Memory Tapes
Mixtape! | Junho tá frio, tá quente
Passei dois, três dias tentando escrever alguns parágrafos sobre São Paulo, a cidade onde estou passando uns dias de férias. Mas não consegui, falhei. Daí que tomei uma decisão mais ou menos trapaceira: uma mixtape, pensei, me ajudaria a enquadrar um cenário que ainda não entendo bem. Vocês sabem: quando faltam palavras, apelo para as canções dos outros.
Então taí: a coletânea de junho contém as minhas impressões sobre este mundão-de-deus, essa megalópole das sirenes, esse monstrão-de-concreto-e-luz, essa capital grandalhona e muito charmosa que, pra mim, já se transformou numa espécie de lar paralelo. Ou, para sermos menos abstratos, num segundo quarto – ele fica um pouco longe, é verdade, mas já me parece familiar.
A verdade é que este blogueiro forasteiro, nascido no Rio e criado em Brasília, não troca nenhum lugar por São Paulo. É isso. Tanto que, nas férias, ele sempre vem pra cá (e não existe praia que provoque nele o entusiasmo de caminhar na Avenida Paulista, assim à toa).
Mas voltemos à mixtape de junho. Porque viemos aqui pra isso.
O CDzinho da vez trata de São Paulo, sim, mas não só desse tema. É um pouco autobiográfico, como sempre (daí a quantidade de faixas sobre amor, sobre estar amando, sobre amar para sempre etc.), mas a ideia era gravar uma coletânea calorosa de inverno. Existe mesmo um contraste curioso, se vocês repararem bem, quando alguns dos seus amigos estão de férias no verão europeu enquanto você congela neste freezer aqui.
Daí que o disco começa vibrante, queimando gasolina, e termina num ambiente mais confortável, coberto por edredon, dentro de um sonho. O miolo é turbulência. Tem uns momentos estranhos, não vou negar. Mas percebo que, resumindo a ópera, esta é a mixtape mais pop que gravei.
São três atos. O primeiro, todo zoado, no esquema vou-pra-galera. O segundo, mais nervosinho, é uma treta braba. O terceiro, uma chuveirada morna pra enxotar o estresse. Pense aí num sorvete napolitano. Três sabores, começando com o de chocolate e terminando com o de morango. É quase isso (e, se vocês imaginavam que as descrições das minhas mixtapes não poderiam ficar mais ridículas, eis que…).
O CD tem Beyoncé e Ty Segall, Lady Gaga e Washed Out, Arctic Monkeys e Cults, Friendly Fires e Memory Tapes. Tem também WU LYF e uma vinhetinha do Frank Ocean que pode passar despercebida. Ele abre com Handsome Furs, que serviu de guia para a seleção inteira (e a foto da dupla ilustra este post: o CD Sound Kapital é o meu favorito do mês). A lista de músicas está na caixa de comentários.
Ah, claro (e como eu poderia esquecer disso?), é a minha melhor mixtape de todos os tempos.
Não demore muito pra fazer o download (que o arquivo periga desaparecer rapidinho). Ouça em volume alto. E depois dê um cheiro, um chamego, uma nota – de 0 a 10 – na caixa de comentários ali embaixo. Sem a sua colaboração, meus bróderes, vai ficar parecendo que tudo aqui neste blog confuso está sempre muito bem, muito bom. E a vida é mais complicada que isso.
Vá nessa, maninho, e faça o download da mixtape de junho. Até já.
Superoito express (41)
Nesta edição: 1, 2, 3, 4, 5 machos solitários (e foi por acaso – não é incrível?)
Within and without | Washed Out | 7.5
Já não alertamos que é perigoso inflar as nossas expectativas? A Sub Pop, que lança o long-player de estreia do Washed Out, admite que está entusiasmada com o disco num nível quase insuportável. A onda de elogios para este projeto de Ernest Greene, o novo prodígio de Atlanta, deve atingir escala oceânica nas próximas semanas – quanto sites que sempre apostaram no rapaz tentarão nos convencer de que Within and without é a última ilhota verdejante do Atlântico. A Spin já mandou ver: “Chillwave para quem não aguenta mais chillwave”. Uau.
