Neil Young

Os discos da minha vida (top 10)

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No top 10 da saga dos 100 discos da minha vida, as regras do jogo mudam um pouco: um álbum indefectível por semana, com textos um tantinho mais robustos (mas ainda constrangedores de tão pessoais, porque o espírito do ranking é esse aí). E nada de prólogos, porque tudo foi dito-  e o que não foi dito, meus amigos, agora merece o silêncio.  

010 | After the gold rush | Neil Young | 1970 | download

Fico me perguntando: o que sentiam os meninos de 15 anos que ouviram After the gold rush em 1970, assim que o disco foi lançado? Faço uma acrobacia de imaginação para descer àquela época, mas é inútil.

Hoje, o disco é uma unanimidade. Quando organizam listas dos melhores dos anos 70, ele geralmente está lá, junto com um Clash, um Joy Division, um Nick Drake, um Lennon, um Stones. Ninguém discute: é clássico.

Tente, ó leitor, investigar na web. Você vai encontrar quatro ou cinco resenhas absolutamente positivas (e calculo apenas as fontes confiáveis) que ressaltam o que o disco tem de irrepreensível. A exceção é um texto publicado em 1970 na Rolling Stone — que avalia o álbum como uma aventura desnecessária na carreira de um bom compositor.

Eis o mistério: o que esperavam de Neil Young em 1970? Acredito que não era pouco. Naquela temporada, o canadense havia lançado um disco de country/folk com Crosby, Stills & Nash (Déjà vu, um sucesso enorme) e o single Ohio, que reafirmava o peso do álbum anterior, o muito elogiado Everybody knows this is nowhere. Tudo bem, tudo bom. Mas em seguida, o que fazer?

Talvez nada muito inesperado, respondia Young. Indo e vindo entre os extremos do músico, After the gold rush deve ter provocado certo desânimo, que o crítico da Rolling Stone rapidamente espelhou: estaria Neil Young matando tempo e afinando as cordas antes de surpreender o público novamente?

O tempo mostrou que essa questão era irrelevante: a carreira de Young oscilaria entre momentos mais e menos ruidosos. O movimento, na trajetória deste herói, se mostrou pendular. Entre guitarras altas e violões interioranos. Entre hard rock e country. Entre dois personagens: o guerreiro épico (envolto em feedback) e o rancheiro melancólico. Indo e vindo, subindo e descendo, para um lado e depois para outro.

Acontece que, na era de After the gold rush, esses dois temperamentos ainda não estavam totalmente definidos. Nem para os fãs, nem para a imprensa, tampouco para o próprio Neil Young. Harvest, que veio em seguida, era um disco mais coeso de country (com algo de loucura, lisergia). After the gold rush soa como um Young atípico, ainda “verde” (na arte do álbum, pelo menos), que tentava engaiolar referências às vezes dissonantes dentro de um LP.

Mas voltando à pergunta que abre este textinho tão modesto: o que teria sentido o menino de 15 anos que ouviu este disco em 1970? Eu, que tinha essa idade quando descobri o álbum (em 1995, se não me engano), admito que me senti um pouco intimidado. Acima de tudo, soava como um disco cheio de si, mesmo quando arriscava passos duvidosos (When you dance you can really love ainda me parece muito estranha).

Eu não conhecia absolutamente nada de Neil Young. Comecei por After the gold rush e depois segui com Harvest e Everybody knows this is nowhere. Não sei se tomei o caminho certo, no entanto foi o que aconteceu. Talvez Harvest seja igualmente impressionante, mas ainda penso em After the gold rush sempre que falam em Neil Young. Me parece um retrato perfeito. A síntese.

Inicialmente, o disco foi escrito como trilha sonora para um roteiro que não chegou a ser filmado. Mas quem precisa de filme quando se tem canções que delimitam um ambiente tão completo e tão poético (uma América de faroestes antigos e pistas de dança desoladas), que soam pessoais mesmo quando parecem contar histórias que pertencem a uma época muito anterior a Young, à invenção do rock? Filme pra quê?

Em 1970, talvez não esperassem de Neil Young um disco de canções de amor. Talvez seja isso. Deve ser isso. Da mesma forma como não esperavam de Bob Dylan, em 1969, a leveza de Nashville skyline. Em 1970, After the gold rush deve ter soado inadequado. Hoje, serve de bibelô agradável em estantes de discos. Obra-prima é obra-prima.

