualquer coisa (e assinarei embaixo), mas não venham me dizer que Peter Jackson é um sujeito de poucas ambições. O homem é destemido. Depois de se apropriar de Tolkien e King Kong, ele resolveu cruzar a última fronteira e, deus!, filmar o infilmável: o paraíso, o “outro lado”, o indizível, a vida eterna e tudo o mais. Um olhar do paraíso é um objetivo gigantesco disfarçado de “filme pequeno”, daí minha decepção ao notar o quão verdadeiramente pequeno este filme é. O diretor aposta tudo (e ele sempre aposta tudo) num projeto que dificilmente daria certo: encontrar certa harmonia (ou pelo menos um desequilíbrio interessante) entre um thriller PG-13 e uma meditação new age sobre a morte. Acontece que o suspense simplesmente não está lá — e não consigo ver muita diferença entre os delírios de Jackson e aqueles quadros kitsch vendidos em feiras hippie (ou entre este filme e o mortífero Amor além da vida). A menina morta vive nos anos 1970, mas essa não me parece uma justificativa convincente para a overdose de CGI flower power.

2 ou 3 parágrafos | Distrito 9

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district9

(Escrevi um parágrafo inteiro comparando este Distrito 9 com Presságio, e puxando a sardinha descaradamente para o filme do Nicolas Cage, que, a meu ver, lida mais corajosamente com imagens e incertezas que nos afligem, mas resolvi apagar tudo. Não adianta. Vocês não vão mudar de ideia.)

O plot de Distrito 9 (7/10) já foi esquadrinhado por tanta gente que fico com até com preguiça de tocar no assunto. Mas lá vai: é mesmo impressionante  a forma como Neill Blomkamp faz cinema político (e acho que nem Michael Moore fez um filme sobre apartheid, segregação, xenofobia, medidas autoritárias de governos, os maus tratos sofridos por estrangeiros, marginalidade urbana e comércio ilegal de armas) com as hipérboles de uma fita B. Os filmes B que amamos são os mais intensos, os desenfreados, os que não pedem perdão, os que pegam, matam e comem. O cineasta sabe disso, Peter Jackson sabe disso (ele fez Fome animal), minha avó sabe disso e, nos primeiros 60 minutos, com uma câmera desarranjada e autoirônica (à Cloverfield) Neill cria um dos filmes B mais destemidos que vi em alguns anos (e não vou citar Presságio, calma aí). É como um mashup de A mosca, Tropas estelares e Cidade de Deus. Com picles.

… E depois a vaca quase vai para o brejo. Entendo assim: este filme só seria uma obra-prima se durasse 15 minutos. Para uma provocação tão acelerada, que gasta logo toda a munição, é um risco tremendo decidir-se pelo formato clássico de action movie — mais um a narrar a louca escapada de um herói encrencado. Essa segunda parte acaba parecendo ordinária perto do início do filme. Mas, como o Chico bem observou, vale notar como o longa converte um protagonista detestável num chapa falível com quem todos podemos nos identificar.