Oasis
Father, son, holy ghost | Girls
A adolescência é uma fase tão estranha que você (no caso, eu) consegue gostar de Elliott Smith e de Oasis simultaneamente — e dá conta de ouvi-los numa mesma tarde, um depois do outro, assim, como se nada absurdo estivesse acontecendo.
Com o passar do tempo, fui me aproximando mais de Elliott Smith e me afastando progressivamente do Oasis. Talvez menos porque me tornei um sujeito mais sensato (permaneço um crianção) e mais por uma questão de temperamento.
Quando tento entender o que me conecta aos discos que amo, uma característica sempre se apresenta. Resumindo de um jeito singelo: são álbuns que dão forma musical a sentimentos/ideias/experiências/impressões individuais (e, por isso, únicas).
Parece algo corriqueiro (e seria incrível se fosse), mas o que ouço geralmente é o contrário disso: músicos que usam fórmulas, chavões, “tendências” para lustrar discursos que não têm nada de verdadeiramente pessoal. Há inúmeras canções de amor. Não são todas as que soam singulares.
Daí as diferenças entre um Elliott Smith e um Oasis. Elliott Smith não escrevia “canções de amor”, mas músicas sobre sensações e situações específicas, que diziam respeito ao modo (um tanto romântica, um tanto desencantada) como ele notava as relacionamentos amorosos. Os arranjos, nos melhores casos, se integravam às letras de tal forma que entenderíamos Smith mesmo quando ele apenas gemia algumas harmonias vocais à la Beach Boys.
Já o Oasis escrevia “canções de amor” enormes, para espelhar as experiências de todo um planeta — mas não comunicavam nada de muito específico.
O que Noel Gallagher pensa sobre o amor? Mesmo hoje, depois de ter ouvido todos os discos do Oasis (e, alguns deles, mais de uma vez), sigo me perguntando. Existe algo singular nessas canções? Algo que só pertença ao Noel Gallagher? E nas harmonias, nos arranjos? Noel consegue criar sonoridades que se relacionem minimamente àquilo que ele canta ou compõe? Se fosse um cineasta ou um artista plástico, Noel teria feito bons quadros/filmes?
Acredito que a resposta para todas essas perguntas é não.
O que não desqualifica, de forma alguma, o status de “rockstar” que Noel exibe sempre com muito orgulho. Há tradições no rock que validam uma banda como o Oasis — que quer escrever hinos sobre sentimentos-clichê para multidões anônimas. Quando cria versos como “conte comigo, porque ninguém sabe o que vai acontecer”, a banda simula o efeito de cartões postais ou mensagens de powerpoint: slogans que falam a todos, talvez por não falar pontualmente a ninguém.
É claro que será sempre fracassada a tentativa de dividir a música pop entre os artistas (Elliott Smiths) e os populistas (Oasis), até porque as coisas são um pouco menos catalogáveis – acidentes e bizarrices e erros sublimes acontecem. Mas percebo que muitas bandas às vezes flutuam entre esses extremos — ou, em alguns casos, querem ser uma coisa (artistas, por exemplo) quando acabam resultando em outra (populistas, digamos).
Percebo isso no Girls. E é chato comentar sobre o assunto só agora, depois de ter elogiado os dois discos anteriores do grupo. Mas é neste Father, son, holy ghost que o grupo parece finalmente afirmar uma postura musical. E essa postura me parece uma tese à la Elliott Smith que, na prática, se mostra um conjunto de hinos à la Oasis.
Numa entrevista à Spin, o vocalista (e candidato a Cobain/Elliott/Buckley) Christopher Owens comentou que o título do disco foi escolhido para refletir a “qualidade espiritual” do álbum. Pois bem. É um bom começo de conversa sobre o que acontece aqui.
