Mostra de SP
mostraSP | Dias 11 a 14
Aqui termina o meu diário da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Infelizmente (ou felizmente, dependendo do seu ponto de vista), são curtos os parágrafos sobre os últimos filmes que vi no festival. Tenho muito a dizer sobre cada um deles, mas pouco tempo. No mais, começo a achar que os posts desta série provocam certo cansaço até no leitor mais dedicado deste blog.
Portanto, rapidinho: as cotações ainda vão da letra D (de desagradável, digamos), à letra A+ (de absolutamente mágico, digamos). Além dos filmes que estão neste post, ainda assisti à cópia restaurada de Despair (1978), de Fassbinder, e à cópia encardida de Meu amigo Ivan Lapshin (1986), de Aleksei German. Não escreverei sobre esses filmes porque me sinto pequeno/burro perto deles. Logo após os comentários vocês encontram a meu top 10 da Mostra.
Fausto | Faust | Alexander Sokurov | A | Na primeira hora de projeção, a lenda de Fausto é narrada com a agilidade de uma aventura medieval. Parece o filme mais direto de Sokurov. Mas, ao enevoar progressivamente a trama, o cineasta nos mergulha no pesadelo do personagem – e, para quem não estiver disposto às comparações com a obra de Goethe, o filme pode ser visto simplesmente como uma caminhada para a perdição (por trilhas cada vez mais estreitas e difíceis), na companhia de um diabo cínico e encenada dentro de algums das imagens mais delirantes, mais impressionantes, que o cineasta já compôs. Mais ou menos como acontecia com o Tarantino de Bastardos inglórios, Sokurov cria o filme com a intenção quase declarada de compor uma obra-prima. Não acredito que chegue a tanto, mas não dá para acusar o diretor de negar fogo diante de ambições tão gigantescas. Resultado da odisseia: um filme acessível como nenhum outro do cineasta – e misterioso, estranho como qualquer um que já dirigiu. Escolha corajosa do júri de Veneza.
Caverna dos sonhos esquecidos | Cave of forgotten dreams | Werner Herzog | B | Um bom doc do History Channel, que cresce quando Herzog se livra das amarras do formato e divaga sobre as origens da arte. A exibição em 3D, adequada ao tema do longa, transformou o filme numa das atrações principais da Mostra de SP. Mas não é para tanto: ele não me parece singular ou forte, por exemplo, como um Homem-urso.
Um mundo misterioso | Un mundo misterioso | Rodrigo Moreno | B | Nada importante acontece, quase sempre graciosamente. Mais bem humorado e menos frustrante que O guardião, o anterior do cineasta.
Tudo pelo poder | The ides of march | George Clooney | B | Um conto político à americana: ágil, fun, um tanto simplório (e o título em português poderia ser Tudo por uma boa reviravolta de roteiro), but it works, it does. No elenco, todos os homens de Steven Soderbergh.
O dominador | Cho-neung-nyeok-ja | Kim Min-suk | B | Um super-herói boa-praça, um supervilão estressadíssimo, Coreia scores again.
Os contos da noite | Les contes de la nuit | Michel Ocelot | C+ | Animação com estilo (e Ocelot, tal como Sokurov, é dono de uma ilha visual absolutamente particular), mas o tom professoral/pedante da narrativa me afastou um pouco da brincadeira. E o gosto pelo exotismo, raso desse jeito, me parece uma boa intenção apenas superficial.
Projeto Nim | Project Nim | James Marsh | C+ | O diretor de O equilibrista acompanha a dura vida de um chimpanzé (submetido a pesquisas científicas e, por fim, abandonado) num doc cujo tema interessa mais que o formato: domesticado, quadradíssimo.
Periferic | Bogdan George Apetri | C | Um romeno especialmente romeno, sob medida para festivais de cinema. Na trama, tragédia pouca é bobagem.
Kaidan horror classics | Ayashiki bungo kaidan | Hirokazu Kore-eda, Masayuki Ochiai, Shinya Tsukamoto e Lee Sang | C | Combo televisivo (produzido pela NHK) cheio de limitações. O episódio do Kore-eda é o único que se salva.
País do desejo | Paulo Caldas | D | Momento vergonha-alheia da Mostra. Que diálogos são esses, Brasil?
Os 3 | Nando Olival | D | Cinema publicitário sem culpa (e sem rumo, sem graça, sem brio, sem razão de ser). Felizmente, dura apenas 80 minutos.
Desapego | Detachment | Tony Kaye | D | Um drama sobre o cotidiano em escolas públicas americanas que tenta chocar, tenta emocionar, mas só consegue ser tosco e infantil. Kaye, diretor de American history X, grita ao espectador lições que já conhecemos. Duas opções: encarar o filme como um Entre os muros da escola from hell. Ou abandonar a sala após a cena em que estudantes matam um gatinho a marteladas.
Top 10: Meus favoritos da Mostra de São Paulo
01. Isto não é um filme, de Mojtaba Mirtahmasb e Jafar Panahi
02. The day he arrives, de Hong Sang-soo
03. Fausto, de Alexander Sokurov
04. Histórias da insônia, de Jonas Mekas
05. Habemus papam, de Nanni Moretti
06. O garoto da bicicleta, de Jean-Pierre e Luc Dardenne
07. Irmãs jamais, de Marco Bellocchio
08. Era uma vez na Anatólia, de Nuri Bilge Ceylan
09. Girimunho, de Clarissa Campolina e Helvecio Marins Jr
10. Las acacias, de Pablo Giorgelli
mostraSP | Dia 4
Diário da Mostra, parte 2.
