Mogwai
Superoito express (37)
Wounded rhymes | Lykke Li | 8
Francamente: quando usada para fins terapêuticos, a música pop pode provocar efeitos vexatórios. Para cada Blood on the tracks e Plastic Ono Band, há toda uma galeria de astros do emocore e musas folk “sensíveis” para deixar muito claro que às vezes é melhor abrir um blog do que torrar dólares em estúdios de gravação. Wounded rhymes prometia momentos de vergonha alheia — é um álbum à beira de um ataque de nervos, neurótico toda vida, em que Lykke Li tenta nos convencer de que não é a menina graciosa e sentimental de Youth novels (2008) —, mas prefiro entender este disquinho chiliquento, temperamental, como o primeiro capítulo de uma série de HQs sobre uma super-heroína sueca que calhou de acordar com o pé esquerdo. Robyn que se proteja.
Lykke Li entende o funcionamento desse tipo de álbum e, como acontece de forma quase generalizada no pop sueco (o disco é produzido por Bjorn Yttling, do Peter Bjorn and John), interpreta as canções com um distanciamento irônico que altera o sentido das letras enfezadas: elas deixam de soar como desabafos gratuitos e passam a contrastar com melodias que simulam a doçura de grupos femininos dos anos 60. Os hits são facílimos, o clichê do clichê, mas existe algo dissonante nos arranjos, cheios de ecos e efeitos fantasmagóricos que sugerem a imagem de um galpão vazio, abandonado. No meio desse deserto cor-de-rosa, depois de se rasgar toda, Lykke cria o clima sinistro: “O silêncio é meu namorado. Ó, silêncio, eu sou soa namorada.” Uma graça. E assustador.
Underneath the pine | Toro Y Moi | 7.5
O segundo disco de Chaz Bundick pode soar como uma evolução se comparado ao anterior, Causers of this (2010). Mas, pelo menos para mim, a comparação parece quase impossível. Aquele era um disco introvertido, sussurrado, tão nórdico — o novo é um mil-folhas recheado de soul e psicodelia, caixinha de sonho nos moldes de Andorra, do Caribou. Em entrevistas, Chaz diz a ideia era criar um álbum folk, e talvez essa seja uma boa forma de descrevê-lo: é folk music processada no laptop de um leitor de blogs de indie rock (Sonic Youth, Daft Punk e J Dilla estão entre os ídolos do sujeito). Nas primeiras faixas, parece um joguinho frio — mas é no miolo do disco (com as carnudas Got blinded e How I know) que Chaz mostra o plano de voo de um álbum que decola lentamente, vai às nuvens e depois desce ao solo com total elegância. É o que chamam de ataque surpresa.
Hardcore will never die, but you will | Mogwai | 7
Meu preferido do Mogwai ainda é Come on die young, de 1999. Mas admito que o disco me infernizou porque a sonoridade da banda, para mim, ainda soava como um mistério. Era diferente de tudo o que eu ouvia na época: selvageria e delicadeza em medidas equivalentes, free jazz + punk (e a impressão de que havia algo doentio no ar). Com o tempo, a banda teve que lidar com o fato de que esse estilo passou a soar familiar aos nossos ouvidos. Talvez desde Rock action (2001), eles gravam discos que não nos assustam, mas que vão humanizando esse estilo (“space rock”, prog, “pós-rock”, chame como quiser). Hardcore will never die é um dos melhores momentos dessa fase mais desencarnada: você ouve o disco e imagina uma banda ensaiando no estúdio, procurando por horas e horas o “riff mágico”. É uma outra beleza, muito diferente daquela antiga, mas tá lá: ela também nos hipnotiza.
Space is only noise | Nicolas Jaar | 7
A história de Nicolas Jaar é tão cinematográfica que nos deixa à vontade para ignorar o que há de mais frágil neste disco de estreia: nascido em Nova York, ele passou a infância em Santiago (Chile) e estreou na eletrônica aos 14 anos. Space is only noise é o catálogo de referências desse garoto-prodígio (agora com 21 anos): pop francês e jazz, Kraftwerk e trilhas sonoras de ficção científica, minimal e Ray Charles. Os sons desencontrados, às vezes abandonados em vinhetas — mas tudo de propósito, já que o conjunto abre centenas de possibilidades para o próximo disco, vide Flying Lotus e Bibio —, mostram que Nicolas está afinado a um grupo de artistas que vê o álbum como uma espécie de bloco de notas: cada faixa é uma experiência — e a graça não é transformá-la numa canção convencional (mas exceções como a faixa-título e I got a woman provam que o garoto se sairia muito bem nesse ramo).
THE HAWK IS HOWLING | Mogwai
O novo álbum do Mogwai sugere um flashback. Onze anos depois da estréia, Mogwai young team, o escoceses voltam a trabalhar com o produtor Andy Miller. Apesar de recorrer a alguns elementos de música eletrônica, retornam a um formato mais econômico de pós-rock. Escoradas em guitarra, bateria e piano, as faixas são sempre instrumentais (lá se vão os vocais de Rock action, de 2001) e que se espalham em longa duração (lá se vai o esquema compacto de Mr. Beast, de 2006). São orgulhosos passos para trás.
Esse ajuste ao modelo original provavelmente fará com que The hawk is howling atenda às expectativas dos fãs e de parte da crítica. É como se a banda tivesse criado o álbum para responder a resenha da Pitchfork sobre Mr. Beast: “O Mogwai acerta quando deixa a própria música fluir, respirar”, escreveram. Se é assim, então o novo disco é um acerto.
Mas um acerto calculado. Para quem esperava um novo Mogwai young team, o disco faz o possível para provocar lembranças agradáveis. As duas primeiras faixas contêm o álbum inteiro: I’m Jim Morrison, I’m dead é esparso, belo e triste. Já Batcat revida com um rolo compressor de guitarras. Lá no final do disco, I love you, I’m going to blow up your school alia os dois humores e chega perto do clima sombrio de Come on die young (1999), que ainda vejo como o grande momento deles.
Ainda bem que o Mogwai divulgou o nome das músicas com bastante antecedência, ou elas roubariam a cena. Para quem os conhece bem, The hawk is howling sai-se como uma demonstração competente, ainda que previsível (mas não é isso que os fãs querem? Que eles parem logo de tentar novidades?), de que esses radicais também sentem saudade. Play it again, Mogwai.
Sexto álbum do Mogwai. 10 faixas, com produção de Andy Miller. Wall of Sound/Play It Again Sam. **