Morrissey

Os discos da minha vida (41)

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A saga dos discos que afligiram a minha vida chega a um episódio febril. No capítulo de hoje, este blogueiro (com a cabeça ardendo de preocupação) dá um pause na rotina tumultuadíssima e cumpre com certo atraso o compromisso amplamente babaca de listar mais dois discos de uma lista que contém 100 álbuns selecionados de acordo com critérios muito pessoais.

Há boatos de que estou perdendo meu tempo: sim, meus chapas, estou mesmo. E essa perda descontrolada de punhados e punhados de tempo me põe numa agonia sem fim. A impressão é de que, quando corro meus dedos neste blog, mexo num cadáver. Meio mórbido, eu sei

Minha vida anda tão complicada que renderia muitos posts sentimentais sobre temas que me deixariam envergonhado no dia seguinte. Prefiro ficar na minha. Meu coração vai bem, batendo e batendo feliz, mas o resto está quebrando. Espero que essa sensação ruim vá embora no fim dessa fábula dark. Por enquanto, o Tiaguinho aqui tá no meio da floresta. E é noite.

No entanto, vocês querem saber dos discos e está de hora de irmos de encontro a eles. Ok? A dupla de hoje é, pra mim, fundamental (obviamente). Abrimos o top 20 (oh! negrito!) com uma obra-prima e uma quase obra-prima. E nem vou perder meu tempo batendo na tecla de que são discos importantíssimos, que moldaram meu temperamento, que me educaram e que me deram de comer. Tudo isso tá se tornando muito repetitivo. Para nossa sorte, a jornada se aproxima do fim.

Nem demorou tanto assim, certo? Certo. 

020 | The queen is dead | The Smiths | 1986 | download

Passei tanto tempo congelado em I know it’s over, uma hit premonitório sobre os meus 15/16 anos, que só focalizei o disco muito depois, quando minha adolescência já havia terminado. E aqui, ainda, muito firme ao lado dos que consideram este álbum uma espécie de resumo da Mitologia do Rock Britânico, em tudo o que essa história tem de irônica, elegante, cruel, autodepreciativa e, se pensarmos em melodia/refrão, adorável. Conheci o disco mais ou menos na época em que eu ouvia Parklife, do Blur, e foi como descobrir Hitchcock em meio a uma paixão por Polanski. Primeiro senti algum receio, acho que assombrado pelo romantismo um tanto sufocante de Morrissey, depois entendi que não há muito como resistir. Encontrei nessas 10 músicas a minha balança para pesar cada um dos lançamentos do britpop: discos muito esforçados, sim, mas nenhum perfeito como este aqui. Top 3: I know it’s over, There is a light that never goes out, Cemetry gates.   

019 | Radio-activity | Kraftwerk | 1975 | download

Meu caso com o Kraftwerk começou muito antes da temporada eletrônica dos anos 1990. Ouvia Radio-activity já aos 10, 11 anos, uma época em que eu tratava a música pop com total despretensão. Nada mais era que um vinil tratado com orgulho por meu padrasto. O velho não sabia explicar absolutamente nada sobre a banda (“uns malucos da Alemanha”, ele dizia), mas considerava a sonoridade “estranha” e ao mesmo tempo “envolvente”. E isso, para mim, naquela época, era o bastante. Lembro de ter passado algumas tardes ouvindo o lado A do álbum, tentando decifrar o que aquilo representava. Muito tempo depois, num show da banda, meus olhos encheram de lágrimas quando eles tocaram Radioactivity. Foi quando eu percebi a importância da música e do disco para a minha vida. Voltei a ele, comprei uma cópia em CD, e sempre que eu ouvia era como assistir a um fantasma pairando. Uma pena: o vinil despareceu, e meu padrasto aparentemente não sente falta alguma dele. Top 3: Radioactivity, Antenna, Ohm sweet ohm.

Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

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Years of refusal | Morrissey

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morrissO site oficial se chama, muito apropriadamente, It’s Morrissey World. E aí nos lembramos que poucos são os ídolos pop com cacife para essas extravagâncias: os álbuns de Morrissey sempre nos levam a um mundo de fácil reconhecimento. Basta um acorde e sabemos onde estamos.

Algumas viagens são menos corriqueiras que outras. Em Ringleader of the tormentors, de 2006, o mártir dos solitários anônimos nos surpreendia com uma lua-de-mel fogosa em Roma, plena de revelações (e, no caso dele, revoluções) sexuais. Mas o verão acabou.

Years of refusal retorna ao roteiro habitual, com canções supostamente confessionais compostas provavelmente de madrugada, possivelmente num quarto vazio. O Morrissey que conhecemos  – e do ponto em que o igualmente amargo You are the Quarry havia parado.

Em quase tudo, soa como uma continuação do álbum de 2004. A começar pela produção simplezinha de Jerry Finn, de bandas como Blink 182 e Offspring. Finn morreu pouco depois da conclusão do disco, o que só acentua o tom desiludido de um repertório que, apesar de explorar praticamente todos os temas recorrentes da discografia do cantor (amores turtuosos, vaidade, solidão), soa mais mórbido que o habitual.

O que não significa, de forma alguma, que este seja um momento introspectivo. Morrissey não conseguiria. Com o auxílio de Finn, a primeira metade do disco é para tocar nas rádios: toda tomada por guitarras meio anêmicas, pasteurizadas, mas enérgicas (imagine um hit do Paramore).  O empobrecimento musical valoriza os versos de Morrissey. E, convenhamos, é o que importa.

É nesse aspecto aí que Moz continua em estado de alerta, hilariante e cruel. Um disco para ser lido, este. Faixas como That’s how people grow up e Something is squeezing my soul provam que o rei do sarcasmo não deixou o castelo. “Não há amor nem amigos verdadeiros na vida moderna”, dispara, certamente com um sorrisinho cínico no rosto. Mais adiante, em I’m throwing my arms around Paris, dá prosseguimento ao ritual fake de auto-humilhação: “apenas pedras e metal aceitam meu amor”.

Para variar, Morrissey comentou que Years of refusal é um álbum para “pessoas reais” e que, por isso, será odiado pelos críticos. O curioso é que, com o passar do tempo (e com exceção do disco anterior), o personagem de Morrissey passa a parecer cada vez menos real e cada vez mais uma compilação de trejeitos previsíveis, de movimentos repetitivos, de piadas prontas.   

Por enquanto ele ainda está bastante vivo. Mas, para um mestre da acidez, a acomodação pode acabar se revelando o pior dos venenos.

Nono álbum de Morrissey. 12 faixas, com produção de Jerry Finn. Universal Music. 6.5/10