Os anos 70
Os discos da minha vida (top 10)
No top 10 da saga dos 100 discos da minha vida, as regras do jogo mudam um pouco: um álbum indefectível por semana, com textos um tantinho mais robustos (mas ainda constrangedores de tão pessoais, porque o espírito do ranking é esse aí). E nada de prólogos, porque tudo foi dito- e o que não foi dito, meus amigos, agora merece o silêncio.
010 | After the gold rush | Neil Young | 1970 | download
Fico me perguntando: o que sentiam os meninos de 15 anos que ouviram After the gold rush em 1970, assim que o disco foi lançado? Faço uma acrobacia de imaginação para descer àquela época, mas é inútil.
Hoje, o disco é uma unanimidade. Quando organizam listas dos melhores dos anos 70, ele geralmente está lá, junto com um Clash, um Joy Division, um Nick Drake, um Lennon, um Stones. Ninguém discute: é clássico.
Tente, ó leitor, investigar na web. Você vai encontrar quatro ou cinco resenhas absolutamente positivas (e calculo apenas as fontes confiáveis) que ressaltam o que o disco tem de irrepreensível. A exceção é um texto publicado em 1970 na Rolling Stone — que avalia o álbum como uma aventura desnecessária na carreira de um bom compositor.
Eis o mistério: o que esperavam de Neil Young em 1970? Acredito que não era pouco. Naquela temporada, o canadense havia lançado um disco de country/folk com Crosby, Stills & Nash (Déjà vu, um sucesso enorme) e o single Ohio, que reafirmava o peso do álbum anterior, o muito elogiado Everybody knows this is nowhere. Tudo bem, tudo bom. Mas em seguida, o que fazer?
Talvez nada muito inesperado, respondia Young. Indo e vindo entre os extremos do músico, After the gold rush deve ter provocado certo desânimo, que o crítico da Rolling Stone rapidamente espelhou: estaria Neil Young matando tempo e afinando as cordas antes de surpreender o público novamente?
O tempo mostrou que essa questão era irrelevante: a carreira de Young oscilaria entre momentos mais e menos ruidosos. O movimento, na trajetória deste herói, se mostrou pendular. Entre guitarras altas e violões interioranos. Entre hard rock e country. Entre dois personagens: o guerreiro épico (envolto em feedback) e o rancheiro melancólico. Indo e vindo, subindo e descendo, para um lado e depois para outro.
Acontece que, na era de After the gold rush, esses dois temperamentos ainda não estavam totalmente definidos. Nem para os fãs, nem para a imprensa, tampouco para o próprio Neil Young. Harvest, que veio em seguida, era um disco mais coeso de country (com algo de loucura, lisergia). After the gold rush soa como um Young atípico, ainda “verde” (na arte do álbum, pelo menos), que tentava engaiolar referências às vezes dissonantes dentro de um LP.
Mas voltando à pergunta que abre este textinho tão modesto: o que teria sentido o menino de 15 anos que ouviu este disco em 1970? Eu, que tinha essa idade quando descobri o álbum (em 1995, se não me engano), admito que me senti um pouco intimidado. Acima de tudo, soava como um disco cheio de si, mesmo quando arriscava passos duvidosos (When you dance you can really love ainda me parece muito estranha).
Eu não conhecia absolutamente nada de Neil Young. Comecei por After the gold rush e depois segui com Harvest e Everybody knows this is nowhere. Não sei se tomei o caminho certo, no entanto foi o que aconteceu. Talvez Harvest seja igualmente impressionante, mas ainda penso em After the gold rush sempre que falam em Neil Young. Me parece um retrato perfeito. A síntese.
Inicialmente, o disco foi escrito como trilha sonora para um roteiro que não chegou a ser filmado. Mas quem precisa de filme quando se tem canções que delimitam um ambiente tão completo e tão poético (uma América de faroestes antigos e pistas de dança desoladas), que soam pessoais mesmo quando parecem contar histórias que pertencem a uma época muito anterior a Young, à invenção do rock? Filme pra quê?