A intenção de Owens está clara: soar franco, rascante, um homem à flor da pele, um singer/songwriter à beira do precipício (e outros lugares-comuns herdados lá de Nick Drake). Uma das músicas, percebam, atende por Vomit. E as letras são escritas quase sempre com a simplicidade de um primeiro rascunho: “Parece que tudo, tudo, tudo acabou. Sinto que ninguém está feliz agora”, ele lamenta, em Just a song. É um post, um tweet.
Até aí, nada de muito novo para quem conhece o Girls. Mas, se compararmos a sonoridade deste disco à estreia de Owens, de 2009, algo parece diferente. É como se, com a ajuda do produtor Doug Boehm, o compositor tentasse exprimir “maturidade” apertando o spray da polidez sonora. Não vou ficar surpreso se encontrar este disco em muitas das listas de melhores do ano: ele tenta uma espécie de crossover com o público desinteressado (porém cool) que só conheceu Cat Power graças ao soul lavadinho de The greatest.
Ao ordenar e espanar algumas inclinações musicais que já apareciam nos discos anteriores (o gosto pelo pop vocal dos anos 1960, pelo pré-rock de Buddy Holly e um feijão-com-arroz sentimental que inclui algo de McCartney e Donovan), Owens acaba optando por um som anódino, vazio de sentidos, que parece existir só para envolver canções bonitas. Estamos falando de um disco que não soa como um álbum, mas como uma compilação de músicas bacanas que Owen compôs nos últimos meses.
E aí vão dizer que é “desencanado”, que é “despretensioso”, e vão usar os adjetivos que as pessoas usam para valorizar obras que miram pouca coisa e acertam menos ainda. O que me incomoda, no entanto, é outra coisa: as canções de Owens (e, se estamos falando de um “disco de canções”, é hora de irmos a elas) são coleções de frases de efeito, de sentimentos “universais” que encontramos num álbum do Coldplay, do Travis e, claro, do Oasis.
Não vou listar todos os casos de indulgência poética (são muitos), mas aí vão alguns: “Você seguraria a minha mão? Estou mais gelado que a neve. Mas quem se importa sobre o amor? Podemos fugir?” (em Alex), “Eu saí e conheci o mundo moderno, mas sinto falta da vida quando você era minha garota” (em Jamie Marie), “Você espantou meus medos, agora vou ficar com você, ninguém faz com que eu me sinta melhor” (em Magic) e a pior: “Oh, deus, estou cansado e meu coração está partido. É tão difícil se sentir sozinho e tão longe de casa” (My Ma).
Um argumento possível para versos tão humildes é que eles seriam condizentes com muitas das referências musicais de Owens, que parece sentir um tanto de nostalgia por um tempo em que o rock produzia faixas mais imediatas e ingênuas (ou falsamente ingênuas). Mas só de pensar em comparar qualquer uma dessas faixas com, vejamos, All my loving… Dá um pouco de desânimo.
E isso porque estamos falando de um disco de forte “qualidade espiritual”, segundo Owens.
Se o Girls é apenas um jogo cínico de estilo — letras molinhas que acenam para itens vintage de outra época, embaladas em coros soul, solos de guitarra, violões e “sinceridade” –, então não vejo como Owens conseguiria se conectar, ou pelo menos preencher as expectativas, do público de um Elliott Smith: que, mesmo nas gravações mais precárias, encontra uma voz, um discurso muito particular. Este Girls, por mais agradável e doce, me parece dançar no vazio.
Mas taí um candidato sério ao Grammy (se o Grammy se dispuser a ouvi-lo).
Terceiro disco do Girls. 11 faixas, com produção do Girls e de Doug Boehm. Lançamento True Panther Sounds. 52
Superoito express (38)
Yuck | Yuck | 8
Escrever um texto longo sobre o disco do Yuck seria repetir quase tudo o que eu disse naquele post enorme, de dois milhões de toques, sobre o Vaccines. A grande diferença que noto entre as duas bandas — ambas estreantes — é que os ídolos do Yuck são um pouco mais velhos (em grande parte, vêm dos anos 90). E, é claro, que as canções do Yuck, apesar de parecer tão monocromáticas e diretas quanto as do Vaccines, são daquele tipo raro que revelam novas dimensões a cada audição – e que nos seduzem no exato momento em que estamos prestes a descartá-las.