Lembrando as regras do jogo: as cotações para os filmes que vejo na Mostra Internacional de Cinema de SP vão da letra D (de, digamos, deprimente), a A+ (de, digamos, absolutamente incrível).
O garoto da bicicleta | Le gamin au vélo | Jean-Pierre e Luc Dardenne | A | Pode parecer pedante quando, à saída da sessão de cinema, o sujeito comenta que ainda está embasbacado com a composição de cores do filme. Pois bem: esse sujeito sou eu, e ele acredita (mesmo!) que, neste longa dos Dardenne, a preferência por cores primárias (vermelho, verde e azul) não deve ser interpretada como uma firula banal para embelezar e polir as imagens. Pelo contrário: a opção informa de um jeito muito preciso e até simples (e estamos diante de um filme que sabe exatamente o que quer para si) o ponto de vista dos cineastas em relação ao protagonista, um menino “vermelho” que responde com energia incrível às dificuldades do cotidiano. Rigorosos como sempre (e suaves como nunca, sem muitos dos maneirismos de câmera que eles próprios criaram), os Dardenne criam um “playground” visual de aparente leveza, com bordas pontiagudas (as cenas de violência são raras, mas fortes). Eu passaria um dia inteiro olhando as imagens deste filme (o fotógrafo é Alain Marcoen), sem diálogos nem nada; mas, obsessões estranhas à parte, também acredito que é o Dardenne mais amável – e o mais bem resolvido desde O filho (2002).
Fora de satã | Hors satan | Bruno Dumont | B | Estamos de volta ao mundo de Bruno Dumont, onde caipiras-zumbis se movimentam em paisagens silenciosas, de natureza selvagem e sinistra. A novidade em Fora de satã é que, apesar de parecer um Dumont típico (a encenação lembra, de imediato, A vida de Jesus, A humanidade e Flandres), ele experimenta o tempo todo, ainda que sutilmente, com elementos de filmes de horror. Se o longa anterior do cineasta era sobre um menina quase santa, este coloca em cena uma figura diabólica, imbatível, como que um irmão interiorano do serial killer Javier Bardem de Onde os fracos não têm vez. Só que não há suspense: interessante, no caso, é testemunhar um cineasta que tenta negociar o tom bressoniano com cenas grotescas, surreais, que transportam o filme a um ambiente inexplorado. Ainda que, mesmo aí, Dumont ainda carregue todo o peso de um estilo.
Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios | Beto Brant e Renato Ciasca | C+ | O cinema de Brant se tornou, como ele gosta de dizer, mais “permeável” desde Crime delicado (2005), e o filme novo do diretor é mais um capítulo dessa etapa: à trama principal, o cineasta adiciona uma série de vinhetas/interferências/digressões que vão esgarçando a narrativa, arranhando o resultado do filme. O processo de filmagem, como acontecia também em Cão sem dono, é uma aventura a ser incluída no corte final. Dito isso, acredito que Eu receberia… mostra as fragilidades desse “sistema”: sem uma trama principal forte (o “caule” do filme, digamos), as divagações à margem do roteiro giram em falso. E a trama, no caso, não me convence em quase nada: apesar de Camila Pitanga (que domina o filme, não à toa), todo o desenvolvimento da love story me parece truncado, prejudicado por um ato final aceleradíssimo. O projeto de Brant segue me interessando, mas desta vez o making of possivelmente será mais curioso que o filme em si.
Loverboy | Catalin Mitulescu | C | Os sofrimentos do jovem garanhão romeno. Vidinha à deriva, filme idem.
Diário de SP | Superoito na Mostra
Diário da viagem de Tiago Superoito a São Paulo. Em cerca de 20 dias, ele pretende acompanhar a Mostra de SP e, entre uma sessão e outra, ouvir alguns discos.
Os filmes vão em azul. Os discos e shows em vermelho.

5/11
Os famosos e os duendes da morte | Esmir Filho | 6 | Sei que estou em minoria, mas gostei da estreia de Esmir Filho. A ambição de fazer uma espécie de Paranoid Park para fãs de Mallu Magalhães quase nunca se resolve maravilhosamente bem, mas o diretor banca o risco de retratar (com naturalidade e lirismo) uma geração maltratada e/ou desdenhada pelo cinema brasileiro.
Ninguém sabe dos gatos persas | Bahman Ghobadi | 7 | Apesar de não ter me convencido tanto assim nas tentativas de ficção, trata-se de um ótimo, vibrante doc sobre a música underground de Teerã (acredite: no Irã, bandas de indie rock são caso de polícia) .
A ilha de Bergman | Marie Nyreröd | 6 | Documentário televisivo (com jeitão de Biography Channel), mas Bergman é Bergman.
Brilho de uma paixão | Bright star | Jane Campion | 5.5 | Este conto romântico talvez seja o filme mais solene de Campion. Muito bem realizado (e com um elenco excelente), mas engessado por um formato de filme de época preciosista que não me impressiona (ou comove) em nada.