Acredito, no entanto, que o disco pode parecer ainda mais valente, ainda mais vívido, quando tentamos transportá-lo para a perspectiva da década em que foi lançado. Sei que é um esforço quase impossível, mas vale a fantasia. Porque After the gold rush era um disco outsider, frustrante de tão sentimental e antiquado. E, ao mesmo tempo, uma obra que criava um cenário alternativo, quase surreal, de homens solitários vagando em estadas inacabadas. “Tem uma banda tocando na minha cabeça”, Young avisa, na faixa-título. E não haveria motivos para reprimir o som bonito que ela, essa banda de um único homem, produz. Top 3: After the gold rush, I believe in you, Birds.

Após o pulo, veja os outros discos que apareceram neste ranking.

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Mixtape! | O melhor de novembro

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A mixtape de novembro foi criada na base do improviso, do fluxo de consciência. Sabe como? Não defini conceito nem bolei ideias malucas nem saí em busca de uma atmosfera específica para envolver as canções escolhidas para este humilde cdzinho. Ele é o que ele é.  Ele é assim e pronto.

Não sei se ele espelha meu temperamento – talvez sim, mas com a mesma intensidade dos anteriores?

Ouvi duas vezes (enquanto lavava as minhas cuecas) e notei algumas características que me surpreenderam. 1) é um cd quase sempre em tom menor, ainda que a primeira parte possa provocar a sensação de que eu estava procurando um foco para a mixtape como quem surfa em estações de rádio até achar um pouso (no caso, o pouso é dolorido, como indica a segunda metade). e 2) existe unidade nessa coletânea, mesmo que você não a perceba de imediato.

É, como de praxe, a melhor mixtape amadora de todos os tempos. Mas, por ter sido gravada de um jeito impulsivo, ela revela algo sobre a minha pessoa que nem eu sei explicar. Tenho quase certeza de que, na faixa de abertura, sou eu falando.

A intenção, no entanto, não era que soasse complexo demais, nem sombrio demais, nem ambicioso demais. É um cd para ser ouvido nos fins de tarde, no último dia de férias, depois de despedidas que apertam o coração ou quando se sente saudade de amigos que estão muito longe. Tem isso: é um disquinho que machuca nos momentos mais dóceis. Cuidado, portanto.

Aos amigos, então: dedico ao Michel e à Alê. Espero que, lá de longe, eles ouçam e gostem (pelo menos um pouco).

Quem está na foto lá de cima é o habitué Kanye West, que gravou o meu disco favorito do mês: My beautiful dark twisted fantasy. Ele aparece na mixtape junto com o comparsa Kid Cudi e uma gangue da responsa: Girls, Jim Noir, Daft Punk, Atlas Sound, Warpaint, Beachwood Sparks (interpretando Sade), Neil Young e Beck com Nigel Godrich (numa faixa do filme Scott Pilgrim contra o mundo).

Estou aqui ouvindo o disco pela terceira vez e pensando: deus, ficou MUITO BOM!

Faça o download aqui (link atualizado).

E, depois de ouvir a mixtape, mande um alô e faça um comentário simpático. Estamos no mesmo barco, não estamos?

Superoito express (33)

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Man on the moon II: The legend of Mr. Ranger | Kid Cudi | 7

Um álbum de hip-hop dividido em cinco atos (um deles atende por You live and you learn), com uma faixa chamada Scott Mescudi vs. the world e um título que parece ter sido concebido pelo George Lucas. Tem como não gostar? Infelizmente tem, se o seu iTunes emperrar na faixa 8, Erase me, um rockzinho ordinário que nem Kanye West salva. Antes que você comece a refletir sobre o quão terrível é o fato de que os mais promissores pupilos do rap geralmente não sabem diferenciar Kings of Leon de Queens of the Stone Age, sugiro um rolê no segundo ato do disco, A stronger trip, usa psicodelia e dub para fins medicinais (a dobradinha Marijuana e Mojo so dope é, perdoe a falta de inspiração, viciante).

