My Bloody Valentine

Skying | The Horrors

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Tenho uma tese sobre o The Horrors e ela é simplória, bobinha, infantil mesmo: pra mim, a relação entre a banda e os admiradores (e aí inclua uma parte grande da imprensa inglesa) é de amor. E amor a gente sente, a gente vive, a gente curte. Amor a gente não explica, né mesmo?

Falando sério (mas nem tanto): quando leio uma resenha absolutamente elogiosa sobre um disco da banda, me pego diante de uma prosa que me lembra cartas apaixonadas. E o lugar-comum não mente jamais: sabemos que o amor, apesar de lindo, nos cega.

É um caso atípico nos arquivos do indie rock, creio eu. Tome Primary colours (2009), por exemplo. Há quem o encare com ceticismo desapaixonado. Eu, por exemplo. Reconheço a bravura da produção, mas me irrito quando a banda trata as referências de shoegazing e dream pop de um jeitão superficial e single-minded, como quem decora as letras do My Bloody Valentine para impressionar a namorada deprê.

Mas há os que veem no disco uma espécie de obra-prima britânica, um monumento que define sei-lá-o-que, ainda que eles não consigam oferecer argumentos suficientemente extensos ou (a meu ver) convincentes para justificar o afeto. Talvez porque (e que o clichê me ajude novamente) não dê pra explicar essa coisa que chamamos de amor.

Nada contra essa entrega louca, aliás. Amamos os discos e as bandas como amamos nossos animais de estimação e os programas de tevê favoritos. Com eles nos identificamos. A eles juramos fidelidade. No mais, quem sou eu para julgar esse tipo de relação obsessiva, radicalmente sentimental, com os nossos hobbies?

Este textinho apressado, portanto, não vai espezinhar quem vê no Horrors uma espécie de banda-dos-sonhos. Vou tentar algo menos cruel: o que me interessa neles, e agora mais que nunca, é esse talento para despertar paixões. Isso e quase apenas isso. Quando ouço Skying, começo a entender o fenômeno (ainda que não consiga ainda me importar terrivelmente por ele).

É um álbum que deve ampliar o fã-clube e aquecer o coração de quem ama a banda. Espero reações delirantes, superlativos enlouquecedores, tweets chorosos, acesso VIP nas listas de melhores do ano. E vou encarar tudo isso sem grande surpresa, porque o The Horrors é uma dessas bandas inglesas que não querem apenas um público: ela deseja um séquito.

Nesse ponto, é previsível o entusiasmo da crítica britânica, que há muito procura uma nova associação recreativa do porte de um Oasis, de um Stone Roses. Em Skying, o The Horrors assume de vez essa condição de mascote-de-estádios, e com franqueza, autoridade. Difícil acusá-los de hipocrisia. Não: eles nos conquistam principalmente porque entendem a nosso gosto por discos que pensam grande, e se dedicam ao ofício com gana, paixão. Suam a camisa, como dizem os boleiros.

O álbum, simplificando bem, é shoegazing e psicodelia amplificados aos padrões do rock oitentista: soturno, grandalhão e acessível. Alguém comparou a Simple Minds, e não devíamos dar risadinhas porque o caminho é esse mesmo: o Echo and the Bunnymen de Ocean rain seria outro atalho para Skying (e vai ser divertido ler os comentários positivos de gente que detesta The suburbs, do Arcade Fire, outro dos nossos novos discos oitentistas).

Acontece que, ao expor os músculos pop que estavam ofuscados pela maquiagem pesada de Primary colours, o The Horrors começa a soar mais convencional, ainda que mais (digamos) apaixonante. Skying é para ser amado intensamente: mais ou menos como se o Deerhunter decidisse assinar com a Warner, gravar um clipe com o Spike Jonze e jogar para a torcida.

O Deerhunter, aliás, é tudo o que o The Horrors quer ser e (talvez por ter nascido tão britânico) jamais conseguiria. Porque, no caso dos ingleses, existe uma ambição por grandiosidade. E uma ambição um pouco ultrapassada (da mesma forma como acontece no disco mais recente do Arcade Fire), que faria mais sentido numa época menos dispersiva. Skying é um disco de indie rock para plateias enormes — mas onde elas estão? E, no mais, elas se importam?

