Paul McCartney

mini | 1 post, 16 discos

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Deixe-me livrar destes disquinhos antes que eles desapareçam completamente do meu HD, tudo bem? (Regra do jogo: textos injustamente curtos, porque a vida é assim mesmo).

Go Fly a Kite | Ben Kweller | Noise Co | C+ | Precocemente nostálgico (e talvez por isso um tantinho adorável e triste), como se Kweller tivesse completado 60 anos e não 30. Pode ser “lido” como um disco bem pé-no-chão sobre o fim da adolescência, ainda que o compositor não tenha amadurecido e siga irrelevante.

Hymns | Cardinal | Fire Records | C+ | Após quase 20 anos de hibernação, o duo americano retorna com um disco tão out of time quanto o début de 1994. É verdade que o Clientele fez isso tudo com mais finesse, mas não é desprezível o jeito como eles vão “estragando” canções pop com detalhes psicodélicos (um vocal distorcido, um efeito de teclado etc). Teias de aranha everywhere, mas tem seu encanto.

I Am Gemini | Cursive | Saddle Creek | C | O conceito é juvenil demais para ser levado a sério (vai mais ou menos assim: o bem e o mal num confronto dentro de uma casa), mas dá à banda certo ânimo para seguir compondo. Ainda assim, não me convidem pra jogar esse RPG-indie de novo.

Django Django | Django Django | Because Music | B | Um dos ídolos do quarteto é o Beta Band, e que bom: um disco que dá a sensação de se transformar a cada faixa, em constante movimento de autodestruição/recriação, e, apesar de gordo (até nisso eles imitam o BB), que entretém mesmo quando as mutações soam como esboços que mereciam ser deletados antes de virar MP3.

Have Some Faith in Magic | Errors | Rock Action Records | B | Aquilo que alguns chamariam de pós-rock, só que com mais vivacidade que letargia. Disco a disco, a banda vai encontrando um som pra chamar de seu, e isso é bonito de notar.

The Year of No Returning | Ezra Furman | Independente | C+ | Furman ainda não sabe exatamente o que quer, e se sai melhor como um discípulo de Bruce Springsteen (American Soil é ótima) que de Jeff Tweedy. A acompanhar.

Interstellar | Frankie Rose | Slumberland | B | Musa indie nova-iorquina floating in space, num CD que oscila do synthpop ao shoegazing, e por isso muitíssimo gostável e up-to-date (vide as reações muito positivas na imprensa americana). É mesmo um doce, mas eu prefiro as faixas mais dançantes às mais morosas – e é um tanto breve, não?

MU.ZZ.LE | Gonjasufi | Warp | B | Outro álbum curto, muito curto, que deixa uma série de promessas em stand-by. A faceta hip-hop do compositor não parece ainda bem resolvida, e o que ouço são rascunhos, só que não consigo ignorar um disco que atira tantas boas ideias ao vento.

A Sleep & a Forgetting | Islands | ANTI- | C+ | Ainda me parece pouco convincente (e não muito natural) essa transformação do Islands numa banda menos delirante e mais mundana, e o disco acaba tomando o caminho fácil de optar por um som genérico, superficial, cheio de chavões de country rock. Enfim: mais para Bright Eyes e Girls que para um Lambchop.

Born to Die | Lana Del Rey | Interscope | D+ | Nem princesinha deprê, nem monstrengo pré-fabricado: apenas uma (mais uma) estrela pop desnorteada dentro de um EP grandalhão, feito às pressas, toscamente produzido, e que esvazia terrivelmente após a quinta faixa. Tem Video Games, daí o +.

Kisses on the Bottom | Paul McCartney | Hear Music | C+ | É um disco sincero de crooner, perfeito para animar bailes de terceira idade e (se você tiver ânimo) com algumas pistas que explicam certas referências embrionárias dos Beatles. Mas Paul não precisava disso.

Habits and Contradictions | Schoolboy Q | Top Dawg | B+ | Um tema recorrente (sexo, sexo e sexo), mais de uma dezena de boas ideias sonoras (a faixa com sampler de Portishead, apesar de óbvia, empurra o disco surpreendentemente para o dark side), ainda que repetitivo e dispersivo demais. Um bom editor fez falta. Ouvi muitas vezes e aviso: ele vai melhorando.