Em 1970, talvez não esperassem de Neil Young um disco de canções de amor. Talvez seja isso. Deve ser isso. Da mesma forma como não esperavam de Bob Dylan, em 1969, a leveza de Nashville skyline. Em 1970, After the gold rush deve ter soado inadequado. Hoje, serve de bibelô agradável em estantes de discos. Obra-prima é obra-prima.
Acredito, no entanto, que o disco pode parecer ainda mais valente, ainda mais vívido, quando tentamos transportá-lo para a perspectiva da década em que foi lançado. Sei que é um esforço quase impossível, mas vale a fantasia. Porque After the gold rush era um disco outsider, frustrante de tão sentimental e antiquado. E, ao mesmo tempo, uma obra que criava um cenário alternativo, quase surreal, de homens solitários vagando em estadas inacabadas. “Tem uma banda tocando na minha cabeça”, Young avisa, na faixa-título. E não haveria motivos para reprimir o som bonito que ela, essa banda de um único homem, produz. Top 3: After the gold rush, I believe in you, Birds.
Após o pulo, veja os outros discos que apareceram neste ranking.
Os discos da minha vida (45)
A incrível, terrível, estranha (porém previsível) odisseia dos 100 discos da minha vida chega a um episódio especialmente mágico. É que estamos coladinhos no top 10, meus amigos, prontos para a última etapa de uma viagem que começou em… em… quando mesmo? Não lembro. Mas faz um tempão. Um tempão.
Estou pensando em alongar o suspense e, a partir do próximo capítulo, ir postando um disco por semana. O que vocês acham? Seria uma desculpa, é claro, para escrever um pouco mais sobre cada álbum, numa torrente quente (e desnecessária) de sentimentos e lembranças. Mas, se vocês preferirem, posso abreviar o novelão e ir aos finalmentes. Então? Vocês é que sabem.
Não custa lembrar que esta aqui é uma lista pessoal (por isso, sem ambições técnicas, talvez filosóficas) de discos que marcaram a minha vida. Esse critério explica por que há muitos álbuns dos anos 90, época em que eu era adolescente (e cada disco era uma questão de vida ou morte). Aqui, Elliott Smith vem antes dos Rolling Stones. Mas acho que só aqui mesmo.
No mais, não existe nenhuma incoerência nisso: no meu ranking de discos mais importantes, influentes, venerados, desejados, adorados etc, não tem Elliott Smith (coitado do homem, mas a vida é assim).
Esta semana, em vez de tecer defesas rocambolescas e apaixonadas para álbuns que são unanimidades, vou seguir jurar fidelidade à lógica desta série de posts e escrever textinhos também muito íntimos, sobre como eu encontrei esses dois álbuns extraordinários e como eles me atropelaram sem que eu percebesse. Simplezinho, ok? Ok.
012 | Automatic for the people | R.E.M. | 1992 | download
O meu primeiro do R.E.M. foi Out of time (1991), uma fitinha-cassete adorável que ganhei de aniversário e ouvi alegremente até o dia em que meu microsystem resolveu trucidá-la com uma mordida. Foi triste. Mas, um ano depois, aquele álbum colorido e melodioso já parecia pertencer à minha infância. Existia uma distância enorme que nos separava, e Automatic for the people chegou como que para mostrar que o R.E.M. estava ciente disso. Aquele era um disco mais cinzento e rarefeito, mais ou menos como eu me sentia em 1992, ano em que me mudei do Rio de Janeiro para Brasília. Depois descobri que era uma espécie de tratado sobre morte e luto, mas na época me parecia um aviso sereno de que uma fase na minha vida havia acabado. So long, meninice. Também era o disco que me uniu ao meu padrasto num período em que mal nos entendíamos. Criou-se um elo, finalmente. Em 1992, Automatic soava como uma ladainha talvez adulta demais, límpida em excesso, um sinal cristalino emitido de um radar distante, velho, suspenso no tempo. Um disco que sempre esteve lá, out of time. Hoje vejo apenas como um álbum lindamente polido, obra-prima desde o berço, perfeito demais para ser verdade. Top 3: Nightswimming, Drive, Everybody hurts.
