Michael Moore
2 ou 3 parágrafos | Capitalismo: uma história de amor
Para aqueles que (como eu) acreditavam que a queda de George W. Bush afundaria o cinema de Michael Moore, Capitalismo: uma história de amor (3/5) mostra que estávamos errados: a eliminação do inimigo provocou um efeito interessante, muito positivo, no discurso do cineasta. Antes, ele era um homem de certezas (Bush era o vírus no intestino da América). Agora, anda cheio de dúvidas: denuncia a crise do sistema econômico capitalista, mas não encontra remédio imediato para a síndrome.
A alternativa mais óbvia ao capitalismo seria o caduco socialismo, mas, antes que critiquemos a ingenuidade de Moore, o próprio diretor sai na frente e elimina qualquer tendência ao radicalismo. O que ele tateia é a possibilidade de um estado social-democrata — gerenciado por trabalhadores — um pouco mais humano do que este que está aí. E sobre isso todos concordamos (novamente, Moore prega para os convertidos, e daí o endeusamento de Barack Obama nos trechos finais, mas que filme triste!).
Em síntese: um longa muito mais complexo (e também sóbrio, uma colcha de tragédias americanas, apesar dos truques sentimentais de sempre) do que os panfletos que ele dirigia até aqui. O escracho é que, desta vez, me parece meio deslocado, como se entrasse no filme por obrigação. Provavelmente, o próprio Moore passa por uma crise. Parece cansado das gracinhas gratuitas, mas não sabe o que fazer com a imagem de provocador incendiário que ele criou. O filme é um reflexo dessas e outras incertezas.
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2 ou 3 parágrafos | Distrito 9
(Escrevi um parágrafo inteiro comparando este Distrito 9 com Presságio, e puxando a sardinha descaradamente para o filme do Nicolas Cage, que, a meu ver, lida mais corajosamente com imagens e incertezas que nos afligem, mas resolvi apagar tudo. Não adianta. Vocês não vão mudar de ideia.)
O plot de Distrito 9 (7/10) já foi esquadrinhado por tanta gente que fico com até com preguiça de tocar no assunto. Mas lá vai: é mesmo impressionante a forma como Neill Blomkamp faz cinema político (e acho que nem Michael Moore fez um filme sobre apartheid, segregação, xenofobia, medidas autoritárias de governos, os maus tratos sofridos por estrangeiros, marginalidade urbana e comércio ilegal de armas) com as hipérboles de uma fita B. Os filmes B que amamos são os mais intensos, os desenfreados, os que não pedem perdão, os que pegam, matam e comem. O cineasta sabe disso, Peter Jackson sabe disso (ele fez Fome animal), minha avó sabe disso e, nos primeiros 60 minutos, com uma câmera desarranjada e autoirônica (à Cloverfield) Neill cria um dos filmes B mais destemidos que vi em alguns anos (e não vou citar Presságio, calma aí). É como um mashup de A mosca, Tropas estelares e Cidade de Deus. Com picles.
… E depois a vaca quase vai para o brejo. Entendo assim: este filme só seria uma obra-prima se durasse 15 minutos. Para uma provocação tão acelerada, que gasta logo toda a munição, é um risco tremendo decidir-se pelo formato clássico de action movie — mais um a narrar a louca escapada de um herói encrencado. Essa segunda parte acaba parecendo ordinária perto do início do filme. Mas, como o Chico bem observou, vale notar como o longa converte um protagonista detestável num chapa falível com quem todos podemos nos identificar.
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2 ou 3 parágrafos | Brüno
Borat não era um filme assim tão arriscado — satirizar a América dos conservadores em plena era Bush era pregar para os convertidos —, mas não lembro de ser uma comédia inerte. Tenho que rever. Em todo caso, Brüno (4/10) me pegou de surpresa: uma provocação curtinha, mas que parece interminável, de um humor agonizante, que vai se arrastando em cenas constrangedoras. Um über fiasco.
Nem vou falar no meu risadômetro (que ficou quase congelado no ponto zero), mas o projeto todo me parece um tiro pela culatra: é de uma redundância atroz. E, se você pretende escrever uma comédia supostamente anárquica e atrevida, meu amigo, anote aí — o pecado da preguiça é mortal. Antes fosse uma sátira sobre o mundinho da moda e das celebridades instantâneas. Mas nem isso. Cohen logo abandona a ideia para metralhar os vilões de sempre: os racistas, homofóbicos, hipócritas, os negros racistas, os héteros fascistas, os gays afetados (nem sobrou para os héteros jornalistas que curtem Jonas Brothers, mas me senti atingido) etc. Não me admiro que Bono, Chris Martin e Elton John tenham topado participar da brincadeira (a palavra é essa mesmo): o filme joga o tempo todo para a torcida do ator, e ainda sai por cima com pose de bem intencionado. Tão 2006!
É triste, mas taí: Cohen periga virar, no pior dos sentidos, o Michael Moore das comédias. Este é o Fahrenheit 11 de setembro dele. O truque começa a perder o efeito e passa a exibir uma engrenagem simplória sob a casca engraçadinha. E daqui pra frente? Quanto ele soltar um Sicko, alguém ainda vai se importar?
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