Animal Joy | Shearwater | Sub Pop | C+ | Um disco de rock sisudo e monocromático (ainda se faz isso?) como os primeiros do Pearl Jam e do Alice in Chains, que não soaria estranho se tivesse sido lançado no início dos anos 90. Até a capa me deixa com saudades das camisas de flanela, mas péra lá: o álbum acabou cinco vezes e ainda não descobri o que há de particular no Shearwater.

Young and Old | Tennis | Fat Possum | D+ | Com uma palheta de referências parecida, o Hospitality fez um álbum muito agradável este ano. O Tennis parece fadado a ser uma espécie de She & Him de segunda divisão – lamentável e desnecessário, portanto.

This Something Rain | Tindersticks | Lucky Dog | B | Mais um disco muito digno e elegante do Tindersticks (como todos os outros, aliás), ainda que eu acredite que ele vá perdendo a força assim que a primeira faixa (de nove minutos, e excelente) termina.

Sounds From Nowheresville | The Ting Tings | Columbia | D+ | Uma banda pop muito limitada tentando, hum, break on through to the other side: raramente dá certo. Se a ideia era nos deixar com saudades de That’s Not My Name, conseguiram. Parabéns, Columbia, cês tinham razão.

Paul McCartney, 21 de novembro, São Paulo

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Tentei telefonar para meu pai. Ninguém atendeu. Tentei novamente e nada. Talvez o homem estivesse na casa da minha avó, foi o que pensei. Liguei para minha avó. E nada. “Saiu, não disse pra onde”. Pedi a bênção. “Não vejo a senhora há quanto tempo? Quanto tempo mesmo? Dois anos? Três?”

Eu, o neto melancólico. Ela, a avó invisível. O tom de voz era aquele que eu conhecia desde pequeno. Sereno. Se o tom de voz estava ok, então minha avó seguia ok. Irradiando otimismo e bondade para todo o sempre, amém.

Antes de desligar o telefone, perguntei sobre meus primos. Tudo bem? Tudo bem. Então tudo bem. Então ok. Ligue mais. Vou ligar, vou sim.

Voltei ao início da aventura. Telefonar para meu pai: uma aventura. Mais três tentativas. Três e, sem resposta, finalmente desisti de procurar meu velho. Só por hoje. Volto a telefonar amanhã (era esse o plano). Depois do almoço, no período da tarde (é esse o plano).

É como as coisas funcionam: posso falar com meu pai quando bem entendo. Para isso, preciso clicar um botão no meu telefone que dispara um número memorizado na minha agenda. Meu pai pode ligar para mim quando bem entende. Para isso, precisa discar o DDD, o número do meu telefone e pagar uns trocados a mais. Um processo simples, banal, mas raramente conversamos.

E raramente conversamos porque não temos o que conversar. Estamos cada vez mais separados um do outro. Fisicamente, psicologicamente; de todas as formas. Uma relação que se tornou impossível. Talvez por culpa dele (mas não o culpo; eu o amo). Talvez por minha culpa (ainda que eu não identifique culpados no nosso drama). Talvez porque as nossas histórias de vida tenham apontado para direções inevitáveis, que nem sempre nos matam de orgulho.

O que sobra do meu pai é um reflexo, vestígios, filetes de memórias, uns cacos miúdos. Nada muito sólido. Lembro das feições do rosto (e lembro quando olho o espelho; sou uma cópia fiel). Lembro do jeito como ele anda (como um gorila de desenho animado, e também ando um pouco assim). Lembro do sorriso, das desculpas preguiçosas que ele usa para não resolver os problemas, do raciocínio manso; acredito que, mesmo sem ter vivido com ele, herdei tudo isso.

Mas encontro meu pai, principalmente, quando volto às canções que ele me ensinou a ouvir.

E todas elas, todas essas músicas e lugares e memórias (minha infância, minha família, meu passado, o que lembro e deixo de lembrar), estão armazenadas em discos dos Beatles.

