Meu herói
J.D. Salinger (1919-2010)
‘No subsolo do hotel, por onde os banhistas eram obrigados a entrar, uma mulher com o nariz coberto de pomada tomou o elevador junto com o rapaz.
– Por quê que você está olhando para os meus pés? – ele lhe perguntou, quando o elevador se pôs em movimento.
– O quê que o senhor disse?
– Perguntei porque é que você está olhando para os meus pés? – ele lhe perguntou, quando o elevador se pôs em movimento.
– O senhor vai me desculpar, mas acontece que eu estava olhando para o chão – a mulher falou, e encarou a porta do elevador.
– Se quer olhar para a droga dos meus pés, diga logo. Mas não precisa ficar olhando escondido.
– Deixa eu saltar aqui mesmo, por favor – a mulher disse rapidamente para a ascensorista.
As portas se abriram e a mulher saiu, sem olhar para trás.
– Eu tenho dois pés normais, pomba, e não admito que ninguém fique olhando para eles – o rapaz falou – Quinto, por favor.
Tirou a chave do bolso do roupão. Desceu no quinto andar, caminhou ao longo do corredor e entrou no 507. O quarto cheirava a mala de couro nova e a removedor de esmalte de unhas.
Olhou de relance na direção da moça que dormia numa das camas-gêmeas. Caminhou até uma das malas, abriu-a e, sob uma pilha de roupas de baixo, apanhou uma Ortgies automática, calibre 7.65. Soltou o pente de balas, examinou-o e enfiou de novo no lugar. Armou a pistola. Feito isso, foi sentar-se na cama desocupada, olhou para a moça, apontou a pistola e deu um tiro em sua própria têmpora direita.’
Um dia ideal para os peixes-banana, em Nove estórias (1948)