Lebanon | Samuel Moaz | 7 | Um action movie de guerra que me lembrou em alguns momentos The hurt locker (talvez por retratar experiências muito específicas num combate). Mas não dá para esperar complexidade deste aqui: Moaz não apenas confina os personagens dentro de uma máquina como parece simular, na narrativa, o movimento agressivo, violento de um tanque de guerra. Sem sutilezas, portanto, mas muito preciso naquilo que quer mostrar.
Meu top 5 da Mostra:
1. Polícia, adjetivo 2. Vício frenético 3. A família Wolberg 4. Ervas daninhas 5. 35 doses de rum4/11
Samson & Delilah | Warwick Thornton | 5 | Os aborígines também amam (e se estrepam). Eu não me surpreenderia se recebesse uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro. Miserê soft.
Maradona | Emir Kusturica | 5 | Um filme sobre o personagem Maradona, que Diego interpreta razoavelmente bem. Kusturica, de quatro, não consegue mais que se deslumbrar com ele. Daria um curta. A Igreja Maradoniana, no entanto, é um achado.
Todos os outros | Alle anderen | Maren Ade | 7 | Todo filme sobre as oscilações de um caso amoroso tem que soar pelo menos um pouco enervante, e este não é diferente. Sentimentos contraditórios, rompantes de ódio, momentos de felicidade e êxtase… As atores levam a ideia a ferro e fogo e resultado é um drama intenso, que exige cumplicidade do público. Demorei a digerir.
Shirin | Abbas Kiarostami | qualquer nota | Mentira, é 6. Uma experiência inclassificável, mas fiquei com a impressão de ter visto um filme tão enigmático quanto matemático (e por isso frio). O conceito é ótimo: Kiarostami filma rostos de atrizes enquanto elas assistem a um filme inspirado numa fábula persa. Essa ideia, por si só, rende inúmeras discussões sobre cinema, representação, o papel do espectador… Todas elas, aposto, mais envolventes que o filme em si.
3/11
O amor segundo B. Schianberg | Beto Brant | 4.5 | Um filme coerente com o projeto que Brant desenvolve desde Crime delicado: a narrativa se abre ao acaso, às experiências de vida dos atores, a referências de outras obras (a peça Navalha na carne e o filme A concepção) e à sensação de improviso. Mas, ao contrário dos longas anteriores dele, esse aposta tudo numa estrutura muito frágil, que dependeria de atores extraordinários (e, mais que isso, interessantes) para se justificar. Não é o caso.
Soul kitchen | Fatih Akin | 7 | Esta comédia não tem nada de nouvelle cousine, e melhor assim: um Akin bem-humorado vale por dezenas de diretores europeus socialmente engajados. Personagens muito vivos, gags de primeira e um herói adorável: taí a receita de um crowd-pleaser improvável.
Making plans for Lena | Non ma Fille, tu n’iras pas Danser | Christophe Honoré | 5.5 | Nada é estável (ou verdadeiramente confortável) na família de Honoré. O francês tem bom olho para a crise doméstica, mas este drama choroso está mais para Lelouch que para Truffaut. Ajudaria se Lena não fosse uma chata de galochas – e aí não há Antony and the Johnsons que nos convença das fragilidades da protagonista.
2/11
Ontem este blog completou dois anos de vida (curiosamente, num dia de Finados). Parabéns pra ele.
Viajo porque preciso, volto porque te amo | Marcelo Gomes e Karim Aïnouz | 6 | O documentário atropela a ficção, mas também patina em lugares-comuns (a trilha sonora brega, as cenas com prostitutas). Ainda assim, um diário de viagem com trechos muito bonitos.
London River | Rachid Bouchareb | 5 | De novo, o blablabla sobre intolerância, diferenças culturais e solidariedade numa Europa pós-11 de setembro. Brenda Blethyn imitando um jumento é um dos momentos-vergonha-alheia da Mostra.
Alga doce | Tatarak | Andrzej Wajda | 7 | Um drama clássico dentro de um filme moderno. Wajda deixa que a realidade rasgue a ficção de uma forma tão violenta que a tristeza das últimas cenas fica quase insuportável.
I love you Phillip Morris | Glenn Ficarra e John Requa | 5 | Tá na cara: os diretores se impressionaram tanto com a história real do trapaceiro gay que esqueceram de fazer cinema. Tosco, ainda que mais sacana que a média (em 2009 já é permitido fazer piada com AIDS?).
1/11
off-Mostra
500 dias com ela | 500 days of summer | Marc Webb | 5.5 | Tem momentos simpáticos (e é bacana notar que a “moral da história” tem mais a ver com os poderes da autoestima que com a ladainha do amor eterno), mas a love story indie soa como decalque ralo de Nick Hornby.
This is it | Kenny Ortega | 5 | Celebração além-túmulo – um tanto mórbida, portanto. Mas, além de valer como registro, o trabalho de edição é primoroso: Ortega quase me fez acreditar que, pouquíssimo tempo antes de morrer, Michael Jackson se portava como um touro no palco. Poderes do cinema.
31/10
Dente canino | Kynodontas/Dogtooth | Yorgos Lanthimos | 4.5 | A ideia é interessante, mas o modo impassível como Lanthimos trata os personagens (são cobaias de uma encenação) vai fazer você repensar Anticristo.
30/10
O filho do caçador de águias | The eagle hunter’s son | René Bo Hansen | 4.5 | Exotismo pueril. Poderia estar na grade do Discovery Kids.