A música, você sabe, sequestra nossos sentimentos e os arquiva para sempre. Um acorde pode disparar lembranças longínquas, impressões confusas, cenas traumáticas, acidentes e desilusões, o medo e os amores, o cheiro da adolescência. O tempo passa, mas o passado permanece congelado dentro das músicas que (talvez contra nossa vontade) mapearam a nossa vida.

Por isso, a associação é imediata: ouço Beatles e vejo meu pai. As canções remontam cenas muito específicas, criam uma narrativa. Meu pai na sala gravando Rubber soul em fita cassete para que eu ouvisse no meu quarto. Meu pai ensinando as diferenças entre Revolver e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Meu pai recomendando para que eu ouvisse Abbey Road “mais tarde, não é um disco simples”. E que o Álbum Branco era para adultos (o que só fez disparar minha curiosidade em relação a ele, o meu favorito da banda).

Meu pai defendia o Paul McCartney e, talvez como uma reação instintiva, me tornei um grande entusiasta das loucuras de Lennon. Para meu pai, o segredo do universo está codificado na melodia de Yesterday. Sempre fui do time de Dear Prudence.

O importante é que, por muito tempo, os Beatles eram o único ponto de contato entre as minhas experiências e as do meu pai. Nossa passarela. Sem os Beatles, eu não admiraria o sujeito da forma como o admiro. Ele seria apenas um pai ausente. Talvez ele se diluiria por completo da minha vida.

Era por tudo isso, por todos esses significados contidos nessas músicas, que hoje eu queria tanto, tão desesperadamente, falar com meu pai. Conversar com ele. Abriria a conversa com um bombástico “ei, pai, vi o Paul” – só para ouvir a reação do homem. Susto? Indiferença? Uma risada? Nada?

Além de espetáculo extraordinário (um dos mais tocantes que vi na vida), um show de Paul McCartney desperta todo tipo de impressão e lembrança num público que une jovens e adultos, crianças e avós. As canções pop, essas cápsulas de sensações, se adaptam ao temperamento de quem as ouve. No caso dos Beatles, que escreveram algumas das mais queridas do século 20, esse efeito de catarse ganha o poder de um fenômeno natural incontrolável. São as músicas que nós escolhemos (ou que nos escolheram) para encapsular as nossas memórias, trechos das nossas vidas.

Durante o show, me peguei tentando adivinhar o que All my loving representava para a menina de 13 anos que acompanhava os movimentos do ídolo com uma câmera digital. Qual era o sentido que ela impregnou àquela canção? Depois, notei um quarentão tirando os óculos para secar lágrimas que caíam durante Something. Qual teria sido o poder daquela canção naquela pessoa? Não sei. Possibilidades infinitas.

No meu caso, me surpreendi com canções que me emocionaram. No início do concerto, admito que não consegui criar o elo entre o homem de 68 anos que entrou no palco e aquele rapaz corretinho de Liverpool que, nos anos 60, interpretou as músicas que me aproximaram do meu pai. Algo parecia errado. Algo parecia solto no tempo, desprendido do espaço, como se aquele homem não tivesse o direito de reavivar uma canção como All my loving, que deveria existir apenas nos nossos discos, nos nossos cérebros, nas nossas fitinhas antigas e gastas.

Aconteceu que, pouco depois, o show começou a fazer sentido com tanta velocidade que me engasguei, perdi o ar. Foi durante Drive my car, uma canção não tão pungente quanto Yesterday ou Something ou Hey Jude, mas que, para mim, soou fatal. Soou como um estrondo. Quando as 64 mil pessoas começaram a cantar em coro, aconteceu o milagre: eu estava novamente na casa do meu pai, conversando com ele, ouvindo Rubber soul numa tarde de sábado. Senti até a temperatura da sala. Senti a paisagem fora da sala.

O segundo golpe veio com Blackbird. Paul vai ao centro do palco, a banda se recolhe e sozinho, ele é acompanhado apenas pelo dedilhado de violão. O público reconhece a música e grita, quer chutar a porta da canção. Mas é a voz de Paul que flutua sobre o coro. A confusão está feita: quem canta a música? O Paul de hoje ou de ontem? O que aconteceu com o tempo? Por que aquela canção que ouvimos tantas vezes voltou a nos tocar? Antes que eu tentasse responder qualquer uma dessas perguntas, chorei mais uma vez.

