Nevermind
Os discos da minha vida (top 5)
Quem se importa verdadeiramente com o ranking dos 100 discos da minha vida? Perguntinha amarga. Oh well, whatever. Já que chegamos até aqui, não custa nada (quer dizer, custa sim: tempo e paciência) dar mais quatro pequenos passos rumo ao anticlímax também conhecido como paraíso.
Afe! Só posso prometer que não vai demorar (nem doer) muito.
Nesta altura da lista, quem visita o blog sabe o resultado desta equação – mas talvez se surpreenda um pouco com a ordem dos fatores. Logo mais entraremos no top 3. Quem diria, ahn! Tombo cansado só de pensar nos capítulos anteriores desta jornada. E ainda tem gente cobrando que o tio aqui faça um ranking de 100 filmes. Ah. Sério?
Não vamos desviar do tema central deste post, ok? Que o lance hoje é um punch na alma (ou algo dramático do gênero, se é que vocês me entendem).
004 | Nevermind | Nirvana | 1991 | download
Kurt Cobain comentou cinco ou seis vezes que, quando projetava Nevermind, pensou em gravar um disco dos Pixies: simultaneamente agressivo e dócil, punk e pop, louco e elegante. Não acredito que tenha conseguido tudo o que procurava.
Porque, ao contrário de um Doolittle (ou de um, vá lá, Trompe le monde), o segundo álbum do Nirvana soa homogêneo. Não sugere desordem, caos. Na tradução de Cobain, as experiências com contraste e dissonância, tão comuns no indie rock dos anos 80, são arredondadas no formato familiar de uma canção de rádio.
O fã de rock que cresceu ouvindo Radiohead e Animal Collective (e só conhece o grunge dos documentários que passam no VH1) vai encontrar motivos para avaliar Nevermind como um álbum populista e pragmático, que atualiza o punk rock de 1977 e o hard rock dos anos 80 para uma geração que enjoou de tanto mascar gordurinhas pop (e este será sempre conhecido como o disco que destronou Michael Jackson). Talvez seja (também) isso.
No resumo da ópera, Nevermind não mudou o mundo. Não mudou nem mesmo a indústria musical, que, no ocaso do grunge, se virou muito bem com um carregamento de bandas pop inofensivas (Green Day, Offspring e tantas outras). O golpe de In Rainbows, por exemplo, foi mais bonito (e mais sério). Admito que, hoje em dia, fico um pouco sem jeito quando ouço o disco.
Um pouco sem jeito porque, mesmo quando reconheço tudo o que existe de mediano no álbum (a produção de Butch Vig me parece tão unidimensional quanto tudo o que ele já fez, e eu sei que não deveria gostar tanto dela), Nevermind me ataca frontalmente: é daqueles discos que, de tão próximos, me emocionam mesmo nos momentos mais estúpidos.
O mito Nevermind é uma bobagem. E, se pensarmos no mito Cobain, talvez In Útero (ou o lindo Unplugged in New York) funcionem como testamentos mais completos. Nevermind é um álbum single-minded, até certo ponto funcional: uma bela ideia (um disco dos Pixies sem as partes esquizofrênicas, underground sem hermetismo) amplificada e aparada até ganhar status de hit.
Talvez a história trágica de Cobain tenha transformado Nevermind, em retrospecto, num álbum mais humano: existe algo desesperado, suicida, no sorriso sarcástico do disco. Faixas como Lithium e Polly, quando ouvidas após a morte do compositor, passavam a soar como páginas de diário. E Smells like teen spirit, como emblema de uma época ainda inclassificável.
A voz de Cobain é a fissura de autenticidade que rasga a polidez sonora de Nevermind – e é ela que faz do disco algo especial.
Mas não, não vou arriscar uma reavaliação. Neste post, tudo o que ainda preciso fazer é contar como encontrei este disco e por que ele marcou a minha vida.
