Outkast

Os discos da minha vida (29)

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A saga dos discos que incineraram a minha vida chega a um episódio muito-muito caloroso: dois clássicos da minha discoteca particular. Bolachinhas sagradas que ouço com cuidado, até para não evocar as santas melodias em vão.

God bless ‘em.

Antes que você novamente se confunda todo, deixe-me explicar as regras deste ranking fervente: são 100 álbuns, organizados numa ordem mui subjetiva que diz respeito apenas a este que vos escreve.

Se você perguntar “Tiago, qual é o critério desta bagunça?”, eu vou gaguejar, olhar para o teto e correr soluçando pro banheiro. Foi mal, gente, são normas sentimentais e sentimento a gente não explica, a gente sente, a gente experimenta, a gente vibra, etc.

Entenda o seguinte: são os discos que, de certa forma, fizeram de mim um homem mais plano. Uma pessoa mais humana, mais vertebrada, mais gente. Manja? Então. E desculpe se pareço meio meloso hoje – é que acabei de sair de um desses fins de semana que amaciam nosso coração, um desses fins de semana que convertem assassinos mancos (não era meu caso, tou usando exemplo!) em missionários pacíficos, em ativistas ecológicos.

Não me culpem. Está tudo bem. Tudo azul. E não pensem em abandonar o blog por conta disso. Vai ficar bom. Vai ficar melhor. Vai ter bolo!

Antes que eu me afogue de vez no meu idílio (e taí uma das 1001 coisas que você precisa fazer antes de morrer: se apaixonar), continuamos com a longa caminhada rumo ao meu disco-xodó-number-one, que vai aparecer aqui sabe-se lá quando (talvez no dia de São Nunca, há!). E, se você não conhece estes dois discos aqui, o download é obrigatório, sem desculpa. Certinho? Então tá (e me despeço usando minhas mãos pra fazer o sinal da pomba da paz, té mais).

044 | Stankonia | Outkast | 2000 | download

Ouvi tantos discos de hip-hop que não há como fazer a soma, e (em algum momento eu teria que admitir isso, que seja agora) fui sim um daqueles adolescentes cagalhões que invejam os negões do rap por motivos que nem eles – os adolescentes cagalhões – conseguem explicar. Mas eu poderia resumir todos os meus discos preferidos do gênero neste aqui, Stankonia. Tudo o que admiro no hip-hop (e no Outkast) está contido nestas 24 faixas: fúria & franqueza, poesia & putaria, invenção & curtição, graça & troça. Os discos de Big Boi e Andre 3000 são incontroláveis e excessivos por natureza (e é disso que gostamos), mas este aqui faz do caos uma espécie de parque temático, um saboroso bufê de mil opções. Um disco que deseja loucamente nos atiçar com sons e ideias que talvez não tenhamos ouvido em outro lugar – e faz de tudo para cumprir um objetivo que, honestamente, me parece um dos mais dignos quando se fala em música pop. Top 3Ms Jackson, So fresh so clean, B.O.B.

043 | Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band | The Beatles | 1967 | download

Quando eu era um moleque e precisava de orientação para não me preder na Beatlecity, meu pai sempre foi o meu pastor. E ele dizia o seguinte: “Sgt. Pepper’s soa como o melhor disco do mundo, todos estão certos. Mas não ouça muito. Que enjoa.” Daí que talvez eu tenha ficado com medo dos riscos de me apegar demais ao álbum.  No catálogo do fab four, é o que menos ouvi – mas cada audição, talvez como uma recompensa pela parcimônia, provoca em mim o efeito brutal de um descobrimento. A mais recente, quando comprei a versão remasterizada do CD, me deixou às lágrimas, percebendo detalhes que eu não havia reparado antes. Nem sei se eu deveria incluir este disco no ranking porque não faço ideia se já o entendo. E não há exagero nisso: todos os outros discos dos Beatles me parecem tangíveis. Este aqui soa perfeito, por isso intocável, por isso misterioso. Não sei se enjoa (talvez sim: é um álbum preciso, mas composto por canções barrocas, exuberantes, que talvez cansem quando não se está no espírito para guloseimas de mil folhas), mas continuo seguindo a recomendação do meu pai. Ouço sim. De vez em quando. Top 3: A day in the life, She’s leaving home, Good morning good morning.

Sir Lucious left foot: the son of Chico Dusty | Big Boi

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Há mais ou menos 10 anos, o OutKast era praticamente o reino de André 3000. Ele era o rapper de criatividade incansável, o showman hiperativo e destemido, o entertainer que parecia ocultar uma quantidade infinita de ideias alucinadas. O hitmaker. O mágico de circo.