011 | A tábua de esmeralda | Jorge Ben | 1974 | download
O disco de Ben, o meu brasileiro preferido, me leva ao tempo em que eu aprendia violão (sem muito sucesso). O professor fazia de tudo para defender a delicadeza sublime e a eternidade das batidas da bossa nova, mas aquilo me aborrecia de tal forma que eu acelerava as lições para chegar aonde eu queria: nos Beatles. As melodias que me atraíam eram as de Jorge Ben, os sambas do início de carreira, mas o professor dizia que eu não estava pronto para elas. E me indicou A tábua de esmeralda, uma “suruba de violões, muito louca” (nas palavras do sujeito, sempre muito saidinho). Quando ouvi o disco, saquei imediatamente o que ele quis dizer: não lembro quantas vezes reprisei a introdução de Os alquimistas estão chegando, tentando entender como aquilo era feito. E realmente soava como uma sandice: o Ben que deslizava naquelas músicas não era o malandro galante&sacana dos anos 60, mas um guru louco e genial, tentando engavetar os segredos do universo dentro do refrão – será que Philip K. Dick ouviu aquilo ali para escrever Valis, de 1981? Mas foi quando ouvi o ingrês de Brother que bateu o alívio: então temos o direito a criar músicas que soam como jogos infantis, canções sem sisudez alguma? Depois daquela revelação, as aulas de violão ficaram mais divertidas. Top 3: Brother, Os alquimistas estão chegando, Magnólia.
Após o pulo, veja os discos que já apareceram neste ranking.
Os discos da minha vida (44)
Enquanto aperto as roupas na mala para sair de férias logo mais (cinco ou oito pares de meia?, eis a questão), deixo vocês com mais um capítulo da saga dos 100 discos da minha vida.
Lembrando que, apesar da falta de entusiasmo do blogueiro (é uma viagem longa, estou um caco!), estamos muito perto de entrar naquilo que chamariam de reta final. Isto é: o top 10 vem aí.
Ok, eu deveria estar mais empolgado: o TOP 10 VEM AÍ, meu povo!
Certo. Assim está melhor. Mas vocês sabem que a ideia de um top 10 significa muito pouco (quase nada) quando estamos falando de um ranking absolutamente pessoal, cheio de tiques e manias estranhas, que diz respeito a este blogueiro e a mais ninguém. É uma lista dos discos da minha vida. O que, no mais, bloqueia qualquer tentativa de debate ou polêmica sobre os álbuns que deveriam ou não deveriam estar aqui. Este não é o ponto da discussão, meu bróder. Nem nunca foi.
Também lembro que é possível fazer o download desses discos tão especiais. É fácil, é só clicar, e você não paga nada por isso. Entendido? Então até logo mais. E me deixem descansar um pouco, tá?
014 | Sticky fingers | The Rolling Stones | 1971 | download
Mick Jagger comentou mais de uma vez que, se pudesse, teria regravado Exile on Main Street (1972). Não gosta da mixagem, que avalia como empolada e confusa. Obviamente, não devemos confiar nele: preciosismo tem limites. Mas, heresias à parte, não lembro de ter lido nenhuma observação maldosa do sujeito sobre o disco anterior, Sticky fingers – e seria bom se, nesse caso, o homem ficasse quieto. Porque Sticky fingers, para mim, cristaliza em 46 minutos tudo aquilo que amo nos Rolling Stones – e tudo aquilo que eles não conseguiram repetir completamente desde então. É de uma precisão absoluta. E nem por isso contido (pelo contrário: existe tanto sentimento nessas canções que o suor parece molhar a capa do disco). Os Stones sempre foram uma banda de blues que precisou se adequar aos formatos em voga no rock. Mas, neste disco aqui, eles fazem o percurso contrário: nos vendem um disco de rock que, do início ao fim, experimenta praticamente todos os fundamentos do blues. E isso (percebam a sagacidade) sem soar nostálgico ou reverente aos ídolos. Não, não era apenas rock ‘n’ roll. Top 3: Wild horses, Sway, Brown sugar.
