Noel Gallagher
Superoito express (38)
Yuck | Yuck | 8
Escrever um texto longo sobre o disco do Yuck seria repetir quase tudo o que eu disse naquele post enorme, de dois milhões de toques, sobre o Vaccines. A grande diferença que noto entre as duas bandas — ambas estreantes — é que os ídolos do Yuck são um pouco mais velhos (em grande parte, vêm dos anos 90). E, é claro, que as canções do Yuck, apesar de parecer tão monocromáticas e diretas quanto as do Vaccines, são daquele tipo raro que revelam novas dimensões a cada audição – e que nos seduzem no exato momento em que estamos prestes a descartá-las.
As influências do quarteto aparecem logo na superfície das músicas (são broches coloridos grudados numa jaqueta): Teenage Fanclub, Dinosaur Jr, Sonic Youth, Pavement. Mas é depois, quando vamos nos aproximando do disco, que esse jogo da memória deixa de incomodar, deixa até de parecer tão importante, já que as referências funcionam como molduras (e não tanto como muletas) para canções que soam fortes por outros motivos: os versos Daniel Blumberg e Max Bloom, por exemplo, são francos o suficiente para nos fazer de cúmplices (Sunday é uma joia), e o contraste entre noise e melancolia se dá naturalmente: o disco perfeito, para eles, deve ser uma mixtape que alterne canções de Slanted and enchanted com as de Crooked rain, crooked rain. Aqui, eles tentam praticar essa utopia indie.
Belong | The Pains of Being Pure at Heart | 6.5
É um disquinho adorável, confortável, cheio de lindas canções (Too tough é minha preferida) e, eis o problema, cômodo demais. Parece ter sido composto após enquete com os fãs da estreia do Pains of Being Pure at Heart. “O que a banda deve fazer para não perder o seu carinho?” A resposta é: adensar as guitarras (se aproximando às vezes perigosamente de uma polidez comercial que agradaria a uma gravadora grande), reforçar o DNA shoegazer (mais Kevin Shields, menos Belle & Sebastian) e adoçar versos que poderiam ter saído de um diário de adolescente. “Nem em sonhos eu consigo te trair”, eles garantem. Fofo. O produtor que faz deste um álbum menos encardido que o anterior é o nosso velho Flood, de discos do U2 e da PJ Harvey. Entende quase tudo, o homem. Mas talvez não disso.
Blood pressures | The Kills | 6
Tenho a impressão de que os discos do The Kills são variações de um tema: tensão sexual. Alison uiva, Jamie martela uns loops safados, mas o clima é mais de angústia que de satisfação. Noites atormentadas. Há trechos em Blood pressures que me deixam com a certeza de que, finalmente, eles encontraram a sonoridade para esse sentimento de insatisfação, tesão reprimido. Em Baby says, digamos, os sintetizadores praticamente derretem junto com a voz de Alison. Em Future starts slow, as guitarras vão e vêm em ondas de repetição, enquanto o casal dialoga nos microfones (e é uma ótima faixa para pista de dança). Mas são exceções num disco que, quando não repete a grife do Kills, não sabe muito bem o que fazer para atualizá-la. Satellite, por exemplo, é quase um reggae. E, ainda assim, ninguém sai do zero a zero.
Different gear, still speeding | Beady Eye | 5
Este é exatamente o que parece: o disco que Liam Gallagher faria no Oasis se Noel não fosse um sujeito tão preocupado com coisas como relevância e coerência. Os discos do Oasis, mesmo os fracos (são muitos) não soam inconsequentes. Já Beady Eye é uma banda de pub que vai apelar a todos os truques para chamar a sua atenção. De referências explícitas ao rock sessentista (uma faixa que se chama Beatles and Stones me mata de vergonha) a baladas enormes, épicas, o disco é a mixtape empolada, o brainstorming que a antiga banda de Liam não teve a coragem de gravar. Em alguns momentos, essa liberdade rende excessos curiosos — há uma faixa que se chama Standing on the edge of noise! Mas é uma banda ainda sem norte, sem um capitão. Título alternativo para o disco: A falta que o Noel faz.
Superoito express (29)
Pilot talk | Curren$y | 8
O hip-hop nos acostumou a esperar por discos sempre maiores, melhores e, principalmente, mais ousados. Este Pilot talk chega depois de um álbum que cumpre muito bem esses requisitos – o do Big Boi -, e não haveria momento mais adequado. A estreia de Shante Anthony Franklin não tão grande, nem tão bom, nem tão atrevido. Mas é praticamente um tratado sobre uma habilidade essencial para o gênero: flow. Fluência. É um disco que se movimenta como uma máquina tão potente, tão elegante, que quase não faz barulho. Soa tranquilo. Uma pluma.