>> A família Wolberg | La famille Wolberg | Axelle Ropert | 8 | Provoca as emoções de um velho disco arranhado de soul music. Melancolia aveludada. Um dos melhores da Mostra (e, assim que chegam os créditos finais, já dá vontade de rever).
Quase Elvis | Almost Elvis/Karaokekungen | Petra Revenue | 4 | Humor desafinado, premissa bocó.
O fantástico Sr. Raposo | Fantastic Mr. Fox | Wes Anderson | 7 | Anderson pode até não ter encontrado uma forma de se livrar da camisa de força criativa onde está metido (o longa anterior dele já soava redundante), mas é um dos filmes mais fluentes que já dirigiu. Uma animação para crianças de muito bom gosto, digamos assim. E qualquer filme que abre com Heroes and villains merece minha consideração.
29/10
Seguindo em frente | Still walking | Hirokazu Kore-eda | 6 | Com meia hora a menos e sem algumas das frases-de-biscoito-chinês (tipo “os amigos que morrem nunca nos abandonam verdadeiramente”), acho até que o Kore-eda conseguiria ter feito mais que uma delicada crônica familiar. 35 doses de rum é uma homenagem menos óbvia a Ozu.
O solista | The soloist | Joe Wright | 5.5 | Wright tenta dar alguma dignidade ao bromance piegas. Jamie Foxx interpreta um carro alegórico (e muito provavelmente será recompensado pela proeza com uma indicação ao Oscar).
Insolação | Felipe Hirsch e Daniela Thomas | 5 | Hirsch é um dos poucos que me tiram de casa para ir ao teatro, daí o tamanho da decepção. Um cinepoema desapaixonado sobre o amor. Era essa a intenção? Mas ok: sem a tentativa de ficção (que pelamordedeus…), daria um documentário até bem razoável sobre a arquitetura de Brasília. O próximo filme dele será melhor que este.
28/10
Como ser Mr. Kotschie | Mensch Kotschie | Norbert Baumgarten | 5 | O cidadão-alemão-modelo, certinho, polido e bem casado, chega aos 50 anos de idade e esbarra numa crise existencial que… certeza de que não tem o dedo do Alexander Payne nisso aí? Alan Ball?
Singularidades de uma rapariga loura | Manoel de Oliveira | 7 | Um país solto no tempo, a cegueira do amor, uma bela homenagem a Eça de Queiroz. O começo é perfeito, só que… Raramente reclamo disso, mas taí um filme que me incomodou por ser curto demais.
O que resta do tempo | The time that remains | Elia Suleiman | 7.5 | Num tom ainda mais particular que o de Intervenção divina (sem a mesma verve, mas com gags tão ácidas e bizarras quanto), Suleiman olha com perplexidade para a própria história. Encontra uma vida cercada de horror por todos os lados.
Vencer | Vincere | Marco Bellocchio | 6.5 | Um melodrama febril, mas quase soterrado pelo próprio peso (eu não recomendaria uma sessão dupla com A fita branca).
26/10 e 27/10
>> 35 doses de rum | 35 rhums | Claire Denis | 8 | Sensibilidade incomum (e uma trilha sonora de arrepiar).
À procura de Elly | Darbareye Elly | Asghar Farhadi | 5.5 | Melhora um pouco quando um personagem-surpresa entra em cena, mas este thriller iraniano (com um subtexto político, como de praxe) não escapa muito do trivial.
Abraços partidos | Los abrazos rotos | Pedro Almodóvar | 7 | Quase uma sequência de A má educação: acerto de contas com o cinema. Há cenas extraordinárias (como aquela em que o cineasta cego tenta sentir as imagens tocando o monitor da televisão) e momentos em que o diretor parece ter ativado o piloto automático (toda a sequência final, do filme-dentro-do-filme). Ainda assim, Almodóvar vai do melodrama à esculhambação com aquela naturalidade que conhecemos bem.
Tyson | James Toback | 6 | Autorretrato franco (mas dirigido sem a menor inspiração).
Tokyo! | Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon-ho | 5, 7, 6.5 | Carax destoa do tom preciosista, à Amélie Poulain, dos episódios de Gondry e Joon-ho. De qualquer forma, eu não me incomodaria se o filme do Joon-ho tivesse 135 minutos de duração.
Independencia | Raya Martin | 7 | Vida e morte numa floresta impressionista.
>> Vício frenético | Bad lieutenant: port of call New Orleans | Werner Herzog | 8 | Harvey Keitel ainda reina, mas Nicolas Cage sua a camisa (e está tão bem quanto em Despedida em Las Vegas e A outra face). Mas as comparações com o filme de Abel Ferrara são inadequadas: Herzog desloca a trama para New Orleans, lima as crises religiosas, reforça o humor negro (o que são aquelas iguanas psicodélicas?) e vê a América contemporânea pela lente do absurdo. Um outro tempo, um outro filme – e tão poderoso quanto o original.
24/10 e 25/10
Distante nós vamos | Away we go | Sam Mendes | 5 | Mendes tenta se livrar da pompa, mas tudo o que consegue é um road movie fofo e fake. A trilha sonora, que dilui Nick Drake de 1001 maneiras, soa apropriada.
>> Polícia, adjetivo | Politist, adjectiv | Corneliu Porumboiu | 8 | Porumboiu sai à procura das palavras e imagens exatas. O melhor romeno que vi.
