Meus prêmios

top 10 | Os livros de 2011

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Depois dos rankings de Melhores Filmes, Piores Filmes e Melhores Discos de 2011, encerro a minha retrospectiva com uma lista de 10 bons livros que li durante o ano.

Para não bagunçar os critérios, só entram no top aqueles que foram publicados pela primeira vez no Brasil em 2011. Essa regra exclui, por exemplo, um punhado de romances antigos do Philip Roth, seminários de Freud e Moby Dick.

Mas ele, o manual do jogo, não torna inelegíveis os livros novos do Roth (Nêmesis), do DeLillo (Ponto Ômega) e do Piglia (Alvo Noturno), além de um punhado de outros (Um Dia, argh) que não entram no ranking porque não entram. Paciência.

Por coincidência, quase todos os que estão nesta saíram pela Companhia das Letras. Não foi de propósito, gente: nada tenho contra as outras editoras; e, no mais, não estou ganhando cachê pra publicar este post.

10 Ilustrado | Miguel Syjuco

Este thriller sobre um misterioso assassinato em Manhattan (a vítima: um escritor filipino de sucesso internacional, mas rejeitado pelos próprios compatriotas) pode ser lido como uma sátira cruel sobre um país caótico, onde a criação artística se tornou uma aventura. Felizmente, soa menos como world music, mais como rock psicodélico.

9 Escuta Só | Listen to This | Alex Ross

Este livro de ensaios seria apenas uma espécie de coletânea de sobras do monumental O Resto é Ruído, publicado aqui em 2009. Surpreendente é notar que, com a gravata afrouxada, Ross escreve ainda melhor: rigor histórico à parte, o que ele compõe são belas crônicas de fé no poder de sobrevivência da música – erudita ou não.

8 Silenciosa Algazarra | Ana Maria Machado

Uma coleção de pensatas ainda mais despretensiosa que o greatest hits de Alex Ross, mas que pode comover quem, como eu, não vê sentido algum nas políticas públicas de incentivo à leitura. Um livro simples, inconformado e potente, escrito numa prosa direta, que não quer nunca nos iludir.

7 O Romancista Ingênuo e o Sentimental | The Naive and the Sentimental Novelist | Orhan Pamuk

Este ano, chegou ao país um bom livro do Nobel turco, O Museu da Inocência. Mas ainda prefiro esta coletânea de palestras sobre romances literários. O poder de deslumbramento dessas “aulas” pouco ortodoxas – lições sobre o mistério das grandes obras – equivale ao dos melhores romances que Pamuk criou.

6 Cinefilia | Antoine de Baecque

Havia o perigo de que Cinefilia se saísse uma espécie de livro didático sobre a cinefilia francesa moderna – nascida ainda na pré-história da nouvelle vague -, mas não há nada singelo na ambição de Beacque: o francês quer aproximar o leitor de uma história ainda cercada mais por mitos que por homens. Daria um ótimo filme.

5 Zeitoun | Dave Eggers

O melhor livro de Eggers é, quem diria, uma reportagem literária sobre um sobrevivente do furacão Katrina. A secura como descreve sofrimento do personagem evita, a todo custo, o sentimentalismo oportunista que geralmente acompanha a reconstituição jornalística de atos heroicos. O escritor cresceu.

4 Os Filhos da Viúva | The Widow’s Children | Paula Fox

Escrito em 1976, esta é uma das obras-primas de Paula Fox que foram descobertas talvez tarde demais (nos Estados Unidos, os livros adultos da escritora saíram de catálogo em 1992), mas que não perderam o viço. A habilidade como alterna os pontos de vista dos personagens – abomináveis, adoráveis – nos deixa sem ar.

3 Diário da Queda | Michel Laub

Para quem não conhecia os anteriores de Laub (meu caso), este Diário da Queda chegou como uma senhora surpresa: o escritor tem a coragem de enfrentar grandes temas – o holocausto e Alzheimer, para ficarmos nos maiores deles – com o tom catártico de quem divide segredos muito pessoais com o leitor.

2 Liberdade | Freedom | Jonathan Franzen

Não sei se Franzen encontrou tudo o que procurava neste “grande romance americano” – um Tolstói para os subúrbios da era Bush! Uma Paula Fox em cinemascope! Um Paul Thomas Anderson das letras! -, mas é emocionante assistir às peripécias de um autor que usa o talento (não é pouco) à serviço de ambições tão amplas.