Foi mais ou menos assim: eu tinha 12 anos, havia me mudado há pouco para Brasília e a minha estante começava a parecer antiquada, tomada por álbuns tolinhos de synthpop. Quando comprei Nevermind, depois de ler uma resenha no Jornal do Brasil, passei a tratá-lo como meu “primeiro álbum”. E, de fato, ele representou o início de uma longa história de consumo obsessivo de discos.
Lá em casa tínhamos apenas uma vitrola, que ficava na sala. Daí que eu ouvia o disco enquanto meus pais jantavam ou tomavam café. Os versos curtos e febris de Cobain me atingiram de imediato (ainda hoje, é o disco sobre minha adolescência), enquanto que meu padrasto fazia gracinhas dos cacoetes do disco: os gritos de Cobain, os riffs simplérrimos, a repetição enervante de acordes. Estava feita a guerrinha doméstica: assim que descobri o desdém com que meus velhos encaravam o disco, passei a amá-lo com mais força.
Lembro que o volume estava sempre alto. De alguma forma, quando o disco começava eu me sentia um menino muito punk.Top 3: Stay away, Smells like teen spirit, Come as you are.
PS: No fim daquele ano, emprestei o vinil para um amigo, que sumiu com o disco. No ano seguinte, comprei novamente e, de alguma forma, o perdi. Um tempo depois, incluí o CD na minha coleção. E (pode parecer incrível) ele sumiu mais uma vez. Comprei outra cópia, que minha irmã quebrou. E assim foi: em quase vinte anos, tive quase 10 Neverminds na minha casa. Hoje, desisti de enfrentar a maldição: me contento com os arquivos em MP3.
Após o pulo, veja todos os discos que apareceram neste ranking.
(sábado, no carro, 14h20)
Minha irmã: Não. Não, mãe. É conservador pra burro, totalmente atrasado dizer um negócio desses. Chegar dizendo que a menina abandonou o colégio, namorou aquele estúpido e começou a usar crack ou sei-lá-que-bagulho só porque, olha isso, só porque a mãe dela resolveu assumir o caso com uma mulher? Ó, conheço umas três pessoas que viveram esse tipo de draminha e sei de umas duzentas que estão cagando pra isso. Imagina se vão se preocupar com quem a mãe fica ou deixa de ficar. A vida da mãe é a vida da mãe. E ponto final, meu deus! Pode acreditar: ninguém tá nem aí.
Eu: Você acha? O que eu noto hoje é que os pais se preocupam demais com esse tipo de coisa, enquanto que os filhos estão pensando em outros assuntos. Quer dizer: é claro que, se minha mãe começasse a sair com uma mulher, eu perguntaria: como assim? Mas eu tenho 30 anos, não sei o que eu pensaria se tivesse 12. Na verdade, acho que não sei mais nada sobre os meninos de 12 anos. Pra mim é meio que um outro mundo, e eles estão mil anos à frente de mim. Outro dia eu tava entrevistando um cabeleireiro totalmente afetado e daí entrou o filho dele, um rapazinho de 15 anos, enganchado numa menina de uns 18. O garoto todo marrento, aquela voz de ‘não mexe comigo que sou machinho’, foi lá e deu um beijo no pai, brincou com a cabeleira do homem, e eu fiquei pensando: caramba, alguma coisa aconteceu, alguma coisa está acontecendo, ou talvez não esteja acontecendo nada e eu seja o cara mais conversador do planeta. Ou talvez não esteja acontecendo nada e este seja um caso muito específico.
Minha irmã: Está acontecendo, Tiago. Já aconteceu.
Minha mãe: Não é tudo isso.