E, quando o sujeito resolve brincar com um sampler soturno de St. Vincent (“Paint the black hole blacker”, em Maniac), a pergunta volta a fazer sentido: tem como não gostar? Tem, principalmente para quem ainda se encontra perdido nos vãos de My beautiful dark twisted fantasy, de Mr. West. Dois álbuns talvez igualmente ambiciosos, mas note as diferenças: enquanto West bagunça o interior das canções (que são longas e sinuosas), Cudi tenta nos impressionar com o acúmulo de faixas que disparam ideias coloridas, mas por vezes superficiais. É daqueles discos que nos agradam mais pelo temperamento frenético do repertório do que pelas canções em si. Não é tudo o que pensa que é – mas tem como não gostar?   

Le noise | Neil Young | 7

Em tese, é o disco em que Young decanta a própria identidade até que restem apenas os elementos essenciais: a guitarra (alta, ruidosa, massacrada por toneladas de efeitos) e a voz. Mas nada na trajetória do homem é simples como parece, e basta lembrar que o disco anterior a este é o desgovernado (mas muito franco) Fork in the road, praticamente um álbum conceitual acerca de um carro ecológico. O que o produtor Daniel Lanois faz em Le noise é um ‘extreme makeover’ parecido com o método que aplicou em Time out of mind, de Dylan: criar uma atmosfera crepuscular, cinematográfica, mas com lacunas para que o compositor vença os maneirismos de estúdio. Mas esse conceito rigoroso por vezes parece uma estratégia para empacotar canções não exatamente inesquecíveis. Elas condensam tudo o que esperamos de um disco de Young – os lamentos de guerra e os hinos pacifistas e os retratos de homens solitários e a fúria juvenil – sem muitas surpresas ou desafios. De qualquer forma, é sempre uma alegria ver o sujeito verdadeiramente se esforçando e criando maravilhas como Peaceful Valley Boulevard. E, sejamos justos, é o mais coeso dele desde Silver and gold, de 2000. 

Marnie Stern | Marnie Stern | 7

O terceiro disco da nova-iorquina pode ser interpretado de uma forma pessimista (soa como uma reprise dos anteriores, um beco sem saída, um exercício seguro etc) e de uma forma muito otimista (soa como uma celebração do estilo que Marnie talhou nos dois outros discos). Minha tendência, no caso, é o pensamento positivo: este é o primeiro disco dela que não me parece um projeto frio de faculdade de Arte, com todas aquelas camadas calculadas de distorção supostamente agressiva. Acredito que, desta vez, Marnie conseguiu vencer se livrar desse véu chamativo e se encontrou nas canções. A última faixa, The things you notice (que incluí na mixtape de outubro) poderia muito bem servir de ponto de partida para o próximo disco: tem o molde atormentado, paranoico, pontiagudo, do restante da discografia que ela lançou – mas é como se a autora das canções finalmente se expusesse de corpo inteiro. É bonito, é delicado (de uma forma inusitada) e, melhor ainda, soa intenso.

 Swanlights | Antony and the Johnsons | 6

Um dos discos mais valentes do ano, já que Antony renega quase todos as referências pop para encontrar uma sonoridade tão serena e introspectiva quanto é (aparentemente) o momento em que ele vive. E encontra: mas pena que é um som tão etéreo que às vezes se dissolve nos headphones. Ouvi o disco pelo menos cinco vezes e só consigo me lembrar das faixas que destoam desse climão solene: I’m in love, que soa como uma daquelas divinas criaturas de Van Dyke Parks, e Thank you for your love, que abre um caminho soul no coração desta floresta gelada. Não é um álbum que consigo ouvir com frequência (e não recomendo a ninguém que acabou de romper um namoro; a dose de melancolia pode ser brutal). Mas, no momento certo, pode ser o antídoto aos excessos que imperam no indie rock.

Os discos da minha vida (13)

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Bom dia, amiguinhos, cá estamos nós: mais uma segunda-feira, mais um capítulo do enorme folhetim sobre os 100 discos que enevoaram a minha vida, mais um post escrito diretamente de São Paulo, mais um dia nublado.

Por coincidência, no capítulo de hoje, dois discos para manhãs nubladas. E não vou explicar mais nada – vocês sabem como esta máquina funciona, e prometo que ela vai funcionar exatamente deste jeito até o fim.