013 | XO | Elliott Smith | 1998 | download
O disco mais subestimado, mais injustiçado, mais incompreendido (etc!) de Elliott Smith é aquele que eu sempre ouço com o coração na mão. Se Either/or (que já apareceu neste ranking) era malpassado e sangrento, XO me parece um desafio ainda mais tocante: contratado por uma gravadora grande (a Dreamworks, de Geffen e Spielberg), o nosso herói resolveu gravar um álbum pop. Mas o interessante é notar o que ele entende por pop: um disco-diário de Nick Drake com os arranjos vocais de Brian Wilson, as melodias redondinhas de Paul McCartney e a produção límpida de um Nigel Godrich. É nessa espécie de paraíso sonoro (com nuvens branquinhas ao redor) que Smith aconchega algumas das canções mais otimistas da carreira: sons de libertação (Independence day) e euforia (Bottle up and explode, Everybody cares everybody undestands). Sons também de utopia, de ilusão: entre uma faixa mais alegrinha e outra, aparece na fresta o rosto triste de um homem que não consegue sustentar o sorriso por muito tempo. “What a fucking joke”, ele desabafa, como quem conclui algo importante sobre a vida, a música, o pop e tudo mais. Top 3: Independence day, Tomorrow tomorrow, Everybody cares everybody understands.
Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.
Os discos da minha vida (43)
Devagar (quase parando, quaaase parando), lá vamos nós a mais um episódio da incrível jornada dos 100 discos mais paralisantes da minha vida. A ideia era escrever um texto introdutório mui longo e ambicioso sobre os mistérios da exîstência, o poder do amor, a força das lembranças e o fato de que este é um ranking estritamente pessoal (não tente isto em casa!). Mas não. Não. Sem prólogo, amiguinhos. Sem choro. Sem vela. Sem mais.
Hoje com textos muito pessoais e um cadinho derramados, porque eu sei que vocês curtem esse esquema coração-aberto, todo-sentimento, heart-on-sleeve, emoblog, etc. E quem ainda não fez o download destes discos é mulher do padre, viu.
016 | Pink moon | Nick Drake | 1972 | download
Pensando bem, eu preferiria que Nick Drake não tivesse gravado este disco. Porque, depois dele, o que ele gravaria? O homem decantou o próprio estilo às moléculas elementares. Perto dele, os anteriores soam floreados demais. Não são, é claro. Mas Pink moon tem o poder de colocar a música pop numa outra perspectiva. Não existe outro tão sincero (talvez os do Elliott Smith), e não há pedido de ajuda tão desesperado (talvez os de Kurt Cobain). Lembro que, quando ouvi pela primeira vez, a sensação foi de desamparo. Eu não sabia o que fazer deste álbum: é terrível ou terrivelmente tocante? É um exercício de autocomiseração ou arte lascada, lo-fi da alma? Honestamente, ainda não sei. Só sei que este é um disco que às vezes parece até indecente, indiscreto mesmo: não se comete suicídio na frente de uma plateia de cúmplices. Não se fala sobre assuntos que nos arrepiam ao nos deixar sem respostas. Não se faz. É clichê dizer que este é um disco triste? Talvez seja até um erro, já que Pink moon encara a morte com uma serenidade quase irritante. Dá até um pouco de medo. É assim que acontece quando acontece? Prefiro não saber. Top 3: Free ride, Pink moon, Things behind the sun.