1 Meus Prêmios | Meine Preise | Thomas Bernhard

Por falar em ambições épicas… Meus Prêmios, este livrinho póstumo de Bernhard (que o austríaco escrevia pouco antes de morrer, em 1989), tem apenas 112 páginas, com nove artigos sobre (vocês adivinharam) os prêmios recebidos pelo escritor. E é isso. Só isso. Mas o que parece uma curiosidade tolinha na biografia do autor logo se impõe como uma obra atualíssima: isso porque as pessoas seguem premiando e as premiações literárias são, e sempre serão, jogos patéticos de vaidade – que, ao fim e ao cabo, nos ensinam um tanto sobre o comportamento humano. Bernhard é dos poucos escritores que conseguem me fazer rir de raiva. Meus Prêmios é, dito isso, um livro muito engraçado – e, ao mesmo tempo, revoltante.

[thomas bernhard]

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“Retornei ainda uma vez à cidade em virtude do chamado Prêmio Literário da Cidade de Bremen, e não tenho intenção de me calar sobre a experiência que vivi nessa segunda viagem. Fui um dos jurados a escolher o laureado do ano seguinte e viajei para Bremen com o propósito inamovível de dar meu voto a Canetti, que, assim creio, não havia até aquele momento recebido um único prêmio literário. Fosse por que motivo fosse, não pretendia dar meu voto a ninguém senão Canetti, todos os demais candidatos me pareciam risíveis. A reunião dos jurados teve lugar, creio, em torno de uma mesa comprida de um restaurante local, à qual se encontrava sentada toda uma série de cavalheiros com direito a voto, como se diz, entre os quais o famoso senador Harmsen, com quem eu me entendia muitíssimo bem. Acredito que todos já tinham nomeado seu candidato, e ninguém falara em Canetti, quando chegou a minha vez, e votei: Canetti. Eu era a favor de dar o prêmio a Canetti por causa de seu Auto da fé, a genial obra da juventude que, um ano antes daquela reunião do júri, havia sido reeditada. Disse várias vezes o nome Canetti, e a cada uma delas os rostos ao longo da mesa comprida tinham se retorcido de pesar. Muitos ali nem sabiam quem era Canetti, mas, entre os poucos que sabiam de sua existência, encontrava-se um jurado que, de repente, tendo eu tornado a repetir o nome Canetti, comentou: Mas, além de tudo, ele é judeu! Seguiu-se tão somente um murmúrio, e Canetti foi descartado. A frase, porém – Mas, além de tudo, ele é judeu! -, ecoa ainda hoje em meus ouvidos, embora eu não seja capaz de dizer qual dos senhores à mesa a pronunciou. Mesmo assim, sigo ouvindo-a com frequência, provinda de um canto especialmente sinistro, ainda que eu não saiba quem foi que a disse. O fato é que aquela frase matou na raiz todo e qualquer debate sobre minha sugestão de outorgar o prêmio a Canetti. Preferi, portanto, nem participar do restante da discussão, limitando-me apenas a permanecer calado à mesa. Um bom tempo se passou, ao longo do qual uma quantidade infinita de nomes horrendos foi citada, nomes aos quais eu só podia, em sua totalidade, vincular verborragia ou diletantismo, mas um laureado ainda não tínhamos. Os cavalheiros olhavam para o relógio, e pela porta de folha dupla penetrava o aroma do assado em preparação na cozinha. Assim sendo, a mesa simplesmente precisava tomar uma decisão. Para meu grande espanto, de súbito um dos cavalheiros – e, de novo, não sei dizer qual – retirou da pilha de obras sobre a mesa, aleatoriamente conforme me pareceu, um livro de Hildesheimer e, num tom de extraordinária ingenuidade, levantando-se já para o almoço, disse: Ora, vamos ficar com o Hildesheimer, sim, fiquemos com o Hildesheimer, e Hildesheimer era justamente o nome que, ao longo de horas de debate, ninguém havia mencionado. Agora, de repente, à menção do nome Hildesheimer, todos recuaram suas cadeiras, aliviados, votaram no nome de Hildesheimer e, em poucos minutos, definiu-se que Hildesheimer era o novo vencedor do Prêmio Literário da Cidade de Bremen. Quem era de fato Hildesheimer, isso era provável que ninguém ali soubesse. De imediato, aliás, comunicou-se à imprensa que, após aquela reunião de mais de duas horas, Hildesheimer era o novo laureado. Os cavalheiros, então, levantaram-se e se encaminharam para o salão de refeições. O judeu Hildesheimer ganhara o prêmio.”

Trecho do livro Meus prêmios, de Thomas Bernhard, que venceu o Prêmio Literário de Bremen um ano antes de ter participado do júri da premiação.