076 | Deserter’s songs | Mercury Rev | 1998 | download

Em 1998, Deserter’s songs era o álbum de ‘space rock’ que despertava paixões fulminantes e encabeçava listas de melhores do ano. Hoje, até entendo quem o trata apenas como um herdeiro psicodélico da primeira fase do Pink Floyd: tal como Syd Barrett, Jonathan Donahue escreve versos surrealistas para melodias que nos transportam a outras galáxias. O que pode passar despercebido (e seria uma pena se isso acontecesse) é como o Mercury Rev enquadra essas referências num ambiente cinematográfico, em scope, que amplia cada canção até transformá-las em épicos para uma América sonhada, impossível. Ao mesmo tempo, um disco tão franco quanto os trechos finais de Holes, quando Donahue quase que sussurra: “Bandas são planos tão engraçados que nunca funcionam bem”. Top 3: Holes, Tonite it shows, Goddess on a Hiway.

075 | On the beach | Neil Young | 1974 | download

Neil Young tem pelo menos 10 álbuns que entrariam neste ranking, mas On the beach é aquele que, quando tentamos organizar a discografia do homem, não se acomoda em nenhuma classificação: não soa exatamente como um disco de rock (muito menos como um disco de country rock ou de blues), mas como o registro íntimo de uma crise – página rasgada de um diário. A crueza do álbum se aproxima do tom de Tonight’s the night (que, rejeitado pela gravadora, foi lançado um ano depois), mas o que encontramos nestas canções é um Young quase sempre furioso, indomável, socando a parede do showbusiness. “Sou um vampiro, babe”, ele resume, num dos discos mais assombrados que eu ouvi. Top 3: Ambulance blues, Motion pictures, Walk on.

Os discos da minha vida (2)

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Um ranking sentimental dos 100 discos que (pausa dramática) marcaram a minha vida. Dois por semana, talvez às segundas-feiras (mas, pensando bem, possivelmente às quartas). Pelos meus cálculos, terminaremos esta jornada antes do fim do mundo. Hold tight.

098 |  Grievous angel | Gram Parsons | 1974 | download 

Eu tive uma momento country-rock: ele durou mais ou menos uns seis meses (acho que por volta de 1997), mas foi tão intenso, tão dedicado, tão obsessivo que eu poderia incluir nesta lista quase todos os discos que ouvi naquela época. Meu quarto cheirava a slide guitars. Neil Young era meu pastor; Bob Dylan, meu arcebispo. Perto deles, Gram Parsons era só um coroinha. Mas, com Grievous angel, o branquelo do cabelo esvoaçante me ensinou a entender o que há de fundamental no gênero: alegria e dor, em cores primárias. E quando eu soube que o sujeito morreu de overdose de morfina pouco depois de gravar essas canções quase sempre tão tranquilas, o disco se transformou num mistério. Ainda é. top 3:  Brass buttons, Hearts on fire, In my hour of darkness.    

097 | Gentlemen | The Afghan Whigs | 1993 | download

O terceiro disco do Afghan Whigs começa com o som de um vendaval. O que vem depois soa ainda mais arrepiante: a voz de um homem confessando segredos por vezes constrangedores. Numa década de discos-de-catarse (uma das especialidades do grunge), poucos soaram tão críveis quanto este aqui. Talvez por parecer tão direto: Greg Dulli compactou o estilo do Afghan Whigs e, quase acidentalmente, acabou criando um padrão para o indie rock dos anos 90, com riffs repetitivos, às vezes dissonantes, quase sempre tristíssimos, engolidos por tufões de guitarras. Para mim, é um álbum que representa o início da adolescência: ódio e medo, mas não sabemos exatamente de quê. top 3: Gentlemen, Debonair, Be sweet.

The courage of others | Midlake

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The courage of others é um daqueles discos que fazem com que eu me sinta um tipinho irrelevante: enquanto eu enfrento os grandes desafios da minha existência (acordar cedo, pagar o aluguel, regar as plantas e visitar minha mãe nos fins de semana), o Midlake se preocupa com a imensidão da natureza, o sentimento de melancolia que acompanha a morte do inverno e o “som grandioso de todas as criaturas vivas”.

Ah, sério? Aposto que este quinteto do Texas não leva a nossa oh-tão-sagrada existência com tanta austeridade. Mas, quando entram em estúdio, soam como cinco monges exilados em meio a uma plantação de bromélias, a muitos quilômetros das preocupações trivais que transformam nossas rotinas em episódios frívolos de seriados de tevê.