Mother | Madeo | Bong Joon-ho | 7 | Outro que sabota elegantemente as regras do “filme policial”. Joon-ho é um talento e a cena final, belíssima. Uma ressalva, no entanto: sei que isto não vai incomodar quase ninguém, mas a estrategia que ele encontra para resolver o mistério central da trama me pareceu uma solução fácil demais.
Sedução | An education | Lone Scherfig | 4.5 | Cumpre rigorosamente as exigências do Oscar: ameno, inofensivo, agradável e, por fim, vazio.
Aconteceu em Woodstock | Taking Woodstock | Ang Lee | 5.5 | O tom sugere uma crônica, mas a aparência é de charge em tom pastel. Raso em absolutamente tudo (e não melhora o livro, que é uma bobagem).
23/10
Ricky | François Ozon | 7.5 | Fantasia (na real).
A mulher do anarquista | Marie Noëlle e Peter Sehr | 3.5 | Uma minissérie escrita por Maria Adelaide Amaral. E dirigida por Jayme Monjardim.
>> Ervas daninhas | Alain Resnais | 8 | É uma heresia escrever apressadamente sobre este filme, mas adianto que o novo Resnais revê o tom afetuoso e elegante de longas como Medos privados em lugares públicos e Amores parisienses, mas, simultanemente, quebra nossas expectativas com uma narrativa livre, enigmática e bem-humorada, que me lembrou alguns filmes dirigidos por ele nos anos 80 (A vida é um romance, Amor à morte). Talvez não seja um grande Resnais (pode ser uma obra de transição, e espero que seja), mas é o filme mais aventureiro dele desde Quero ir pra casa.
A fita branca | Michael Haneke | 6 | Rigoroso e pedante (como esperávamos de Haneke), mas me parece um retrocesso em relação a Caché. O típico “filme de arte” que enche os olhos de jurados de festivais. É um deleite visual, e um drama mais bergmaniano que qualquer Bergman (imagine aí o sueco filmando o roteiro de Dogville). Mas a parábola sobre o nascimento do nazismo soa frágil (já que toda sustentada em relações de causa-efeito e didatismo sociológico) e Haneke insiste em carregar cada cena com um peso de auto-importância que entendo como excessivo. Não é muito a minha praia, mas vai ter gente defendendo com entusiasmo.
Sede de sangue | Park Chan-wook | 6.5 | No humor ou no horror, não tem estribeiras – o que, para um filme de vampiros, vejo como uma qualidade. Mas não sabe quando ou como acabar.
22/10
(…)
21/10
Novidades no amor | The rebound | Bart Freundlich | 4.5 | Nenhuma novidade (mas taí: nunca vi tanta criança vomitando dentro de uma comédia romântica).
Unmap | Volcano Choir | 6.5 | Soa menos como um novo projeto de Bon Iver e mais como uma participação dele num álbum do Collection of Colonies of Bees. Dito isso, o “convidado especial” faz com que prestemos atenção à arte sutil de uma boa banda de pós-rock, do tipo raro que cria atmosferas à serviço de melodias.
20/10
À procura de Eric | Looking for Eric | Ken Loach | 6.5 | Um Loach mais fluente que o de Ventos da liberdade (e menos efêmero que o de Apenas um beijo). Pode ser visto como uma comédia leve, um feelgood movie (e, com uma boa campanha, poderia entrar facilmente na lista dos indicados ao Oscar), mas também como um conto urbano muito coerente com antigas preocupações do cineasta, ainda um working class hero. Faz algumas jogadas ensaiadas (o roteiro de Paul Laverty é golpe baixo), mas não perde a doçura. A interpretação de Steve Evets, o carteiro que “conversa” com o ídolo de futebol, é das melhores do ano.
Quanto dura o amor? | Roberto Moreira | 4 | O filme felizmente dura 83 minutos (na maior parte da sessão, não consegui tirar da cabeça aquela canção do Blur que vai mais ou menos assim: They’re stereotypes/There must be more to life).
O caçador | Chaser/Chugyeogja | Na Hong-jin | 6 | A trama é literatura pulp tratada a ferro e fogo (talvez isso explique as comparações, nem sempre justas, com Park Chan-wook e Bong Joon-ho). Mas o cineasta não tem pulso, pilota no automático – daí a flacidez da narrativa.
19/10
Anticristo | Lars von Trier | 7 | O pesadelo de Trier talvez seja mesmo controlado demais (qualquer delírio de David Lynch soa mais caloroso), mas não consigo desprezar um filme tão obcecado por imagens de culpa, dor e luto. Tenho que ser franco: tirando um ou outro momento mais desajeitado (o diretor trata o gênero horror com tanto estranhamento que o efeito fica até interessante), Trier conseguiu me perturbar com este pesseio na floresta. Um detalhe curioso: quase todas as resenhas que li reclamam do prólogo (slow-motion em p&b aparentemente virou crime), por isso só posso supor que quase ninguém tenha visto O espelho, do Tarkóvski. Vejam. É um dos meus favoritos. E, ainda que não do modo mais óbvio, tem muito a ver com este Anticristo.
