Onde os fracos não têm vez

The big to-do | Drive-By Truckers

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O disco anterior do Drive-By Truckers, o genial Brighter than creation’s dark (2008) terminava com uma homenagem a John Ford. Soava apropriado, já que aquele álbum duplo soava como os planos abertos de um filme como Rastros de ódio: uma paisagem vasta, desolada, tomada por heróis ambíguos.

Mais modesto, o novo álbum da banda está mais para Onde os fracos não têm vez: um faroeste moderno, sangrento, com alguns detalhes surrealistas (e tente não lembrar da peruca do Javier Bardem em The wig he made her wear), e personagens amaldiçoados. Sentimos que, nesse breu, a tranquilidade pegou o trem e, preparem-se!, o céu vai continuar fechado por algum tempo.

É o décimo ‘longa-metragem’ dos Truckers, e talvez por isso ele pareça um pouco como um resumo de carreira, a afirmação de um estilo. Talvez estimulados pelo aniversário, eles recuperam o tom desencantado dos primeiros discos, as crônicas violentas, as polaróides de tipos marginalizados. Mas fazem o flashback sem abandonar a beleza selvagem e o lirismo do disco anterior, o melhor que eles já gravaram. No site oficial, o sexteto avisa: trata-se de um álbum de rock.

Daí a primeira surpresa: como pode um disco de rock do Drive-By Truckers conter um número quase ridículo de canções escritas por Mike Cooley? Diabólico, o homem sempre funcionou como uma espécie de Keith Richards para o Paul McCartney que existe em Patterson Hood (Cooley escreveu 3 dimes down, e quem a conhece sabe do que estou falando). A ausência de Mike é a sombra que pesa sobre o disco, ainda que Patterson surpreenda ao assumir o papel de principal roteirista da trama.

Mais do que nunca, Patterson parece celebrar um subgênero que a própria banda ajudou a sedimentar: o country aos frangalhos, torto e malvado. A canção-chave é, por isso, The fourth night of my drinking. O personagem, um bêbado que se maltrata prazerosamente todas as noites, é a personificação autoirônica da própria banda. “Tenho uma tendência por altos e baixos”, confessa o sujeito, depois de ter perdido o carro e o encontrado (por sorte!) em frente ao bar preferido.

Calculadamente, a ficção engendrada pelos Truckers se movimenta assim, atraída perigosamente pelo desastre. São histórias de almas penadas, cavaleiros solitários e perdedores. O disco começa pelo fim, com uma canção sobre morte narrada pela perspectiva de uma criança (Daddy learned to fly), e segue caminhando no ‘wild side’ da América, acompanhado de criminosos (Drag the lake Charlie), prostitutas (Birthday boy) e pastores escabrosos (The wig he made her wear). Nem os lamentos de Shonna Tucker (como You got another) oferecem redenção.

Discretamente, é um álbum também sobre o circo melancólico do rock. “Quando o último sair e a última nota se apagar e o último sonho morrer, apague a luz”, eles pedem, em After the scene dies. Mas o lado estranho dessa história é que esse réquiem vem embalado em riffs enérgicos, quase alegres (como em Daddy learned to fly, Brithday boy), que serviriam de música ambiente para steakhouses.

Talvez essa armadura sonora faça com que os Truckers entrem naquela categoria de bandas aparentemente banais que nunca serão descobertas pelos amigos do filho de Caetano Veloso: para chegar ao coração dessa banda, é preciso “assistir” às canções como quem vê um filme e, depois, notar que as sutilezas melódicas, a sujeira perversa com que eles manipulam o country e o southern rock.

The big to-do guarda esse tipo de enigma, ainda que sem a ambição do disco anterior. Ao elevar o prestígio do grupo, Brighter than creation’s dark fez com que Patterson, Mike e cia se sentissem mais confortáveis na pele dos Truckers. Mas estagnação seria uma palavra muito forte para definir esta fase: plenitude, taí um termo mais preciso para um disco tão seguro da própria mise-en-scene.

Não é um clássico. Longe disso. Mas aposto que Cormac McCarthy curtiria.

Décimo álbum do Drive By-Truckers. 13 faixas, com produção de David Barbe. Lançamento ATO Records. 7/10

2 ou 3 parágrafos | Um homem sério

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Gosto de acreditar que os irmãos Coen fizeram Um homem sério (A serious man, 3/5) para os espectadores que reclamaram do final inconclusivo de Onde os fracos não tem vez. “A vida é esse vendaval mesmo, nem tente entendê-la completamente”, diz o novo filme de Ethan e Joel.

Ou, nas palavras de um dos personagens, resta “aceitar o mistério.” Com a certeza, é claro, de que as coisas não vão terminar bem. Como na adaptação de Cormac McCarthy, os Coen voltam a condenar um homem comum, honesto, bom, às raias de uma maldição. Naquele filme, o horror ardia na carne de Mr. Javier Bardem. Neste, o inferno está no ar.

O tom desta comédia de horror também é outro, menos assombrado e sutil, como se os cineastas compactassem demônios particulares no molde de uma charge sarcástica sobre a vida numa comunidade judaica de Minnesota (onde os diretores nasceram) em 1967. O protagonista (que não é interpretado por Kevin Spacey, mas por outro ator muito bom, Michael Stuhlbarg) é um professor de física que, numa lapada, se vê chicoteado por provações supostamente divinas: a mulher pede divórcio para casar-se com o melhor amigo dele, a filha passa a sonhar com cirurgia plástica e o filho ouve Jefferson Airplane durante as aulas. O caos reina e o apocalipse (dos costumes) se aproxima. De certa forma, é o filme que os Coen sempre dirigiram (o que não seria um problema); para meu gosto, uma variação talvez fácil demais para os padrões da dupla.