(E aí você responde: estão nos grandes festivais europeus, as plateias enormes. Sim, assistindo a Foo Fighters e Arcade Fire. Mas ainda acredito que Radiohead e Deerhunter representam melhor os anos 2000 do que Arcade Fire e The Horrors)

Quando olhamos para o rock contemporâneo, uma banda como o Deerhunter soa mais realista, mais urgente que uma banda como o The Horrors. Mas o Horrors entende a nossa necessidade de super-heróis, sabe que ainda gostamos de álbuns com início, meio e fim — e, no mais, percebem a saudade que sentimos de uma época que moldou nosso gosto por música pop. É uma banda que dialoga intimamente com a minha geração, com tanta fluência que nos parece adorável mesmo quando não sabemos explicar por que.

É o que sinto quando ouço I can see through you, por exemplo. Ou as ambiências de Still life. Por alguns minutos, elas soam como as canções mais empolgantes da minha vida. Quando, após 54 minutos, as caixas de som silenciam, percebo o entusiasmo era um tanto ilusório. Neste terceiro disco, o The Horrors ainda é a banda que me lembra outras bandas – são fãs dedicados, saudosistas, que calharam de tocar guitarras.

Às vezes emociona. E daqueles discos que soltam fumacinha do nariz, que não passam discretamente, que querem nos convocar para uma guerra. Mas por que ainda me deixa com a sensação de uma obra que deriva excessivamente de outras e que, por fim, não tem algo tão interessante a comentar?

Acho que desse amor fatal, incondicional, eu fui poupado.

Terceiro disco do The Horrors. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento XL Recordings. 7/10

Os discos da minha vida (42)

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Este é, senhoras e senhores, o quadragésimo segundo capítulo da saga dos 100 discos que fazem a tracklist da minha vida. Hoje, sem prólogo.

018 | Loveless | My Bloody Valentine | 1991 | download

Antes de ter cravado as garras na história do rock (e ele se transformou num disquinho influente, meus amigos), Loveless era apenas ruído rosa: durante toda a década de 90, um álbum que destoava de tudo o que ouvíamos na MTV e na rádio. Extremamente delicado e às vezes extremamente incômodo (e estamos falando numa obra de extremos), o testamento de Kevin Shields é um daqueles projetos destemidos em que um artista pop decide testar os limites das tecnologias de gravação (e em que, nesse processo exploratório, acaba declarando guerra à gravadora responsável por pagar pela festa). Mas isso tudo é história da música pop, certo? Para mim, o que fica de Loveless é a repetição infinita de Sometimes no porão do meu cérebro, indo e voltando como uma canção de ninar pré-histórica, transmitida por meus antepassados. A impressão é de que esta música sempre esteve aqui, entre nós. Ainda me espanto quando percebo que ela foi composta no período em que eu era um menino de 11 anos de idade. Top 3: Sometimes, Only shallow, To here knows when.   

017 | Grace | Jeff Buckley | 1994 | download

Lembro que eu já conhecia duas ou três músicas de Grace antes de comprar o CD. Jeff Buckley ainda não havia morrido, então estávamos livres da carga mitológica que passou a envolver este álbum. Comprei porque havia algo em Last goodbye que gelava meus nervos (a linha de baixo, acho que era isso), e convidei meu pai para a primeira audição. Ligamos o disco num volume alto talvez demais: foi engraçado notar como o estrondo da faixa título, logo após a introdução meio indiana, deixou o velho surpreso. “Uau”, ele disse (e parecia um menino diante de uma montanha-russa sofisticada), e ali eu consegui me identificar com meu pai como em poucas vezes. Nos anos seguintes, voltei a este disco muitas vezes, sempre com um destino diferente. A fase Lover, you should’ve come over foi a mais duradoura: era uma música romântica demais, que talvez tenha me estragado um pouco. Passei a procurar casos de amor que fizessem justiça à canção, mas eles não existiam. Coisa de adolescente. O disco, apesar disso, seguiu galante, the one and onlyTop 3: Last goodbye, Lover, you should’ve come over, Grace.

Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

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