É claro, sim, havia Antwan Patton, o Big Boi. Mas ele não parecia se incomodar muito com a pecha (injusta, veremos a seguir) de vice.

O ápice comercial da dupla (o single Hey ya!, em 2003) se converteu numa medalha dourada para André 3000. Com justiça, aliás: o hit estava no “disco solo” do moço, The love below – que, junto com Speakerboxxx, formava o quinto álbum do OutKast.

Lembro muito bem de quando aquele disco duplo (uma joia) foi lançado. Em um primeiro momento, a impressão era de que todos estavam enfeitiçados por The love below, a face mais sortida (fortemente influenciada por Prince, mas também por eletrônica, soul music e até space rock).

Mas, com o passar do tempo, começou a aparecer uma onda favorável a Speakerboxxx, um projeto menos feérico, um “álbum de hip-hop” quase típico. Há quem diga que é um disco mais sólido, duradouro, que vai nos conquistando mesmo quando a poeira baixa.

Eu, honestamente, não tenho um favorito. Eles se completam, como costumam dizer.

Acredito que mora aí, nesse contraste, a principal diferença entre André 3000 e Big Boi (e a razão da crise do OutKast): enquanto André procura o impacto imediato e o susto (daí o crossover com o pop e o rock), Big Boi prefere a criação lenta e firme a partir de elementos do hip-hop, do funk e da soul music. São dois humores.

O primeiro disco solo de Big Boi, Sir Lucious left foot, tem uma estrutura muito parecida à de Speakerboxxx: concentra uma quantidade generosa de faixas muito sólidas, redondas e às vezes densas – que, por isso, crescem com repetidas audições. É como se, ao contrário de André 3000, ele preferissa guardar as próprias ideias por anos a fio, até que elas finalmente se transformassem em singles completos – com início, meio, fim – de hip-hop.

Antes mesmo do lançamento, o álbum já rendeu cinco singles – e aposto que, para a alegria da Def Jam Records/Universal (que o tirou da Jive Records/Sony) renderia muito mais. Big Boi é o sujeito que só grava o que, para ele, precisa ser gravado.

Pode parecer uma tolice falar em concisão quando o assunto é um disco de 15 faixas e 55 minutos de duração, mas o álbum soa até econômico: cada faixa investiga uma ótima ideia (um som, um sampler, um efeito), a começar pelos climas de fita policial dos anos 70 de Feel me, pelo arranjo jazzy de Turns me on e pelo tempero oriental de Tangerine. Isso tudo dentro de um modelo que, para o gênero, beira o convencional (com um elenco numeroso de participações especiais e produtores).

A quem está surpreso com o altíssimo nível do disco, portanto, recomendo voltar a Speakerboxxx. É que, francamente, não há muitas novidades. Big Boi sempre foi assim: um sujeito que não se impressiona com passes de mágica (e é até curioso que ele tenha descoberto Janelle Monáe, que soa muito mais como uma discípula de André 3000). Para Patton, o desafio é alterar sutilmente estruturas que soam familiares, criar as rimas exatas e, ao mesmo tempo, singulares. É uma invenção serena, quase secreta.

Nisso, este disco solo não falha. Há algo de extraterrestre em faixas como You ain’t no DJ, toda construída com ruídos quebradiços (e produzida por André 3000, veja aí). E não me canso de voltar à excelente Shine blockas, que vai virando um drum ‘n’ bass cheio de foreios psicodélicos. Como André, Big Boi sabe se divertir.

Mas também sabe (e isso é importante) criar álbuns de hip-hop com a gravidade, a densidade sonora dos grandes discos do gênero. E aí falo de um The blueprint, do Jay-Z, ou de um It takes a nation of millions to hold us back, do Public Enemy, de um Illmatic, do Nas. Big Boi ainda não ameaça os “clássicos”, talvez por não marcar os versos com um discurso tão poderoso e particular quanto a base musical (mas, ainda assim, “sharp as broken glass”).

Big Boi não tem pressa para atingir a linha de chegada. Ele quer correr bonito. E Sir Lucious left foot, junto com Speakerboxxx, prova que, se preferir, ele não precisa mais se submeter a provas de revezamento.

PS: E taí um exemplo de como o som de Big Boi nos contagia lentamente – na quinta ou sexta audição, um pouco depois de ter escrito este texto, descobri que não há uma única música neste disco que me desagrada. E há pelo menos quatro que são extraordinárias. Nada disso é uma questão de matemática, mas desconfio que estará entre os meus preferidos do ano.

