No tiroteio e sem colete

Embryonic | The Flaming Lips

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flamingEmbryonic é o tipo de disco que eu gostaria de ouvir de uma banda como o Flaming Lips. Corajoso, inclassificável, taí um objeto exótico que nos obriga a olhar torto para ídolos que julgávamos conhecer bem. Fico muito tentado a soltar uma daquelas horrorosas comparações, apressadas. Mas não vou me censurar: é, pelo menos em matéria de efeito-surpresa e estranheza inicial, o Kid A deles.

Ainda assim, e apesar de esperar de Wayne Coyne exatamente esse tipo de provocação, há algo no álbum que parece girar em falso. É um épico torto, talvez sufocado pela própria ambição (mas vocês sabem que dou valor a esse tipo de esforço).

De uma forma ainda mais radical que o Radiohead (e o My Morning Jacket, fase Z), o Flaming Lips quer que viremos a página. A fase da psicodelia multicolorida e saborosa — que brilhou com força em The soft bulletin, de 1999, e apagou-se no repetitivo At war with the mystics, de 2006 — chegou ao fim. Já no título (mais apropriado a um álbum da Björk), Embryonic promete um renascimento.

Promete e cumpre. O disco quase não deixa que sintamos o conforto de uma banda madura, com mais de 30 anos de vida. É como o début de alguns moleques que passaram muitas madrugadas ouvindo o art rock do Liars e as experiências lisérgicas do Deerhunter nos headphones.

Além de contar como o disco mais experimental e alienígena da banda desde Zaireeka (que, ainda que dividido em quatro CDs que deviam ser ouvidos simultaneamente, soava mais melodioso que isto aqui), Embryonic explora algumas referências do rock de vanguarda de uma forma cerebral, às vezes até distanciada, sem muito calor ou emoção. É quase sisudo. Uma pedra lascada.

Em entrevistas, Coyne citou o Álbum branco, dos Beatles, e Physical graffiti, do Led Zeppelin, como influências decisivas para que a banda escolhesse o formato de um CD duplo (e poucos formatos parecem tão fora de moda). Ele explicou a opção como uma forma de abrigar o desejo por um álbum “desfocado”, que atirasse em várias direções. Depois de ouvir o disco quatro ou cinco vezes, ainda não consigo notar essa diversidade toda. Os 73 minutos de duração permitem que a banda alongue as canções e se esparrame em jams etéreas, que citam Miles Davis, Frank Zappa, John Lennon e Thom Yorke.

Mais que ambicioso, é um disco pesado — ele obriga que sintamos os quilos de “importância” de cada uma das experiências da banda (e algumas, inacabadas, acabam soando como versões entorpecidas de lados B de Soft bulletin). Talvez por isso, pelo menos para mim, seja difícil retornar ao disco por puro prazer — sempre fico com a impressão de que a banda quer me provar algo. Desesperadamente.

É que, na missão de anular as próprias marcas registradas e começar de novo, o Flaming Lips subestima a forte base melódica que sempre esteve presente nos discos deles — desde o ruidoso início de carreira — e prefere apostar em atmosferas rarefeitas que nos levam imediatamente às paisagens de Kid A, só que substituindo a fúria sombria de Yorke por um tipo de melancolia mais introspectiva, aí sim desfocada (mas fico me perguntando: quase 10 anos depois, não seria o momento de virarmos também essa página?).

Dito isso, devo reforçar que Embryonic é sim um disco muito interessante, que mostra nossos heróis entregues à aventura, soltos no mundo, eternamente jovens. É pegar ou largar. As linhas de baixo são viagens à parte. Há faixas excelentes, como Convinced of the hex, a tensa See the leaves (algo como 15 step, do Radiohead), Sagittarius silver announcement (R.E.M. no moedor de carne) e a linda Powerless, que vai se arrastando delicadamente até nos atacar de surpresa. As participações de Karen O e do MGMT se camuflam no papel de parede. Não interessam.

O que está em jogo neste disco grande é o futuro de uma banda de rock. E o Flaming Lips não se rende: mergulha de barriga, vai ao tiroteio sem colete. Não se deixa domesticar. Ouço música por causa de bandas como essa. Eu quero tudo isso. Mas, até que eu me acostume com ele, posso encarar este disco apenas como um embrião?

Décimo segundo álbum do Flaming Lips. 18 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Warner Music. 7/10