Eu: Aí eu fico pensando no que acontece com o garoto que é criado por duas mães, como funciona? De verdade, na real, como acontece? Sei que não é nada extraordinário, que tem família de todo tipo, boas e ruins. Que as pessoas se viram, seguem em frente do jeito como conseguem. Mas fico pensando se o menino vai tentar compensar a ausência do pai, se ele vai buscar o pai em algum lugar. Se ele vai precisar do pai em algum momento. Se ele vai tentar compensar isso de outra forma. Cê entende, né? Falo sobre pessoas como nós dois… Nós, com os nossos pais. Dois pais, e todos esses problemas. O pai ausente, o outro que passou a vida inteira meio distante. E eu senti isso, você sentiu isso. Essa falta. Então me pergunto se, quando superarmos todos os nossos preconceitos e aceitarmos todo tipo de formação familiar menos convencional, se não vamos voltar a essa velha discussão sobre a figura paterna, sobre o quão importante ou desimportante ela é para nossa vida. Esse debate vai voltar à moda? Quando? Ainda quero saber muito sobre isso, sobre esse tema, ele me persegue todos os dias, e é como se estivessem encerrando o assunto, dizendo: não é grande coisa, Tiago, é uma questão ultrapassada. Entendem?
Minha mãe: Você devia arrumar uma namorada.
Minha irmã: Não tô nem aí, sinceramente.
King of the beach | Wavves
Até aqui, os discos do Wavves eram a mais perfeita tradução de “bedroom rock”: gravados na casa dos pais, com parcos recursos, no esquema faço-por-minha-conta, quase toscos (mas adoráveis), às vezes autoirônicos, sem o menor desejo de abraçar o mundo pop com as pernas.
O novo, King of the beach, faz por merecer um rótulo diferente. “Backyard rock”, talvez. Rock de quintal.
Outro dia, escrevi que a geração 2000 do indie rock me parecia mais empenhada em gravar discos como Bleach (miniaturas poderosas, de nicho) do que em arriscar um Nevermind (a aventura pop, sem perder a bravura). Aí me chega Nathan Williams, o homem-Wavves, com esta: “O próximo disco será o meu Nevermind.”
Então tá.
Outro sinal dos tempos: o aviso de Nathan foi imediatamente tomado como uma espécie de gozação. E, de certa forma, é isso mesmo. Arcade Fire, The Shins, Interpol e tantas outras chegaram para provar que, hoje em dia, ninguém precisa fazer pacto com o “império do mal” para ser ouvido por muita gente.
Daí que a comparação só faz sentido esteticamente: talvez a intenção de Nathan tenha sido dizer que King of the beach é um álbum que, a exemplo de Nevermind, absorve alguns procedimentos típicos do pop, tanto em termos de produção (mais polida, direta) quanto de composição (mais imediata, ganchuda, melódica).
Um plano, aliás, muito parecido com os de New wave, do Against Me, e de Watch me fall, de Jay Reatard.
E não pode ser coincidência: dois músicos da banda de Jay Reatard (morto no início do ano) são os responsáveis por inflar (no bom sentido) o balão sonoro de Nathan. Stephen Pope e Billy Hayes não só arredondam o skate-punk do Wavves como escrevem três das melhores faixas do disco: Convertible baloon, Baby say goodbye (nuggets psicodélicos de Billy, e as minhas preferidas) e Linus spacehead (Stephen).
Enquanto isso, o produtor Dennis Herring, de Good news for people who love bad news (Modest Mouse), faz o resto do trabalho.
Sem o trio, King of the beach possivelmente não teria provocado tanta surpresa. Nathan, ainda que tenha passado por um período de complicadas provações (a turnê do disco anterior foi interrompida diversas vezes), continua o mesmo discípulo de Kurt Cobain: autodepreciativo, agoniado e demasiado humano, ele se define um idiota — e não apenas na canção que se chama Idiot.
O disco é um sucessor até vibrante de Watch me fall. Reatard ficaria orgulhoso. As canções são organizadas de forma a provocar impacto à primeira audição (o disco abre com um nocaute, e depois vai se arrastando gloriosamente) e, espertinho, mandar acenos para os fãs de Animal Collective (Mickey Mouse, por exemplo, é quase um remix de Panda Bear).
Metido nesse furacão, Nathan renasce como um rockstar improvável, talvez vulnerável e cínico demais para defender as delícias do pop litorâneo. Daí que King of the beach não se deixa tostar completamente ao sol — é um disco diurno escrito por uma criatura noturna. Um sujeito que vai à praia usando bermuda, empapado de protetor solar e acompanhado de um livro de 500 páginas, para “matar o tédio”.