Mais que isso: soa seguro. Shante chegou ao primeiro disco depois de uma longa viagem pelas paragens das mixtapes – e tudo o que ele aprendeu está condensado nesses 40 minutos que, em matéria de concisão, oferecem uma aulinha para The-Dream e Drake. As melodias meio metálicas e jazzísticas de Ski Beatz (que despontou no excelente Reasonable doubt, do Jay-Z, ainda em 1996) criam um ambiente enevoado que combina perfeitamente com as crônicas dopadas do rapper, sobre situações às vezes banais de tão corriqueiras (em resumo: maconha, videogame, cachorros, a inveja dos outros manos etc). Mas até aí o disco nos surpreende: Life under the scope tem tudo para virar um dos hits mais lúcidos sobre as neuras de celebridades. “Eles só assistir à nossa queda. É por isso que a câmera está ligada quando estamos andando. É por isso que eles escutam quando estamos falando”, resume Curren$y. No alvo.
Body talk pt. 2 | Robyn | 7.5
Se fosse uma mulher mais prática, Robyn reuniria todo o repertório que escreveu para o projeto Body talk, selecionaria 10 faixas e lançaria o melhor disco pop do ano. Mas preferiu fazer algo menos eficiente, mas talvez muito mais interessante: essa extravagância tripla soa como uma resposta ‘dançável’ (e mui desencanada) a Have one on me, da Joanna Newsom. Com uma diferença (fundamental): Robyn garante que os minidiscos sem refletir muito sobre o assunto. Uma certa displicência que resulta em singles muito fortes (In my eyes e Love kills, por exemplo), em tentativas curiosíssimas (desta vez, a paranoica We dance to the beat, que dá sequência aos desabafos de Don’t fucking tell me what to do) e em álbuns disformes, incompletos, mas que, de alguma forma, conversam uns com os outros. A ponte entre a primeira parte e a segunda é Hang with me (antes, uma balada esgorregadia; agora, um hit para pistas). E o desfecho, Indestructible, finalmente nos convence de que Robyn também tem sentimentos. To be continued.
Wake up the nation | Paul Weller | 7
Ouça o amigo aqui: os confetes da crítica inglesa para a este disco (por lá, uma das unanimidades do ano, à altura de Arcade Fire e Janelle Monáe) diz mais respeito ao que se espera de Weller do que ao álbum em si. A resenha do Guardian é o melhor exemplo disso: para quem aguarda por um disco prevísível e cômodo como uma novela das oito (como o resenhista esperou), pode ser um choque. Existe um esforço muito eficiente para criar uma arquitetura sonora que remeta a álbuns de rock psicodélico do fim dos anos 1960 (sonoridade de box Nuggets, vide os discos mais recentes do Super Furry Animals). As faixas curtísstimas – a maior, de quatro minutos, soa como um épico progressivo – evitam que percamos a paciência com o discurso embotado (Weller nos pede até para “desligar o telefone e o Facebook”) e estimulam várias audições. Na média, no entanto, é o tipo de disco aventureiro que Bob Dylan continua gravando (e o álbum solo que o Noel Gallagher não teria a coragem de lançar). Mas a distância entre Weller e Dylan ainda é aquele abismo que conhecemos bem…
Mount Wittenberg Orca | Dirty Projectors + Björk | 7
Dave Longstreth e Björk: dois mamíferos separados no nascimento. Mount Wittenberg Orca, este miniprojeto ecológico-beneficente, é o atestado dessa (odeio a palavra, mas soa apropriada) simbiose quase perfeita. Ela sussurra versos escritos do ponto de vista de uma baleia (!) e ela responde com mantras lânguidos para a Mãe Natureza. Ela geme, ele sussurra – aposto que Dave continua as frases que Björk começa. São artistas que – mais uma semelhança! -gostam de desafiar as expectativas que eles próprios despertam. Daí que, para quem temia por uma miniópera enigmática e aborrecida, este EP soa como um banho de água quente – melodioso e quase espontâneo. Em alguns momentos, é como se Dave tentasse grudar as pecinhas de Bitte Orca nas de Homogenic. Dá liga. E olhe que beleza: em Beautiful mother, a experiência deu num filhote bastardo de Child is father of the man, de Brian Wilson. Golfinho de pelúcia, digamos.