Bonfires on the heath | The Clientele | 7.5 | O Clientele é daquelas bandas que não fazem estardalhaço e que, por isso, sempre correm o risco de serem subestimadas. O novo disco deles é quase tão bom quanto Strange geometry (e quem conhece aquele álbum entendeu o peso do meu elogio) e prova que o grupo não vai descansar enquanto não encontrar a canção irretocável, uma criação capaz de cristalizar toda a tradição do pop barroco britânico (repare nos sopros à mariachi, discretos e precisos). A jornada do Clientele é às vezes enervante (e a polidez ainda incomoda), mas quase sempre rende melodias elegantes – e, nos melhores momentos, também emocionantes, como a faixa-título e I know I will see your face.
New moon – Original motion picture soundtrack | Vários | 6 | Daria um ótimo EP, com Thom Yorke (e Hearing damage não é lá extraordinária), Grizzly Bear (Slow life), Bon Iver & St. Vincent (Rosyln) e Death Cab for Cutie (Meet me on the Equinox). Nada muito diferente de um dos CDs do The O.C. (os indies vão aos teens), mas poderia ter sido pior.
Diário de SP | Na Mostra (5)
1 | E os monitores da Mostra, que só conseguem assistir a curtos pedaços de cada filme? “Vejo o iniciozinho. Ou o finalzinho. Nunca dá pra ver tudo”, um deles comentou. O mais pitoresco é que, ainda assim, eles arriscam recomendações. “O começo de Sonata de Tóquio é uma coisa”, avisou a do cabelo encaracolado. No que eu me intrometi: “É que você não viu o fim.”
2 | Mas o mais divertido, de longe-longe, são as legendas de filmes portugueses. Em bom português de Portugal, cabrão.
3 | Pronto: conheci o Michel e o Bruno, reecontrei o Diego e o Chico, acenei duas vezes pro Filipe e uma pro irmão dele, o Guilherme. Vi de longe algumas pessoas que acredito ser quem penso que são, mas ainda não tenho certeza. De qualquer forma, tutti buona gente.
4 | Aliás, o que mais tem na Mostra é filme sobre família. O Grande Tema. Principalmente sobre aquela que todos nós amamos tanto: a máfia, que outra?
5 | Hoje os filmes são todos dignos de consideração (o dia mais proveitoso da Mostra, antes tarde que nunca), mas os comentários são de classe econômica – que está tarde e não sou de ferro.
6 | Aquele querido mês de agosto | Miguel Gomes | ****
Um musical. Uma história de amor. Um retrato para um lugar. Uma gozação. Um hit brega. Um longa-metragem de baixo orçamento. Um ensaio metalingüístico. Um making of. Uma comédia popular. E um maravilhoso documentário sobre coisa alguma.
7 | Horas de verão | Olivier Assayas | ***
Depois de dar a volta ao mundo, Assayas convida os globetrotter de filmes como Boarding gate e Clean para um encontro de família. O planeta continua confuso, as fronteiras permanecem borradas, mas o que está em jogo aqui é o rastro das raízes. Hoje, o que fazemos com nossas origens? É possível simplesmente deletá-las? Elas sobrevivem de alguma forma? A resposta é um lamento discreto, uma crônica em tom menor que – e basta olhar com atenção – está à altura dos ótimos filmes recentes do cineasta.
8 | Depois da escola | Antonio Campos | ***
Antes que alguém aponte semelhanças com a juvenília de Gus Van Sant, Antonio Campos encena abertamente esta tragédia estudantil num cinema pós-Elefante (e numa América pós-Columbine). Faz isso bem. Apesar de alguns excessos típicos de primeiros filmes (o quase fetiche dos planos lentos, por exemplo), esta é uma estréia que chuta a porta – e consegue sintonizar com extrema sensibilidade alguns dos dramas de uma geração que parece ainda mais nova e misteriosa que a retratada nos longas de Van Sant. O cineasta compreende a agonia do adolescente que deixa a câmera ligada para capturar imagens verdadeiras – e, enquanto o acompanha, compõe um thriller nada ingênuo.
9 | Sob controle | Jennifer Lynch | **
É tudo o que se espera de um filme dirigido pela filha do homem: um trem-fantasma tenso e perverso, com um quê de cinema noir e outro de fitas de horror. A boa lição aprendida por Jennifer: não fazer concessões, e deixar que a loucura dos personagens devore a trama. Os 15 minutos finais são um teste para os nervos – o restante do filme é um freak show doentio. A América podre da família Lynch como a conhecemos.
10 | Pelo menos para mim, amanhã começa o Tim Festival. A Mostra ficará em segundo plano. Prometo atualizar o blog assim que possível. Não que vocês se importem terrivelmente com isso, certo?
Diário de SP | Na Mostra (4)
1 | Momento cinema-cabeça: eu também não entendi a cabeleira do Wim Wenders.
2 | E o maior mistério da Mostra pra mim, até agora, é conseguir identificar as pessoas que conheço pela internet, e até freqüentam este site às vezes. Sou péssimo pra isso. A distância que separa uma fotografia de Orkut da vida real é, para mim, uns setecentos quilômetros. Aposto que essa turma toda deve me achar um baita de um mal-educado, um carioca metido a besta, um cinéfilo forasteiro de araque – mas nem é isso, nem é timidez, juro: eu só não os reconheço, gente.
3 | O que move essa multidão a entrar em duas longas filas (a do ingresso e a da sessão), brigar por uma boa poltrona e enfrentar produções desconhecidas que muitas vezes só contribuem para a enxaqueca do dia seguinte? A resposta está no tópico abaixo.