015 | Achtung baby | U2 | 1991 | download
Achtung baby está aqui no alto da minha lista de 100 por dois motivos. O primeiro: ele merece. O segundo (e mais sentimental): foi o primeiro CD que eu comprei, com o patrocínio da mamãe e os conselhos (sábios) dos críticos de música do Jornal do Brasil (voltaremos a eles mais tarde, ok?). Cheguei ao álbum um pouco tarde (logo depois, o U2 lançaria Zooropa, talvez o meu favorito deles), mas lembro bem que ele colaborou mais que qualquer outro para uma espécie de reforma no meu gosto musical. Aos 12 anos de idade, qualquer luz vem a calhar. E esta aqui, rapazes, é uma luz nunca apaga. Um disco tão GRANDE, sobre temas tão LARGOS (amor, amizade, globalização, fim do mundo, o que mais?), e que consegue de alguma forma resolver o desejo de grandiosidade numa dúzia de canções que ainda estão aqui conosco? Nem parece simples. Demorou muito tempo para que eu percebesse o quanto as guitarras do The Edge estreitaram minha relação com o álbum: elas me pareciam absolutamente improváveis (eu, na época um menino agarrado a um violão, nunca conseguiria fazer igual), e ao mesmo tempo muito familiares. Talvez porque, no fim de 1992, eles já estivessem em todos os lugares. E eu ainda estava só aprendendo. Top 3: Until the end of the world, The fly, Zoo station.
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Os discos da minha vida (41)
A saga dos discos que afligiram a minha vida chega a um episódio febril. No capítulo de hoje, este blogueiro (com a cabeça ardendo de preocupação) dá um pause na rotina tumultuadíssima e cumpre com certo atraso o compromisso amplamente babaca de listar mais dois discos de uma lista que contém 100 álbuns selecionados de acordo com critérios muito pessoais.
Há boatos de que estou perdendo meu tempo: sim, meus chapas, estou mesmo. E essa perda descontrolada de punhados e punhados de tempo me põe numa agonia sem fim. A impressão é de que, quando corro meus dedos neste blog, mexo num cadáver. Meio mórbido, eu sei.
Minha vida anda tão complicada que renderia muitos posts sentimentais sobre temas que me deixariam envergonhado no dia seguinte. Prefiro ficar na minha. Meu coração vai bem, batendo e batendo feliz, mas o resto está quebrando. Espero que essa sensação ruim vá embora no fim dessa fábula dark. Por enquanto, o Tiaguinho aqui tá no meio da floresta. E é noite.
No entanto, vocês querem saber dos discos e está de hora de irmos de encontro a eles. Ok? A dupla de hoje é, pra mim, fundamental (obviamente). Abrimos o top 20 (oh! negrito!) com uma obra-prima e uma quase obra-prima. E nem vou perder meu tempo batendo na tecla de que são discos importantíssimos, que moldaram meu temperamento, que me educaram e que me deram de comer. Tudo isso tá se tornando muito repetitivo. Para nossa sorte, a jornada se aproxima do fim.
Nem demorou tanto assim, certo? Certo.
020 | The queen is dead | The Smiths | 1986 | download
Passei tanto tempo congelado em I know it’s over, uma hit premonitório sobre os meus 15/16 anos, que só focalizei o disco muito depois, quando minha adolescência já havia terminado. E aqui, ainda, muito firme ao lado dos que consideram este álbum uma espécie de resumo da Mitologia do Rock Britânico, em tudo o que essa história tem de irônica, elegante, cruel, autodepreciativa e, se pensarmos em melodia/refrão, adorável. Conheci o disco mais ou menos na época em que eu ouvia Parklife, do Blur, e foi como descobrir Hitchcock em meio a uma paixão por Polanski. Primeiro senti algum receio, acho que assombrado pelo romantismo um tanto sufocante de Morrissey, depois entendi que não há muito como resistir. Encontrei nessas 10 músicas a minha balança para pesar cada um dos lançamentos do britpop: discos muito esforçados, sim, mas nenhum perfeito como este aqui. Top 3: I know it’s over, There is a light that never goes out, Cemetry gates.