O que me impressiona é que o Wavves convence nos trechos mais bombásticos: há canções no disco, como Super Soaker e Take on the world, que soam confiantes, musculosas, como se Nathan tivesse lançado cinco discos espinhosos de hardcore antes de se aventurar neste resort agradável.
Mas Nevermind? Não sei. Já teve gente comparando a Dookie, não? Me parece mais plausível. Ainda assim, soa engraçado.
Terceiro disco do Wavves. 12 faixas, com produção de Dennis Herring. Lançamento Fat Possum Records. 7/10
Nothing hurts | Male Bonding
Quando eu era um rapazinho que usava blusas de flanela e lia quadrinhos do Batman, lá na metade dos anos 90, uma multidão de roqueiros gringos sonhava em surpreender o mundo com um momento-Nevermind. Você olhava lá longe e ainda via a fila de candidatos à Grande Guinada: revelações indie dispostas a, subitamente, escalar a parada da Billboard com um álbum de rock tão poderoso (e apaixonante) quanto profundamente sincero (e, às vezes, amargo).
Na época (e não se sinta velho: não faz muito tempo!) ainda havia alguma romantismo nesse plano de dominação mundial. Que maravilha: ser íntegro e popular, ahn?
Discos como Nothing hurts, do Male Bonding (e, antes dele, Nouns, do No Age, Post-nothing, do Japandrois e tantos outros) mostram que, hoje, uma geração de bandas prefere sonhar com, digamos, um momento-Bleach. Nada mega, nada ultra, nada uber: tudo o que elas almejam é o apreço de um selo indie que permita o parto de álbuns curtinhos, ruidosos, sem ambições comerciais e profundamente sinceros.
1989: o ano que não terminou.
Talvez contaminado pelo espírito da minha adolescência, eu ainda prefiro Nevermind a Bleach. E costumo valorizar as bandas que tentam ampliar o público, sair da caverna, sem abandonar a dignidade. Mas, quando penso muito friamente nisso tudo, não consigo negar que a atitude intransigente e introspectiva que se costuma encontrar no circuito indie combina com um tempo em que a mise-en-scene do showbusiness e das majors soa como uma paródia de si mesmo.
A principal questão não é “como faço para gravar um novo Nevermind?”, mas simplesmente “por que gravar um novo Nevermind?”.
A estreia do Male Bonding foi lançada pela Sub Pop, que também vai distribuir o disco novo do Wolf Parade. Nos dois casos, o selo de Seattle teve que sair da América para encontrar bandas que, de uma forma ou de outra, dão prosseguimento à sonoridade áspera e garageira que associou-se ao selo no início dos anos 90. A história se repete, mas como?
O caso do Male Bonding, um trio londrino de noise-pop, é o mais impressionante de todos: em algumas faixas, eles soam como uma releitura tão fiel do pré-grunge que dá arrepios. Jorros de guitarras agudas em canções de dois minutos, com refrões que grudam na orelha e confissões juvenis como “nada vai mudar, tudo continua igual” (All things this way tem 1 minuto e meio e é a melhor do disco). E dá-lhe feedback.
É claro que, como acontece com o Surfer Blood, a banda prova alguns dos sabores da estação: o rock ‘n’ roll sixties (Weird feeling lembra um pouquinho os Beatles de Please please me) e o pós-punk com molho exótico e tropical (Pirate key cheira a Vampire Weekend), tudo condensado em 30 e poucos minutinhos que passam tão rapidamente (e provocam tantas sensações nostálgicas) quanto um episódio de That 70’s show. That 90’s show, melhor dizendo.
É um disco muito decente, compactado a um formato típico da Sub Pop (pílulas noise para consumo rápido e repetidas audições), mas que me deixa torcendo para que esta banda comece a sonhar com um momento-Nevermind. Quem sabe, né? Não custa nada.
Primeiro disco do Male Bonding. 13 faixas, com produção de Pete Lyman. Lançamento Sub Pop Records. 7/10