4 | Sonata de Tóquio | Kiyoshi Kurosawa | ****
Meu filme favorito da Mostra até agora periga ser incompreendido pelo menos de duas formas: alguns o tratarão como um ensaio sociológico disfarçado de melodrama (à Linha de passe), outros encontrarão mais um painel excessivo para os males do mundo (à Babel). Mas nenhuma dessas comparações há de se sustentar durante toda a projeção. Expert em fitas de horror, Kurosawa empresta a um drama doméstico a atmosfera de um história de fantasmas – e, com absoluta delicadeza, enxerga com uma lente delirante (levada ao limite na meia hora final) a crise das relações familiares. É, por isso, um filme incomparável que se dá ao luxo de parecer bastante simples (já que lida com eventos do cotidiano). Isso sem contar a aula que é assistir a um filme com planos construídos com tamanha leveza e precisão. A cena final já é a mais emocionante do ano.
5 | E chega, posso voltar para casa.
6 | Queime depois de ler | Joel e Ethan Coen | **
Entre as pequenas comédias dos Coen, é uma das mais divertidas – a sucessão de boas piadas rendeu a sessão mais festiva da Mostra, e eu recomendaria o filme apenas pela cena em que George Clooney tem um ataque de paranóia em plena luz do dia, num parquinho. Mas, passado o impacto do reconhecimento de um estilo, o passeio pela Coenlândia acaba parecendo seguro demais – e lembrar de Onde os fracos não têm vez será prejudicial à saúde do espectador.
7 | Adoração | Atom Egoyan | *
Egoyan pode até não se cansar de fazer filmes sobre o ato de narrar histórias (um processo, ele alerta, distorce a verdade dos fatos), mas, pelo menos pra mim, já deu.
8 | Julgamento | Leonel Vieira | *
Um Ação entre amigos português com um clímax mui oportuno que enterra o filme a sete palmos.
9 | O clone volta para casa | Kanji Nakajima | w/o
Foi o Wim Wenders quem escolheu. O que não significa muito (ele também selecionou A sereia do Mississipi, do Truffaut), mas não pesa contra uma ficção-científica sobre clonagem que vampiriza Tarvoksvi e ganharia peso se exibido numa projeção digital menos vagabunda. Mas é tudo o que posso falar sobre ele, já que, cansado e faminto, abandonei a sessão com 60 minutos de filme.
Diário de SP | Na Mostra (3)
1 | Não, eu não vi a cópia restaurada de O poderoso chefão (mas vi o estande armado dentro do Cinesesc para divulgar o novíssimo box de DVDs da trilogia).
2 | Sim, três dias e para mim já deu. Desconfio cada vez mais de que não nasci para isso.
3 | Entre um filme e outro, vivi uma cena de crueldade à Haneke. Na superlotada praça de alimentação, fiquei uns quinze minutos de pé à espera de um lugar vago. Quando encontrei um, uma mulher de mais ou menos quarenta anos pediu que eu cedesse a mesa a ela: “Por favor, por favor, tenho filho pequeno”. Cedi. Quando notei, o “filho pequeno” tinha uns 12 anos de idade. E, enquanto eu esperava de pé mais uns quinze minutos, a empanada esfriando e o suco esquentando, ela fez de conta que nunca tinha me visto na vida.
4 | Isto é São Paulo?
5 | O casamento de Rachel | Jonathan Demme | ***
Um belo filme, objeto estranhíssimo no cinema norte-americano que se vê por aí, que possivelmente acabará subestimado na correria da Mostra. Demme se equilibra entre os dramas (e as fórmulas) de uma típica fita indie sobre barracos de família e um olhar quase documental, capaz de acrescentar à narrativa uma série de elementos que não dependem da trama principal (a trilha sonora, por exemplo, é um show à parte). Mais determinado a explorar a atmosfera alegre/triste de uma típica reunião de família que em compor um mosaico de subtramas à Altman (ainda que faça isso bem), o filme não se rende a nenhuma solução fácil – nem para o público de multiplex, nem para os cinéfilos da Mostra.
6 | Todo mundo tem problemas sexuais | Domingos Oliveira | ***
Eis o filme que, ao contrário de Juventude, Domingos Oliveira não ousa inscrever em competições de festivais. Já que isto é um blog e nada mais que um blog, posso cometer a grosseria de afirmar que é este aqui o meu preferido, de longe, entre as duas novidades do cineasta? Se Juventude carrega a carga pesada de ter que afirmar (ou sublinhar) uma estética, Todo mundo tem problemas sexuais é a bagunça, a arruaça. Adaptação teatral com tique nervoso, o filme comete uma série de “crimes” que não seriam perdoados pelo juri oficial: se inspira em um texto repleto de chulices, assume abertamente a origem teatral e, mais que isso, confunde a encenação cinematográfica com uma espécie de making of da peça (intercala cenas de ensaios, leituras do texto, performances etc). Livre e solto, é uma zorra que experimenta radicalmente com o popular e que, por isso (e também pelo visual tosco, mas essa é uma outra discussão), será tratado como um passatempo, um playground de um grande diretor. Para mim, é o Oliveira mais jovial em muitos anos.