As influências do quarteto aparecem logo na superfície das músicas (são broches coloridos grudados numa jaqueta): Teenage Fanclub, Dinosaur Jr, Sonic Youth, Pavement. Mas é depois, quando vamos nos aproximando do disco, que esse jogo da memória deixa de incomodar, deixa até de parecer tão importante, já que as referências funcionam como molduras (e não tanto como muletas) para canções que soam fortes por outros motivos: os versos Daniel Blumberg e Max Bloom, por exemplo, são francos o suficiente para nos fazer de cúmplices (Sunday é uma joia), e o contraste entre noise e melancolia se dá naturalmente: o disco perfeito, para eles, deve ser uma mixtape que alterne canções de Slanted and enchanted com as de Crooked rain, crooked rain. Aqui, eles tentam praticar essa utopia indie.
Belong | The Pains of Being Pure at Heart | 6.5
É um disquinho adorável, confortável, cheio de lindas canções (Too tough é minha preferida) e, eis o problema, cômodo demais. Parece ter sido composto após enquete com os fãs da estreia do Pains of Being Pure at Heart. “O que a banda deve fazer para não perder o seu carinho?” A resposta é: adensar as guitarras (se aproximando às vezes perigosamente de uma polidez comercial que agradaria a uma gravadora grande), reforçar o DNA shoegazer (mais Kevin Shields, menos Belle & Sebastian) e adoçar versos que poderiam ter saído de um diário de adolescente. “Nem em sonhos eu consigo te trair”, eles garantem. Fofo. O produtor que faz deste um álbum menos encardido que o anterior é o nosso velho Flood, de discos do U2 e da PJ Harvey. Entende quase tudo, o homem. Mas talvez não disso.
Blood pressures | The Kills | 6
Tenho a impressão de que os discos do The Kills são variações de um tema: tensão sexual. Alison uiva, Jamie martela uns loops safados, mas o clima é mais de angústia que de satisfação. Noites atormentadas. Há trechos em Blood pressures que me deixam com a certeza de que, finalmente, eles encontraram a sonoridade para esse sentimento de insatisfação, tesão reprimido. Em Baby says, digamos, os sintetizadores praticamente derretem junto com a voz de Alison. Em Future starts slow, as guitarras vão e vêm em ondas de repetição, enquanto o casal dialoga nos microfones (e é uma ótima faixa para pista de dança). Mas são exceções num disco que, quando não repete a grife do Kills, não sabe muito bem o que fazer para atualizá-la. Satellite, por exemplo, é quase um reggae. E, ainda assim, ninguém sai do zero a zero.
Different gear, still speeding | Beady Eye | 5
Este é exatamente o que parece: o disco que Liam Gallagher faria no Oasis se Noel não fosse um sujeito tão preocupado com coisas como relevância e coerência. Os discos do Oasis, mesmo os fracos (são muitos) não soam inconsequentes. Já Beady Eye é uma banda de pub que vai apelar a todos os truques para chamar a sua atenção. De referências explícitas ao rock sessentista (uma faixa que se chama Beatles and Stones me mata de vergonha) a baladas enormes, épicas, o disco é a mixtape empolada, o brainstorming que a antiga banda de Liam não teve a coragem de gravar. Em alguns momentos, essa liberdade rende excessos curiosos — há uma faixa que se chama Standing on the edge of noise! Mas é uma banda ainda sem norte, sem um capitão. Título alternativo para o disco: A falta que o Noel faz.
Angles | The Strokes
Quem me conhece sabe que meu filme favorito é Um corpo que cai, do Hitchcock. Que prefiro Godard a Truffaut. Que não consigo entender por que vi Presságio quatro vezes no cinema (apesar de gostar de Hitchcock, Godard e Truffaut). E que o Strokes, não estou mentindo, é uma das minhas bandas preferidas entre todas as que começaram a lançar discos de 2000 para cá.