Deve haver algum ranço confessional escondido no subsolo deste terceiro disco do Midlake, mas ainda não encontrei a chave (e talvez seja minha culpa, ovelha desgarrada e meio burra). Desconfio que tudo seja uma questão de mise-en-scene: em The trials of Van Occupanther, de 2006, a banda tentava criar uma narrativa pastoral, como se Nick Drake interpretasse um songbook de Neil Young. Desta vez, eles apontam a embarcação para o folk rock britânico do fim dos anos 1960.

É uma aventura mais contida, limitada, menos ambiciosa, mas talvez o objetivo deles sempre tenha sido este: soar exatamente como uma banda-tributo do Pentangle, com algo de Incredible String Band. E vá entender: alguns desejos são meio estranhos mesmo.

A cadência uniforme do disco, que parece ter sido todo ele gravado numa tarde fria e chuvosa, pode atender as expectativas de quem procura desesperadamente um sucessor para Veckatimest, do Grizzly Bear. São dois álbuns duros feito pedra lascada, ainda que, cá para meus ouvidos, o Midlake ainda pareça uma daquelas bandas in-progress que se contentam em tomar um gênero (ou uma referência) e partir para o decalque — com ternura, claro.

Daí que as letras do disco são todas ricas em traços impressionistas, com imagens de vilas longínquas, ambientes selvagens, florestas tomadas por criaturas exóticas (seriam elfos?) e amores impossíveis. Até meu padrasto, o último defensor do rock progressivo dos anos 1970, talvez encarasse como uma homenagem fiel demais ao período. ‘Seria gozação?’, ele perguntaria, descrente.

Não é. O Midlake soa muito sincero nessa ode ao transe cósmico de canções que fazem absolutamente tudo para se livrar as impurezas deste mundo. Não encontrei nada ainda, mas certamente existe sabedoria, dignidade nesse esforço. Bom para eles. No entanto, se a banda estiver interessada em encontrar uma voz particular, vou avisando: a jornada é bem outra.

Mas chame de Astral geeks, se preferir.

Terceiro disco do Midlake. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Bella Union. 6/10

A day in the life | Neil Young e Paul McCartney

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Caramba, emocionante isso.

No Hyde Park,em Londres, sábado à noite, Paul McCartney praticamente invadiu o show do Neil Young para dividir o microfone numa obra-prima dos Beatles.

Agora repare na letra. Não sei se eles calcularam uma homenagem ao Michael Jackson, mas está tudo ali. “I read the news today, oh boy…”

Pelo visto, eles levaram ao pé da letra o conselho do Jacko: “heal the world, make it a better place”… E agora deixem-me voltar ao trabalho, ok?

Wilco (The album) | Wilco

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wilcoalbumAndo obcecado com a idade dos rockstars. O Green Day, sabemos, é uma banda de trintões. O mais experiente dos Jonas Brothers tem 21. Julian Casablancas é um ano mais velho do que eu (fez 30 em agosto de 2008). Caetano, que também deveria contar como uma espécie de rockstar, tem 66. E Jeff Tweedy, 41.

Legal, né? Mas são informações que, quase sempre, não nos ajudam em nada. O Green Day, sabemos, ainda soa como um bando de moleques de 16 anos. O mais experiente dos Jonas Brothers é virgem. O Julian Casablancas vive tão aceleradamente que já deve ter entrado na crise da meia idade. E Caetano, depois do tombo que tomou no show de sábado aqui em Brasília (aos sádicos, o vídeo está aqui — aguardem até o fim, ok?), levantou-se alegre e faceiro.

E Jeff Tweedy? Bem. Taí uma exceção. A arte do sujeito parece reverberar a idade que ele tem. Sempre foi assim. O Wilco é uma banda que envelhece (ou amadurece, a depender da perspectiva) a cada disco.

A.M. (1995) é o disco dos 25, jovial e ironicamente despretensioso. Being there (1996) preserva o bom humor e a leveza, mas já com a ambição de soar como um clássico álbum duplo dos anos 70, à Grateful Dead. Juventude em marcha.

Missão cumprida, já alçado ao posto de porta-voz do country alternativo, Tweedy começa a entrar numa suave crise de identidade (no ensolarado e agoniado Summerteeth, de 1999), que desemboca na obra-prima dos 30: o aventureiro (mas já desencantado) Yankee hotel foxtrot (2002). O que segue é o furacão: A ghost is born (2004) trata de períodos de depressão e desespero. O sonho acabou — ruídos versus melodia, amores perdidos, um deus ausente, traumas e saudades da juventude (e espero não sentir algo parecido quando chegar aos 36).

