Murmur

Collapse into now | R.E.M.

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Escrevi pro jornal um textinho sobre o novo do R.E.M., Collapse into now. Quase tudo o que eu penso sobre o disco, que passou quase batido pelos meus headphones, está lá.

Para evitar que este blog perca o timing dos acontecimentos – e sem medo de soar incoerente, já que o próprio álbum é confuso, desconjuntado -, dou o “ctrl+v” na resenha para, logo em seguida, fazer alguns comentários que não couberam na página de papel. É assim:

Um estilo no automático

Ainda que não faça questão de esconder as rugas, o R.E.M. rejuvenesceu pelo menos 10 anos com Accelerate, de 2008. Aquele era um disco de rock compacto, tostado por uma iluminação dura que incidia em todas as canções. Em comparação, Collapse into now sinaliza um retrocesso: uma aventura sem tantos riscos, que provoca no fã a sensação imediata de familiaridade.

Em entrevistas, Michael Stipe comentou que o álbum espelha uma nova forma de consumir música, mais desatenta e fragmentada. Talvez faça sentido. Tal como The king of limbs, o mais recente do Radiohead, este conjunto de faixas também carece de unidade, de uma narrativa que garanta a elas um chão.

Talvez o vocalista tenha razão quando nota, que em 2011, o público se apaixona mais por canções que por discos. Esse “estado de coisas” justifica o formato despreocupado de Collapse into now, com um punhado de cenas fortes — como a vibrante All the best, que gruda na primeira audição, e as delicadas Überlin e Walk it back — que não se encaixam.

De um lado, há os herdeiros ruidosos de Accelerate. De outro, as reminiscências dos anos 1990. Ao afrouxar as ambições, o R.E.M. produz uma obra de impasse (e, quem sabe, transição), na linha de New adventures in hi-fi (1996) e Reveal (2001).

O que distancia este novo R.E.M. da obra-prima Automatic for the people é, acima de tudo, um certo desânimo com as palavras. Os versos se tornam cada vez mais singelos, sem a densidade dos tempos de Document, por exemplo.

A soma desses microcontos, apesar de flashes de inspiração (como Oh my heart e Discoverer), resulta numa obra efêmera. Ou, no melhor dos cenários, uma pausa breve no meio do caminho.

Duas ou três coisas mais:

1. Numa entrevista, Mike Mills apontou a diferença entre Accelerate e Collapse into now: aquele era um “statement”, este novo é um conjunto de canções “sem regras”. Pois percebo cada vez mais que o R.E.M. se sai melhor quando grava “statements” – discos coesos, cheios de regras, envolvidos numa atmosfera, num tom muito específico. São esses os meus preferidos: Murmur, Document, Automatic for the people, Monster (e daria para incluir Accelerate aí, mas não vejo tanta potência nas canções).

2. Já os discos “de transição” sempre têm dois ou três momentos de parar o coração (At my most beautiful, em Up!, E-bow the letter e Electrolite, em New adventures in hi-fi), mas soam como exercícios leves, que não exigem muito esforço – uma banda ganhando tempo. Collapse into now faz parte desse círculo – não tão potente quanto New adventures in hi-fi, não tão irregular quanto Reveal.

3. O mais triste é que, nos versos de Collapse into now, dá para notar um “tema” – melhor: um estado de espírito – que poderia formar um álbum menos desfocado. Os personagens de faixas como Walk it back e Oh my love são tipos que chegam à meia-idade como quem tenta reconhecer uma cidade em ruínas  (não à toa, parte do álbum foi gravada em Nova Orleans). As faixas mais alegrinhas aliviam esse disco cinzento que existe aqui dentro. Mesmo quando Stipe avisa que vai ensinar os meninos a agir do jeito certo (em All the best), fica a imagem de uma risada amarga, irônica. Desconforto.

4. Existe aí dentro um álbum sobre efeitos do tempo, reconstrução, reencontros. Mas a ideia está dissolvida; talvez ganhe corpo mais tarde.

Décimo quinto disco do R.E.M. 12 faixas, com produção de Jacknife Lee. Lançamento Warner Music. 6/10

Os discos da minha vida (24)

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Neste episódio da saga dos 100 discos que atazanaram a minha vida, meu voto é pela economia de parágrafos: vocês sabem como são as regras deste jogo, vocês sabem que as regras deste jogo são muito subjetivas, vocês sabem que este ranking não segue uma lógica muito clara e vocês sabem que somos grãos de areia num universo grandalhão e infinitamente misterioso.

Resumindo: a falta de sentido tem o seu encanto.

Só preciso lembrar-lhes, antes de partir para os álbuns da semana (extraordinários, juro), que é o grande lance desta série interminável de post é clicar naquela palavrinha sublinhada em azul e fazer o download de discos que deixarão a sua discoteca muito parecida com a minha. Não sei se há vantagem nisso, mas fico feliz com a ideia.

054 | Murmur | R.E.M. | 1983 | download

O primeiro LP do R.E.M. ainda soa a expressão mais cristalina da banda. As melodias vêm carregadas de uma intensidade quase bruta, que contrasta com uma poesia sempre engenhosa, enigmática. Uma tipo sofisticado de rusticidade que muitos tentaram copiar, mas cujo efeitos poucos conseguiram reproduzir (a tentativa mais recente: The king is dead, do Decemberists). Nos álbuns seguintes, o R.E.M. se tornaria mais “inconsequente” – com resultados às vezes deslumbrantes, mas sem essa dedicação obsessiva a uma ideia musical. Uma das obras-primas dos anos 80, Murmur retrata uma  juventude precocemente madura – uma banda apaixonada por um estilo que soava simultaneamente novo e clássico, original e velho. E a história estava só no começo. Top 3: Talk about the passion, Pilgrimage, Sitting still.

053 | Parklife | Blur | 1994 | download

Um álbum pop que soa como um daqueles livros infantis que tentam nos surpreender a cada dobradura: se o rock britânico dos anos 90 precisava de monumento, encontrou neste playground do Blur. Mais grandioso que isso:  neste voo panorâmico sobre a ilha, Damon Albarn usa os standards do pop inglês à serviço de uma longa crônica sobre a vida de meninos e meninas anônimos que se aprontam para o feriado, sonham com a América, temem a velhice, sofrem de amor e caminham em ruas enevoadas. Pessoas comuns (so many people!) – cujas histórias são narradas com o misto de euforia e melancolia, excitação e a certeza dolorida de que, apesar dos pequenos prazeres que provoca, o cotidiano não vai mudar. Top 3: To the end, End of a century, Parklife.