Sobre minha admiração pelo quinteto, (acho que) sei explicar. Outro dia, fiz um parágrafo – daqueles bem irresponsáveis — sobre Is this it (2001) para o ranking dos 100 discos da minha vida. Lá pelas tantas, escrevi o seguinte:
“Com o passar do tempo, ficou até um tanto embaraçoso explicar por que este álbum tão sucinto, um resumo do pós-punk de Nova York (numa coleção de singles de dois, três minutos de duração) foi acolhido como um marco. Mas talvez devamos tomá-lo como o sintoma de um período muito específico – o início do século, o começo dos anos 00. Com o placar zerado, o Strokes entrou em cena como um bando de pioneiros. Estilosos, irônicos, ridículos. Nos tomaram pelo braço. E com eles nós dançamos como se fosse a primeira noite.”
Hoje, apesar da minha má vontade com o novo disco da banda, eu não reescreveria esse texto. Ele resume, mesmo de uma forma meio desastrada e cheia de floreios, as minhas impressões sobre o Strokes. É uma banda de rock muito talentosa e competente que, graças aos poderes do timing, virou ícone.
Sem exagero: quem ouve os dois primeiros discos do Strokes, queira ou não (ame ou odeie), é conduzido à porta de entrada dos anos 2000. De alguma forma, sabe-se lá como, eles nos levam até lá. É como ouvir Nirvana, e ser atirado aos anos 90. Ou ser devorado pelos anos 80 (mesmo sem ter vivido a década) ao ouvir uma canção dos Smiths. São bandas que nos situam em determinados momentos, fases (arbitrárias, é claro) da história do pop e das nossas trajetórias tão pessoais.
Mas a importância do Strokes não anula ou compensa as fragilidades da banda – que nunca foram invisíveis para ninguém.
Até o segundo disco, quando Julian Casablancas pensava primeiro nos singles e depois nos álbuns, eles produziram coletâneas quase perfeitas. Não conheço quem questione o talento do sujeito para criar hits fulminantes, que nos conquistam à queima-roupa. Sei de DJs que criaram sets inteiros só com o repertório de Is this it e Room on fire. Na pista, ninguém reclamou.
Algo mudou no terceiro disco, First impressions of Earth (2006), e às vezes desconfio que ali nasceu uma outra banda. Mais ou menos como o Oasis de Standing on the shoulder of giants, o Strokes mudou o sistema de governo – de monarquia (do príncipe Casablancas) a uma espécie de parlamentarismo (todos os integrantes da banda passaram a ter mais poderes). E, mais ou menos como o Blur de 1997, resolveu arriscar, ampliar o cercadinho, desafiar as expectativas dos fãs.
Esse desejo de ir além (e desculpe se soa brega, mas soa brega) aparece já na letra do primeiro single do disco novo, Under cover of darkness: “Todo mundo está cantando a mesma canção há 10 anos”, diz Casablancas. Mas soa como ironia (e uma boa ironia), já que a música é uma das poucas do disco que reprisam o modelo das primeiras faixas do grupo, como Someday e Last nite. Escritas, claro, há 10 anos.
É um single que nos deixa um tanto nostálgicos. Precocemente nostálgicos. Como nos bons tempos, Casablancas segue agonizando na pista, gemendo feito um menino que acabou de perder os dentes de leite: “Não vá por esse caminho. Eu vou esperar por você”, diz. O efeito do single, porém, não é de catarse. Soa um tanto cínico, na verdade. Como se a banda soubesse exatamente os botões que deve apertar para mimar os fãs.
O restante do disco, com poucas exceções, não vai por esse caminho. Casablancas ainda não encontra satisfação (e tome pensamentos vagos como “não quero te contar nada”, “você vai esperar por mim também?”, “alguém está sempre atrasado”, “não tente nos parar”, “eu queria contar que está melhor, mas que sentido faz?), mas a banda parece disposta finalmente a gravar um ÁLBUM (em maiúsculas) tão poderoso quanto os hits que coleciona desde sempre. E, literalmente, anguloso.