019 | Radio-activity | Kraftwerk | 1975 | download
Meu caso com o Kraftwerk começou muito antes da temporada eletrônica dos anos 1990. Ouvia Radio-activity já aos 10, 11 anos, uma época em que eu tratava a música pop com total despretensão. Nada mais era que um vinil tratado com orgulho por meu padrasto. O velho não sabia explicar absolutamente nada sobre a banda (“uns malucos da Alemanha”, ele dizia), mas considerava a sonoridade “estranha” e ao mesmo tempo “envolvente”. E isso, para mim, naquela época, era o bastante. Lembro de ter passado algumas tardes ouvindo o lado A do álbum, tentando decifrar o que aquilo representava. Muito tempo depois, num show da banda, meus olhos encheram de lágrimas quando eles tocaram Radioactivity. Foi quando eu percebi a importância da música e do disco para a minha vida. Voltei a ele, comprei uma cópia em CD, e sempre que eu ouvia era como assistir a um fantasma pairando. Uma pena: o vinil despareceu, e meu padrasto aparentemente não sente falta alguma dele. Top 3: Radioactivity, Antenna, Ohm sweet ohm.
Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.
Os discos da minha vida (40)
A saga dos 100 discos que traumatizaram a minha vida apresenta um episódio especialmente freudiano. Não sei exatamente por que, talvez meus sonhos expliquem (talvez seja algo que reprimi na infância), mas sempre tremo nas bases quando ouço os dois álbuns que aparecem neste quadragésimo episódio da saga mais geniosa e sensível do ciberespaço.
Algumas explicações possíveis: o disco de número 22 tem The fool on the hill, que resume o lado carente/autodepreciativo da minha pré-adolescência, e a instrumental Flying, que serviu de trilha sonora para o primeiro filme caseiro que dirigi (uma animação de fantoches inspirada livremente em Caminhos perigosos).
Mais explicações: o disco de número 21 tem Disarm, que resume o lado psicótico/suicida da minha pré-adolescência (que, como vocês podem notar, foi um tanto contraditória e movimentada), e Soma, que me apresentou ao universo de Aldous Huxley sem que eu desconfiasse disso.
São dois ótimos discos, que eu gostaria muito de ouvir mais vezes, mas não consigo. O efeito de nostalgia e (às vezes) puro desespero que eles provocam é mais forte do que a revisão de fotografias antigas (sabe aquelas fitas empoeiradas de VHS, gravadas no aniversário da vó? pior). Por isso, faço o convite: ouça essas belezinhas, mas não me convide, ok?
E vamos em frente que esta segunda-feira está mais sonolenta que de costume.
022 | Magical mystery tour | The Beatles | 1967 | download
Na história dos Beatles, está longe de representar um capítulo dos mais especiais. Na verdade, é uma loucura colocá-lo à frente de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, lançado naquele mesmo 1967. Mas taí: esta coleção oportunista de singles (que abre com EP de trilha sonora) ainda me parece o bufê de sobremesas mais apetitoso do rock britânico, irrecusável do início ao fim. Algumas das minhas favoritas do grupo estão aqui (entre elas, a preferida de John Lennon, I am the walrus). No mais, o tempo mostrou que “sobras” de Sgt. Pepper’s como Strawberry fields forever e Penny Lane são mais poderosas, mais perenes que a maior parte das canções incluídas naquele discão. Sem querer forçar comparações absurdas (mas já forçando), é como se os Beatles tivessem decidido gravar uma alternativa pop, despreocupada, ao formato conceitual que estava em voga na época: um Help! com material de Sgt. Pepper’s. É claro que a história não aconteceu assim, mas a sensação de leveza genial é essa aí. Top 3: I am the walrus, Strawberry fields forever, The fool on the hill.
021 | Siamese dream | Smashing Pumpkins | 1993 | download
Você, caro leitor, não era um moleque de 14 anos quando este disco foi lançado? Então entendo por que Siamese dream talvez não tenha despertado empatia imediata. Antes de se tornar uma figura quase cartunesca (em alguns momentos, grotesca), naquela época, no inverno rigoroso de 1993, Billy Corgan era apenas um velho adolescente com muitos esqueletos (e algumas belas canções) dentro do armário. Poucos discos de rock do período (talvez apenas Nevermind) se comunicaram tão diretamente com uma juventude que não conseguia mais se conectar com o colorido eufórico e impessoal da MTV. Today, o single que estourou por aqui, talvez sintetize essa melancolia irônica, essa vontade louca de quebrar os brinquedos de plástico: o clipe se aproveitava de uma palheta agradável de cores, mas havia algo histérico, desesperado na interpretação de Corgan. Ele nos convencia que não, hoje não é o melhor dia de todos – e amanhã as coisas não vão mudar. O sofrimento do vocalista, naquela temporada grunge, soava tão overacted e tão plausível quanto o nosso. Se consumido depois dos 30 anos, este belo disco de teenage angst deve perder quase todo o charme (mas não sei, morro de medo de tentar de novo). Top 3: Disarm, Cherub rock, Today.
Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.
Os discos da minha vida (31)
A saga dos 100 discos que estilhaçaram a minha vida chega a um episódio particularmente descontrolado. Um dos discos aqui listados é a obra-prima do punk rock – sem mais. O outro tem uma capa bucólica, árvores e tudo, mas soa mais furioso que qualquer hardcore.
Cuidado que o cão ladra e morde!
Aos que tropeçaram e caíram de barriga neste blog, aqui vai um guia relâmpago para este ranking: isto aqui, caro visitante, é a lista sentimental dos discos que eu vou levar para o shopping center deserto quando o mundo for tomado por uma epidemia zumbi. Um lance muito pessoal, entende? Portanto, aqui você não encontra (ainda que coincidências às vezes ocorram): 1. os álbuns mais relevantes, mais elogiados, mais queridos da música pop; 2. os álbuns que mais fizeram amigos e influenciaram pessoas; 3. os 1001 álbuns para ouvir antes de morrer; 4. ou algo do gênero.
Aos visitantes mais experientes, toda essa ladainha é antiga e enfadonha. A novidade é a seguinte: hoje entramos no maravilhoso, inesquecível, fundamental, fascinante top 40!
Não que isso represente algo muito importante (esta lista, convenhamos, é uma bela bobagem). Mas pelo menos você tem mais dois discões para fazer o download e ir recheando a sua coleção. É bom, né não?
040 | London calling | The Clash | 1979 | download
Lançado dois anos antes, Never mind the bollocks, do Sex Pistols, é o emblema do punk britânico: urgente, ruidoso e irônico/suicida o suficiente para se destruir em pedacinhos. Mas London calling, ainda que exiba quase todas as características da onda de 77 (muita gente boa o considera, e não por pouco, o maior entre os álbuns punk), é tudo menos efêmero. A estrutura é a de um álbum de rock “convencional”, com um mostruário bem amplo de sons e temas que, no fim das contas, parece criar o mapa afetivo para uma Inglaterra que se transformou para sempre. Talvez nenhum outro disco tenha conseguido mostrar simultaneamente um olhar combativo para a vida (as faixas enfrentam temas como desemprego, racismo, rebeldia juvenil) e para a música (do punk faz-se ska, jazz, rockabilly, reggae). Daí que ele acabou se transformando no modelo de perfeição para muitos dos álbuns que viríamos a amar. Um template inatingível, digamos, mas que ainda nos guia. Top 3: Train in vain, London calling, Spanish bombs.
039 | Plastic Ono Band | John Lennon | 1970 | download
É o avesso de um disco dos Beatles: se as canções de Lennon/McCartney nos espantam pela forma como são cuidadosamente projetadas (suor + arte), os espasmos de Lennon em Plastic Ono Band tiram o nosso ar quando deixam a impressão de que não poderiam ter sido gravados de modo mais cru, mais verdadeiro. Toda a história que cerca este registro – as sessões de terapia de Lennon, o acerto de contas com o ‘fab four’, etc – rendem reportagens muito interessantes, mas o que nos sobra, sempre, é a voz de um homem adulto confrontando incertezas. É uma briga sangrenta, levada aos trancos, mas que nos revela um artista que não conhecíamos: frágil e imaturo, desconfortável e ainda incapaz de compreender a liberdade que exigiu para si. Os outros discos de Lennon são mais profissionais, mais apresentáveis. Este aqui é um grito no escuro, desesperado, incompleto, quebrado e único. Top 3: Isolation, Mother, Hold on.