Primeiro disco solo de Big Boi. 15 faixas, com produção de L.A. Reid, Organized Noise e outros. Lançamento Def Jam Records/Universal. 8/10. 8.5/10

Follow us | Big Boi

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Big Boi quer que você o siga. Mas ele não é homem de poucos caracteres. O disco solo do sujeito (a metade mais centrada do Outkast), Sir Lucious left foot: The son of Chico Dusty, tem 15 faixas, dois bônus e, acredite em mim, não soa nada excessivo (em breve, prometo escrever um textinho sobre ele). O clipe é mais simples: mulheres, carrões, casacos de pele, óculos transados, um refrão que não nos abandona jamais – tudo aquilo que faz um rapper feliz.

50 discos para uma década (parte final)

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Em Brasília, são 22h. Vamos terminar esta novela?

Primeiro, devo lembrar (até para os que chegarem depois) de mais uma fornada de discos que ficaram de fora da lista. Infelizmente, não tem lugar para todo mundo entre os meus 50 favoritos da década. Mas vejam a situação com otimismo: se muita coisa boa foi limada da lista, isso significa que vivemos uma década (musicalmente, pelo menos) muito inspirada e devemos ficar felizes com isso. Certo?

E, também para a posteridade: os vencedores foram anunciados ao vivo, com o apoio de uma conexão precária e ao som do greatest hits do Blur.

São eles (em ordem alfabética): Boy in da corner, Dizzee Rascal, For Emma, forever ago, Bon Iver, From a basement on the hill, Elliott Smith (hors-concours), The Futureheads, The Futureheads, Good news for people who love bad news, Modest Mouse, Heartbreaker, Ryan Adams, The hour of bewilderbeast, Badly Drawn Boy, In search of…, N.E.R.D., Jim, Jamie Lidell, Microcastle, Deerhunter, Myths of the near future, Klaxons, Parachutes, Coldplay, The runners four, Deerhoof, Since I left you, The Avalanches (heresia ter ficado de fora!), The Carter III, Lil Wayne, Vampire Weekend, Vampire Weekend, XTRMNTR, Primal Scream.

E prometo não demorar muito entre um post e outro (sabe como é: tem muito texto, isto deu um trabalhão e eu gostaria de verdade que vocês lessem pelo menos a primeira frase de cada um dos comentários, por favor).

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10. Smile – Brian Wilson (2004)

A história ainda parece inacreditável: quase 40 anos depois, Brian Wilson finalmente concluiu uma das grandes obras fantasmagóricas da música pop. Só por isso – esse esforço obsessivo, heroico – Smile já seria um monumento. Mas não fica nisso. Os fãs dos Beach Boys já conheciam as músicas que estão no disco, mas não faziam ideia de um detalhe fundamental: juntas, as peças do quebra-cabeças finalmente se encaixam numa sinfonia pop que, além de soar deslumbrante do início ao fim, esclarece as ambições do projeto e (ainda que tardiamente) leva adiante as loucuras de Pet sounds. Curiosamente, em tempo de Flaming Lips, Animal Collective e Fiery Furnaces, as experiências de Wilson soaram novas. De novo.

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9. Discovery – Daft Punk (2001)

“O disco tem muito a ver com a nossa infância e com as memórias que temos daquela época. É sobre nossa relação pessoal com aquele período. É menos um tributo a uma era musical (de 1975 a 1985) e mais a forma que encontramos de focalizar o tempo em que tínhamos menos de 10 anos de idade. Quando você é criança, você não julga ou analisa música. Você gosta porque gosta. Você não quer saber se é cool ou não é. Este disco encara a música de uma forma brincalhona, divertida e colorida. É sobre a ideia de olhar para algo com a mente aberta, sem fazer muitas perguntas. É sobre a relação verdadeira, simples e profunda que temos com a música”, Thomas Bangalter (e só tenho duas coisas a acrescentar: é o grande momento do Daft Punk e um modelo para quase tudo o que foi feito em electropop na década).