Não é simples como parece. Ainda que o discurso de Casablancas tenha um quê de Kurt Cobain (as frases são curtas, vomitadas, desesperadas), a sonoridade do grupo está mais para Ramones do que para Radiohead. Explico: o estilo do Strokes é inconfundível, mas ele tem limites muito claros, é até estreito. Não é uma banda de mutações radicais, mas que se sente mais confortável quando faz movimentos repetitivos com uma ou outra transformação sutil.
Desde First impressions of Earth, o que ouço é Ramones tentando agir como Radiohead. Soa, no mínimo, frustrante. Principalmente porque, ao contrário de bandas que se contentam com pouco, os Strokes estão tentando, estão olhando para frente, estão jogando um jogo que deveria nos entusiasmar. Amamos as bandas que rejeitam a repetição oportunista, certo? No caso do Strokes, até eu começo a perguntar se não seria melhor depurar a fórmula (em vez de se aventurar por aí).
Em tese, Angles é o disco mais arriscado da banda, o mais corajoso. Na prática, porém, é desconjuntado e um pouco melancólico – talvez como reflexo de uma gravação tumultuada, cheia de desencontros. Não acho agradável assistir a um acidente desses: cada faixa apresenta pelo menos três boas ideias que, após muito sofrimento, morrem na areia. É uma tragédia ambiental, praticamente.
Two kinds of happiness, por exemplo, começa com os ares de pop eletrônico de Ibiza, mas logo esbarra num refrão que, de tão óbvio, maltrata a alma. Metabolism, a pior do disco, já rende comparações com Muse – mas soa como um cruzamento deprimente entre heavy metal e Interpol.
You’re so right também deixa a sensação de mal estar provocada por uma fita de tortura à la Jogos mortais: não há beleza ou graça nesses riffs mecânicos, desalmados. Não vejo prazer nessas canções. Nem a agonia que nos remeteria, digamos, a um Joy Division. São esboços de canções (e não noto canções que foram escritas para soar fragmentadas, despedaçadas, como é o caso do Radiohead).
Muito se falou sobre o tom oitentista do disco, mas existe algo diferente aqui: as referências dos Strokes não indicam uma pesquisa de sons ou um interesse específico por alguma fase da música pop, e sim um esforço frio de agregar ao som da banda uma série de elementos que hoje são considerados “in”: os sintetizadores datados do MGMT e do Crystal Castles, os riffs adoçados do Phoenix, a eletrônica delirante e leve de um Delorean e tudo o mais que eles descrevem como “música do futuro”. Soa como um disco de garage rock produzido por um menino que passou muito tempo lendo a Pitchfork.
O que não seria um problema (nada errado com a Pitchfork!) se o Strokes fizesse justiça a ambições que, infelizmente, pairam muito acima das capacidades da banda. Às vezes as coisas são simples assim: há os ídolos que, a cada disco, miram (e acertam) um planeta diferente. Já o Strokes se sente pesado, um outsider, sempre que ameaça decolar.
Quando tentam abandonar a bela cidadezinha onde vivem, eles perdem o caminho de volta. Nos deixam dançando na pista – desta vez, solitários.
Quarto disco do Strokes. 10 faixas, com produção da própria banda e de Joe Chicarelli. Lançamento RCA. 4/10
Superoito express (8)
Ou: Pitchfork edition.
Passei a semana digerindo quatro disquinhos indicados pela seção Best new music, a vitrine do site. Talvez por coincidência (talvez não), eles soam como farinha do mesmo saco: poderiam ter sido embalados em cartolina e vendidos numa edição especial dedicada ao novo lo-fi da América do Norte. São produções de baixíssimo orçamento, precárias e sujinhas de propósito, mais ou menos como os primeiros do Pavement e o mais recente do No Age. Bons discos (um deles superou minhas expectativas), mas fico me perguntando: elegê-los não seria também uma estratégia usada pelo site para marcar posição à margem de uma “grande indústria fonográfica” que talvez nem assuste mais?