A boa notícia é que sobreviveremos. No álbum seguinte, de 2007, Tweedy recupera-se parcialmente da maré de desastres pessoais e vê um céu azul. Em Sky blue sky, tomado por uma nostalgia doce que as pessoas talvez sintam aos 39, relembra os sons que ouvia no rádio quando criança. A tensão que comprimia e perfurava os discos anteriores do Wilco quase desaparece no ar: às vezes perigosamente colado a um tipo inofensivo de soft rock, mas ainda absolutamente franco (a lição de Neil Young aplicada à risca).

Prolongamento dessa fase, Wilco (the album) é decepcionante para quem aguarda por um retorno mágico da juventude de Tweedy, mas um lembrete de que os álbuns da banda são retratos de vida. E a vida do homem anda mansa, aparentemente.

Já no título, eis um álbum contente, satisfeito, sem peso sobre os ombros. Na primeira faixa, Wilco (the song), Tweedy oferece um “ombro sonoro” para que choremos nossas tristezas. É só.

Deveríamos cobrar mais? A canção seguinte, Deeper down, é uma balada sôfrega de A ghost is born em versão diet, sem angústia.Agradável. Nas seguintes, a banda tenta cristalizar uma sonoridade ora suave e confortável (One wing, You and I), ora levemente experimental, com guitarras nervosas e brincadeiras de estúdio (o piano repetitivo de Bull black nova é um aceno para o Spoon?). Um rock ameno, que belisca mas não morde. Nos versos, Tweedy narra histórias tortas (O surto de Bull black nova deixa até sangue no sofá), mas sem convicção, como se interpretasse versos de outra pessoa.

É uma marolinha. Mas fico feliz por ele. Sério. Eu estava lá, acompanhei os capítulos mais duros dessa história, sei que foi árduo, uma luta, uma jornada, um colapso nervoso. Só que, sinceramente (perdoem minha imaturidade!), ainda não consigo ficar tão alegre com a perspectiva de, em 2039, ouvir um tranquilo disco de bluegrass chamado Wilco (the old age).

Oitavo álbum do Wilco. 11 faixas, com produção de Jim Scott e Wilco. Nonesuch Records. 6/10

2 ou 3 parágrafos | Fork in the road

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neilyoung

Ok, tio Neil, o que temos para 2009? Um álbum conceitual inspirado num carro ecologicamente correto, movido a biodiesel e eletricidade? Não brinca. Infelizmente, Fork in the road (5/10) não é pegadinha de primeiro de abril — e, convenhamos, nesse caso não soaria mais divertido que o álbum fake do Nine Inch Nails produzido pelo Timbaland. Até tentei me convencer do contrário: abandonei o disquinho no porão do meu iPod até o dia em que ele me atropelou de uma vez só. Difícil desviar de um acidente desses.

Aos que enxergam irregularidade na trajetória de Bob Dylan, bem-vindo ao estranho mundo de Neil Young. Recomendo começar a viagem pela fase oitentista, a começar pelo cintilante Trans, de 1982, e depois saltar para o “espiritual” Chrome dreams II, de 2007. É um processo doloroso, mas necessário para quem tenta entender como mesmo traço instintivo que gerou obras-primas como After the gold rush (1970) e On the beach (1974) pode ser usado para o mal. Fork in the road é um dos álbuns mais espontâneos de Neil: uma road trip por uma América despedaçada, regada a petróleo, a bordo de um carro/musa/sonho, um Lincoln Continental 1959 adaptado para o futuro. E um dos mais descartáveis.

A sonoridade é reminescente de Living with war: riffs secos de garage rock (às vezes hard rock, como na faixa de abertura, When worlds collide, ou blues-rock, na canção-título) que provavelmente foram gravados em duas horas. Apressadamente. Qualquer-nota. Mas inconveniente é como, em vez de destrinchar o tema, o compositor estaciona no acostamento. Prefere remoer uma ladainha repetida em quase todas as faixas. Lamenta o fim da era do rádio, ataca a web e os blogueiros, etc. O disco melhora quando mansinho e introspectivo (casos únicos: Off the road e a otimista Light a candle), mas preconiza perigosamente o rock brando da era Obama: a rebeldia reduzida a uma espécie de fetiche.