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8. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective (2009)

Uma lista séria sobre a década deve conter pelo menos dois álbuns do Animal Collective, uma banda que gravou o primeiro disco exatamente em 2000 e chegou madura a 2009. Além de Merriweather Post Pavilion, que é a obra-prima deles, eu escolheria Feels, o auge da psicodelia folk que eles experimentavam desde o início da carreira (e que deu no também genial Sung tongs). Em Strawberry jam, outra cria excelente, a sonoridade pesou num tom áspero, mecânico e quase sempre perturbador. Difícil escolher um só. Mas Merriweather, dois passos a frente dos outros, consegue sintetizar tudo o que eles fizeram e apontar para o futuro. Um disco que brinca com uma eletrônica feérica, eufórica, e explora o lado mais emotivo dos versos, que, mesmo quando voltam-se às memórias de infância, não deixam de enfrentar as incertezas do mundo. Uma banda em progresso, crescida, segura de si mesma – e ainda sim, ainda estamos assustados.

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7. Funeral – Arcade Fire (2004)

Visto de longe, o primeiro disco do Arcade Fire não parece muito complicado: conhecemos muitos álbuns sobre a morte. Além do mais, os canadenses não foram os primeiros a fazer indie com escopo e vocação para estádios. Ainda assim, Funeral ainda soa como um disco peculiar, inimitável (e não foram poucos os que tentaram imitá-lo). Poucas obras confessionais têm um conceito tão bem definido – e todas as cinco primeiras faixas soam como a trilha de um filme – e um desejo tão intenso de criar melodias inesquecíveis, perfeitas (e aí vale citar Pixies, U2, pop francês, space rock americano e o diabo a quatro). Uma marcha fúnebre que celebra a vida – eis a bela contradição deste belo disco, uma surpresa que a banda não conseguiu superar (no segundo eles seguiriam um caminho mais dark e épico).

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6. Yankee hotel foxtrot – Wilco (2002)

Até o fim dos anos 1990, o Wilco era uma banda de country rock insatisfeita com a camisa-de-força do gênero. Em Summerteeth, eles brincaram com a psicodelia sessentista, mas o resultado ainda soava polido, como se faltasse coragem para dar o grande salto. Ele viria com Yankee hotel foxtrot, um disco de certa forma maldito, já que rejeitado pela gravadora (dizem até que os executivos ouviram e acharam uma porcaria), e que mostra uma banda em transe. Foi lançado só depois de ter virado objeto de culto na internet, e ainda soa como uma espécie de milagre. Cada vez mais interessado no art rock dos anos 1970 (um estilo, nos discos seguintes, seria lentamente diluído em soft rock), Jeff Tweedy aproveitou-se da produção de Jim O’Rourke para criar uma obra instável, tortuosa, imprevisível e desiludida – um instantâneo da América do início do século. Ainda parece frustrante que a banda tenha optado por, depois disso, seguir um caminho confortável (ainda que o seguinte, A ghost is born, seja todo espinhoso e também belíssimo). Houve um momento, no entanto, em que eles encontraram a sintonia perfeita com o tempo em que vivem.

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5. The grey album – Danger Mouse (2004)

Por que não? Essa perguntinha meio banal deve ter motivado o DJ Brian Burton (Danger Mouse) a cometer a heresia mais brilhante da década: arrombar o cofre dos Beatles, pilhar o tesouro mais sagrado da música pop e combinar os clássicos do Álbum Branco com os hits do Black album, recém-lançado por Jay-Z. Dois discos separados por algumas décadas, mas que, um menos explicitamente que o outro, sugerem uma mesma atmosfera de despedida. A mutação genética não é perfeita (e há faixas truncadas, tortas), mas tem um valor histórico que ainda não conseguimos medir. O disco que esfregou a era da internet na fuça das gravadoras? Um ato de vandalismo artístico? Uma amostra de que nada mais é sagrado? Sinal dos tempos (e apenas isso)? Quem não se importa com esse tipo de análise ainda leva de brinde algumas das canções mais divertidas de todos os tempos. É aquela coisa: proibido é mais gostoso, né não?

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4. White blood cells – The White Stripes (2001)

O White Stripes é a melhor gag da década: um homem e uma mulher que se vestem de vermelho e branco e soam como se uma banda de garage rock tivesse resolvido fazer versões toscas para o repertório do Led Zeppelin. A fórmula de Jack e Meg White ilustrou perfeitamente uma época que elegeu o minimalismo ruidoso como sabor da estação e contraponto aos excessos do rock do final dos anos 1990 (de certa forma, essa foi a nossa interpretação para o punk dos 70 e o grunge dos 90). E, para nosso espanto, White blood cells trazia algo além de contenção e explosão: revelava uma banda de rock com tutano e ambição – e capaz de citar Cidadão Kane em meio a um esporro pós-punk (cinco pontos só por isso!). Os dois discos seguintes são tão bons e relevantes quanto, mas esta aqui é a cápsula que contém todos os segredos e manias do casal 2000. E nem preciso comentar Fell in love with a girl. Preciso?