Aos álbuns.
Post-nothing | Japandroids | 8 | O duo canadense (formado pelo guitarrista Brian King e pelo baterista David Prowse, ambos também vocalistas) lançou esta estreia apenas em vinil e download digital. Entendo a jogada: o som da banda remete a antigos álbuns de pós-punk (os primeiros do Hüsker Dü, por exemplo) e à novíssima onda noise. Isto é: a gerações pré e pós CD. Mas o que surpreende no álbum é como ele vence essas referências de nicho e consegue se aproximar dos interesses de qualquer fã de rock. São canções para o fim da juventude, chocantes de tão sinceras, interpretadas como se fosse a última chance. “Não quero me preocupar com a morte”, filosofam, na excelente Young hearts spark fire. Simplezinho, mas há como não se identificar terrivelmente com eles?
Wavvves | Wavves | 7 | Demorei um pouco para escrever sobre um dos hypes do ano, e admito que (ops) por total desinteresse. Nas primeiras audições, não vi autenticidade nas experimentações de Nathan Williams – elas soaram como isca para fãs do Liars, do Deerhunter, ou de qualquer outra banda que intercala melodias noise com ruminações instrumentais. Aos que também se decepcionaram, um aviso: com o tempo, as coisas melhoram. A fusão de elementos de surf music e noise não é exatamente original (nem tão empolgante quanto parece), mas Nathan parece empenhado em quebrar as tradições do rock californiano – esforço que rende faixas verdadeiramente fortes (So bored) e um punhado de esboços mais ou menos intrigantes.
Songs of shame | Woods | 7 | Um dos principais nomes da Woodsist Records, que lançou álbuns do Vivian Girls e Wavves, o Woods é elogiado por expandir a cena noise com influências folk e clima neo-hippie. É um pouco de partida interessante. Mas, superada a estranheza inicial, o resultado não parece tão ousado quanto, digamos, um álbum do Blitzen Trapper (mal chega perto do que o Animal Collective, Panda Bear fizeram com o gênero). De qualquer forma, lamentos rústicos como Born to lose não nos abandonam facilmente, e podem levar às lágrimas uma cambada de fãs de Bon Iver (se é que eles existem).
Why there are mountains | Cymbals Eat Guitars | 7 | E, por último, nos resta o álbum mais ambicioso (e convencional) deste pacote: o quarteto novaiorquino faz uma viagem de classe econômica ao rock de arena do início dos anos 70, largado em estradas largas e paisagens épicas – um álbum para ser ouvido logo depois de It still moves, do My Morning Jacket, e Real emotional trash, do Stephen Malkmus. Não deixa de soar corajoso: um disco de nove faixas (uma delas se chama Indiana), 62 minutos, lançado sem gravadoras… O começo é um assombro, com And the hazy sea e Some trees, mas o álbum abre espaços amplos demais para uma banda ainda em formação. Faltou um bom montador a este belo road movie.
PS: Ontem vi o show do Oasis. Pela tevê. Não sei se vocês sabem, mas, num passado distante, madruguei numa loja de discos aqui da cidade para comprar Be here now no dia do lançamento. Vocês sabem, não sabem? Eu era fã. Daí minha frustração (que já vem de muito tempo, aliás) com uma banda que, sem saber o que fazer da própria vida, passaria a se apegar desesperadamente aos dois primeiros álbuns e gravar mediocridades em série. O show retrata perfeitamente essa falta de rumo: anos 90 no repeat. Nunca me senti tão velho.
Dig out your soul | Oasis
Dig out your soul é o melhor álbum do Oasis desde… quando? Desde o rinoceronte Be here now, de 1997? Provavelmente sim, já que o disco novo soa como um Be here now que não se deixa triturar pela própria gradiloqüência.