7 | Juventude | Domingos Oliveira | **
Seria ainda mais comovente se fosse apenas um documentário sobre o encontro dos três atores em uma mansão, num fim de semana. Algumas soluções da trama parecem truncadas – ainda que Oliveira defenda com muita convicção um cinema em que o texto se faz soberano (e sorte a nossa que, até aqui, são ótimos textos).
8 | Chove em nosso amor | Ingmar Bergman | **
O amor, os mistérios ao redor dele, um cineasta em formação e um narrador intrometido.
9 | La buena vida | Andrés Wood | *
Atendendo aos pedidos dos críticos incomodados com a pobreza fashion, taí um Linha de passe para a classe média: mas aqui é o cinema que parece miserável.
Diário de SP | Na Mostra
1 | Chove em São Paulo.
2 | O público da Mostra de São Paulo renderia um post muito engraçadinho (principalmente a galera que, na fila de um filme dos Dardenne, faz graça com narrativas lentas de planos longos e cenas intermináveis etc), mas não vou escrevê-lo. Deixa quieto.
3 | Concordo com quem diz que a Mostra está um tanto capenga (foi uma dificuldade montar uma programação que não incluísse aqueles filmes que vemos para preencher buracos entre um horário e outro). Mas discordo dos que, contrários aos cinéfilos enlouquecidos por novidades (que cinéfilo não é?), saem por aí resmungando que só vão ver “Bergman e Berlin Alexanderplatz“. Aposto que, em seis meses, a Versátil lança tudo isso em DVD.
4 | Agora sou eu quem está resmungando, há! Vamos aos filmes, então (com comentários curtos e desimportantes, como era de se esperar, não dá para tirar muitas conclusões sensatas em meio a esta correria).
5 | A fronteira da alvorada | Philippe Garrel | ***
Tão próximo e tão distante de Amantes constantes, é um filme bem menos grandioso, mas igualmente fantasmagórico, doente de amor. A metade final, quase um filme de horror, é tudo o que eu não esperaria de um longa que começa no confinamento de um romance como outro qualquer. Fico com a impressão de que Garrel queria exatamente isto: dar à narrativa a aparência de uma onda mansa que quebra e se transforma em outra onda mansa, que leva os personagens de um caso amoroso a outro até finalmente se desfazer na areia. E é um século 21 em preto-e-branco, habitado por casais que trocam cartas e tomado pela suspeita de que 1968 ainda não terminou.
6 | Liverpool | Lisandro Alonso | **
Para mim, não foi um caso de “ame ou odeie”. Bateu simpatia, pode ser? Se o argumento de que Lisandro Alonso (cuja obra, até agora, eu desconhecia) despreza o componente humano em prol de paisagens e objetos já me parecia meio frágil, ele se esfarelou no ar após a sessão. É apenas uma longa caminhada em silêncio ao lado de um homem, não mais, filmada com alguns maneirismos que incomodam o cinéfilo e um detalhismo obsessivo que irritará o restante do público. Talvez a culpa tenha sido do meu estado de espírito durante a sessão, mas não consegui ver nada de ordinário ou de falso nas imagens de Alonso – na verdade, comprei um pacote econômico para a aventura, sem me livrar de alguma desconfiança, mas sem rejeitar o ritmo do diretor.
7 | O silêncio de Lorna | Jean Pierre e Luc Dardenne | **
Curioso (e até engraçado) que tenha vencido o prêmio de melhor roteiro em Cannes: é o primeiro filme em que os Dardenne abusam de artifícios de texto para conduzir os personagens dentro da trama. Quase sem ar (e sem câmeras coladas na nuca), a narrativa não acompanha a protagonista (como faz Alonso em Liverpool), mas a empurra – e, nesse sentido, é um longa que se mostra ainda mais decepcionante para quem, como eu, viu Rosetta há apenas algumas semanas. As discussões morais aparecem de forma explícita, quase emburrecedora, e o que sobrevive a essa fase mais “acessível” (no pior uso da palavra) dos cineastas é o retrato ainda bastante carinhoso de uma mulher em perigo – e, sim, o olhar muito atento para uma Europa de fugitivos, em profunda crise de identidade.
8 | Tulpan | Sergei Dvortsevoy | **
O vencedor da mostra Un certain regard, em Cannes, nos convida para entrar numa comunidade nômade do Cazaquistão. Como em Mutum, o espectador é que deve se adaptar lentamente a uma realidade que não conhece – é um filme que cresce muito quando se atém à observação dos hábitos dos personagens (e eles também não são tratados como um catálogo de fotografias exóticas, mas como uma família que poderia existir em qualquer outro canto do planeta). Mas, nos momentos mais extravagantes, fica parecendo um cruzamento insuportável de Kusturica com Discovery Channel.
9 | Terra vermelha | Marco Bechis | *
O estudo das relações entre índios e brancos no Brasil é urgente e forte – o filme, nem tanto. Se o diretor parece muito à vontade diante dos índios (e não lembro de outro longa de ficção que retrate com essa liberdade as comunidades indígenas brasileiras no tempo presente), não sabe o que fazer com os brancos – são meras caricaturas. O impasse entre um lado e outro do conflito é exposto da forma mais professoral possível – em diálogos que soam como discursos, em excesso de situações-limite que impedem uma aproximação do público com os personagens, tratados mais como símbolos para uma crise social que como seres humanos. É o típico filme-denúncia que, se exibido no Festival de Brasília, ganharia todos os prêmios.
10 | Vou indo.