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3. Stankonia – Outkast (2000)

Olhe para a década: os grandes discos de hip hop lançados nos últimos 10 anos são os musicalmente irrequietos, que forçam os limites do gênero e saem furiosamente para a aventura. Jay-Z, Kanye West , à frente deles, o Outkast. Depois de ter implodido dentro de um maravilhoso e louco álbum duplo (Speakerboxxx/The love below), o duo acabou perdendo parte do poder de influência que tinha no início da década. Mas não custa lembrar: até 2003, eles ditaram quase todas as regras, até dominar o pop por completo (com o hit Hey ya!) e deixar a cena sorrateiramente.

Há quem prefira os primeiros álbuns, também alienígenas, mas Stankonia hoje soa como o auge criativo de Big Boi e André 3000 — numa comparação ridícula, é o Sgt. Pepper’s deles (e, naquela época, não conseguimos antever o Álbum Branco). E um período de colheita generosa, com 24 faixas, 74 minutos e clássicos absolutos como Mrs. Jackson e B.O.B. Já estavam claras as diferenças entre André (o soulman insano) e Big Boi (o mano apegado a boas tradições) — mas, ali, elas se uniam numa química imbatível. Um daqueles discos imensos que nos deixam muito pequenos.

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2. Is this it – The Strokes (2001)

Lembro a primeira vez em que ouvi um single do Strokes (acho que The modern age): apaguei o arquivo de MP3 e fui procurar outro. A qualidade de som parecia terrível. Depois, envergonhado comigo mesmo, notei que o jogo era aquele: a atmosfera ruidosa das gravações (que pareciam saído de uma fita demo largada num estúdio abandonado de Nova York por volta de 1967) contava tanto, talvez mais, que as melodias e as letras. De qualquer forma, todos os elementos se complementavam. Sabemos tudo sobre o hype criado em torno deles — e provocado por uma imprensa inglesa que ainda era poderosa nesse ramo —, mas (ao contrário de queridinhos como The Vines e Kings of Leon) eles sobreviveram heroicamente a tudo.

Hoje, fica claro por que: Julian Casablancas honra a tradição dos grandes band leaders, sempre prontos a se rasgar de angústia diante do público (e o disco posterior, o ótimo Room on fire, aprofunda o tom desesperado e pessoal das composições) e Albert Hammond Jr entende tudo sobre o poder hipnótico de um riff palatável (o projeto solo do sujeito não nos deixa mentir). Uma banda simplesmente real. E oportunista, no bom sentido. Nenhum outro grupo soube aproveitar com tanta gana o revival do rock de garagem e do pós-punk: endividados tanto com o Velvet Underground quanto com o Ramones, eles restauraram Nova York como um fervilhante laboratório de rock. Taí, então: um dos poucos discos da década que merecem entrar numa lista não tão longa de grandes álbuns de todos os tempos.

radiohead

1. Kid A – Radiohead (2000)

Não importa se você ouviu ou não ouviu Kid A (ou se você prefere Hail to the thief – ninguém é perfeito): nenhuma discussão sobre o rock do início do século se sustenta sem alguma referência a este disco. É grande assim. Produzido num período de transição para a indústria musical, foi um dos primeiros a se integrar intensamente à onda da troca de arquivos via internet (na lista de melhores discos de 2000, a revista Spin deu o primeiro lugar apropriadamente para o hard drive dos computadores dos leitores, e em segundo ficou Kid A) — e, para muitos fãs, o “último suspiro” da era do álbum. De qualquer uma das formas, é um triunfo do timing. O disco certo para um mundo errado.

Se Ok computer se deixa afinar por tradições do rock — o progressivo, o pós-punk, o goth rock dos anos 80 —, Kid A derruba os dogmas e barras de segurança em busca de uma sonoridade nova, radicalmente atual (e, com o excelente In rainbows, a banda novamente confrontou ideias dadas como intocáveis). Com o esforço de se reinventar, o Radiohead renasceu como um projeto de eletrônica e jazz-rock capaz de compor canções fragmentadas, tortas, que transportam para o processo de composição toda a confusão que Thom Yorke sempre imprimiu às letras de canções. Antes, ele comentava a paranoia urbana, a opressão tecnológica. Com Kid A, converteu todas essas angústias em pura música. Dos sintetizadores sufocantes de Everyting in its right place à metralhadora eletrônica de Idioteque, tudo é agonia. E o mundo (da música, pelo menos) acordaria perturbado desse pesadelo.