Chorei sem saber por que eu chorava. Depois tentei entender. Mas tai algo que, horas depois do show, ainda me parece um tanto misterioso.

Depois de A day in the life, imaginei como seria se meu pai estivesse comigo naquele show. Possivelmente ele esconderia o choro. Tai: nunca vi esse cena, meu pai chorando. Nem aos 30 anos, nem aos 40, nem aos 50. Desconfio: não conheço meu pai. Dele tenho apenas uma imagem superficial. O rosto duplicado no meu rosto, projetado numa canção de Lennon e McCartney.

O show de Paul é simples o suficiente para permitir que entremos nele. Não nos afasta; nos abraça. Não é maior do que as nossas memórias – está à mesma altura delas, ele as envolve. O único momento de pirotecnia (em Live and let die) soa mais como um exorcismo (nossa catarse explodindo em fotos de artifício) do que mera demonstração de poder e dinheiro. Estamos em outro mundo. Não somos ingênuos, entendemos a máquina milionária que opera um show cujo repertório se repete, até de forma previsível, noite após noite. Mas aceitamos o jogo, precisamos do jogo, o jogo nos alimenta: Paul nos conduz a esse túnel largo onde confrontamos nossa própria história e o passado da música pop.

Yesterday, portanto, é a chave do show (e talvez da carreira de Paul).

E, depois da música, lá no segundo bis, o espetáculo passa a parecer até didático. Paul revê a própria trajetória, dos anos 60 aos 2000, para comprovar a eternidade das canções que escreveu. Elas sobreviveram. Mais do que isso: elas se renovam. Elas estão no ar. Elas venceram. Elas estão acima da nossa capacidade de compreender o efeito que elas provocam em nossos corpos, na cabeça, no peito, nos nossos ossos.

Duas horas depois do show eu ainda não sabia por que havia chorado em Blackbird. Descobri hoje pela manhã, quando o avião aterrissou em Brasília e encontrei uma cidade coberta por neblina. Lembrei de um dia em que eu viajei com meu pai para uma cidade muito fria (não lembro o nome, infelizmente) e Blackbird era a música que eu ouvia insistentemente no Walkman. Um período complicado: o velho não parecia confortável dentro de um segundo casamento, havia perdido o controle de uma rotina que não o entusiasmava. Era terrível de ver. Num dia, muito cedo, pediu o Walkman e começou a ouvir a fita. Ele estava recolhido na varanda, mas espiei a cena. Meu pai assobiando a música, com o olhar perdido, triste, pássaro sem penas.

Ali (eu tinha uns 14 anos) percebi que aquele homem nunca não me defenderia de nada. Era uma pobre alma. Um fraco. E um exemplo que acabei seguindo, mesmo à distância. Quando Paul interpretou Blackbird, talvez eu tenha sentido um tanto daquele desespero que meu pai sentiu. Hoje, aos 31 anos, já desencantado e cansado, eu o entendo.

Acredito que foi por isso, por causa de Blackbird e Drive my car, que tentei telefonar para ele logo que cheguei em casa. Para falar do show, talvez só por isso. Não: para pedir ajuda. Um conselho, uma informação útil, uma dica. E agora, pai, pra onde eu vou?

Sei, sei bem, que ele responderia com uma frase vaga, inútil, ficaríamos em silêncio. Um, dois, dez minutos. E nosso único elo voltaria a se esconder em canções que, quando amplificada pelas caixas potentes de um megaconcerto de rock, ainda me fazem chorar.

A day in the life | Neil Young e Paul McCartney

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Caramba, emocionante isso.

No Hyde Park,em Londres, sábado à noite, Paul McCartney praticamente invadiu o show do Neil Young para dividir o microfone numa obra-prima dos Beatles.

Agora repare na letra. Não sei se eles calcularam uma homenagem ao Michael Jackson, mas está tudo ali. “I read the news today, oh boy…”

Pelo visto, eles levaram ao pé da letra o conselho do Jacko: “heal the world, make it a better place”… E agora deixem-me voltar ao trabalho, ok?