Mas quem sou eu pra chegar a esse tipo de conclusão? Quando o assunto é Oasis, ninguém deveria confiar em mim. É daqueles casos em que eu mesmo desconfio deste que vos escreve. Em 1994, Definitely maybe era o álbum que eu mais amava em todos os tempos. Em 2002, Heathen chemistry era álbum que eu mais desprezava em todos os tempos.
Pois bem. Minha relação nada sadia com o Oasis divide-se entre antes de Be here now (devoção) e depois de Be here now (frustração).
E, me matem, ainda não sei o quanto gosto de Be here now (se bem que eu era um dos cinco fãs enloquecidos que esperaram a loja de discos abrir no dia do lançamento mundial).
O que eu não esperava era que Noel e Liam retornassem justamente a ele, a Be here now, um álbum massacrado por tentar abraçar o mundo com as pernas. Não há como negar que a produção do disco é um daqueles equívocos que ninguém sabe explicar direito. De tão apoteóticas, compactadas numa pilha grosseira de efeitos, são faixas que perigam destruir as janelas do quarto se ouvidas em volume muito alto. De qualquer forma, aquele foi concebido como o disco mais ambicioso do Oasis – o testamento de uma banda de rock transformada em monumento.
Nas entrevistas de divulgação de Dig out your soul, os irmãos-encrenca falaram no desejo de criar um álbum exibido, elétrico, exagerado e jogado aos seus pés. “Queremos duas orquestras ao mesmo tempo”, ameaçou Noel. O porte gigantesco combina com o reinado do Glasvegas, mas não deixa de parecer surpreendente para uma banda que tentava se adaptar a um som mais contido desde Standing on the shoulders of giants, de 2000. Nos últimos três álbuns, tudo o que o Oasis fez foi buscar uma forma de colocar os pés no chão – de preferência, a alguns bons quilômetros de distância dos excessos de Be here now.
Mas e se eles descobrissem que os excessos e as ambições fazem bem ao Oasis? Dig out your soul é o retrato dessa descoberta. E, por sorte, não estamos metidos no fluxo de consciência de um megalomaníaco.
Os problemas do Oasis, hoje, são outros. O maior deles é recuperar o prestígio perdido depois de um período de estiagem criativa, de pobreza de idéias, de auto-reciclagem, de baladas mornas e psicodelia de segunda mão. O novo álbum sofre com o rescaldo dessa fase de vacas magérrimas (e foi mal, mas eu não consigo ver Don’t believe the truth, de 2005, como um retorno à forma), mas encontra uma banda novamente confiante, pronta para recuperar de vez o foco perdido há alguns bons dez anos.
Quem espera um grande disco será obrigado a relevar alguns clichês típicos da discografia do grupo. As referências a Beatles continuam frágeis (os acordes de Dear Prudence ao final de The turning, o início à Helter skelter de The nature of reality, o “love is a magical mystery” em The shock of the lighting) e o conceito todo do álbum evoca Exile on main street com uma atmosfera psicodélica que lembra tanto The Doors quanto T-Rex. Nada novo. Mas nada tolo. É um disco sóbrio e cauteloso, próximo de um formato de “rock clássico” e quase-quase adulto – eles chegam ao ponto de gravar um blues lisérgico em (Get off your) High horse lady.
Contaminado por uma nostalgia que eles tratam sem pudores (e, nesse ponto, lembra algumas experiências do Stone Roses e do Primal Scream com influências setentistas), o álbum enfeita cada canção com distorções, corinhos, pequenas sinfonias e outros apetrechos de estúdio que, no caso do Oasis, combinam com uma banda que só faz perfeito sentido quando diante de multidões. Soará muito bem ao vivo, como o próprio Noel notou. Não é uma vitória a ser menosprezada.
Sétimo álbum do Oasis. 11 faixas, com produção de Dave Sardy. Big Brother. **