Ouvir o disco, nesse contexto de euforia, parece até dispensável. Comigo aconteceu o contrário: ouvi o disco quase por acaso, sem atentar muito para todo esse foreplay, e me interessei por ele sem grande empolgação. Digamos que eu tenha admirado a atmosfera aquática, fluida, que Greene cria para envolver as composições – mas não consegui notar uma identidade forte neste disco, que me faça defendê-lo como algo verdadeiramente especial. Eu confundiria algumas dessas faixas com as do Toro Y Moi, com as do Memory Tapes (leia textinho a seguir). Talvez por isso o rótulo chillwave tenha colado tão bem a esses projetos: é que, em muitos momentos, eles acabam soando como exercícios de gênero.
O sujeito pode ser um diretor competentíssimo de fitas policiais. Mas daí ser um Michael Mann… Greene é sim competente, se aproveita do formato conciso que a Sub Pop tanto preza e se alia a um produtor experiente sem se deixar asfixiar por ele (o homem é Ben Allen, de Merriweather Post Pavillion, do Animal Collective, e Halcyon digest, do Deerhunter). Os momentos mais extrovertidos são os que mais me fisgam – o romantismo sem-medo-de-ser-passional de Amor Fati, acima de todas -, mas nota-se que a praia do Washed Out é uma introspecção por vezes etérea, vaporosa, mas sempre cheia de sutilezas: um estilo que Greene defende com convicção e rigor; qualidades que serão recompensadas pela torcida.
Player piano | Memory Tapes | 7.5
Desconfio que o LP de Dayve Hawk não será recebido com tanta euforia e condescendência quanto o do Washed Out (até porque o Memory Tapes lança pela Carpark Records, selo minúsculo em comparação à Sub Pop), mas acredito que estejam num mesmo patamar e que até se complementem – e não me canso de ouvir um logo após o outro. Enquanto o Washed Out vai depurando os traços mais visíveis da chillwave, o Memory Tapes trata de pressionar os limites do gênero – de tal forma que Player piano acaba sabotando nossas expectativas. As faixas mais surpreendentes são também as mais dóceis, que chegam a lembrar o pop eletrônico de um Postal Service, por exemplo (ouça Wait in the dark e Sun hits). As colagens do disco anterior dão espaço para composições mais diretas, quase corriqueiras, mas não dá para dizer que este disco tente o caminho mais fácil: Hawk arrisca para tentar encontrar um sotaque, uma voz reconhecível, uma marca. Não acredito que tenha chegado lá, mas a aventura tem lá seu encanto (e o finalzinho de Worries é amor para o inverno inteiro, não dá pra negar).
Dedication | Zomby | 7
Deixando o distrito da chillwave rumo às quebradas do dubstep (ou algum lugar próximo dali), o novo do produtor inglês nos recebe com um temperamento quase oposto à ternura triste do Washed Out e do Memory Tapes: o tecido aqui é áspero, o clima soa apreensivo – estamos presos num dia chuvoso. A faixa-guia é Things fall apart, que praticamente resume a ambiência pós-apocalíptica do disco: não são poucas as coisas que desmoronam. Por mais que eu tenha dificuldades sérias com o dubstep mais arredio e single-minded (a exceção é James Blake, mas acredito que ele não se enquadre completamente no gênero), Dedication não me parece uma jornada aborrecida noite adentro. Ainda que não fuja da premissa do disco, que poderia ser usado como trilha para um filme de serial killer do David Fincher, Zomby vai abrindo vielas soturnas a cada faixa – e as melhores, como Digital rain e Mozaik, ficam rondando o nosso cérebro horas depois da audição, feito resíduo de pesadelo. Atormentam.
Goodbye bread | Ty Segall | 6.5
Para quem conhece Ty Segall só agora (e é meu caso), Goodbye bread pode reavivar as lembranças da fase mais doméstica de um Elliott Smith, de um Guided By Voices. Está certo que essa aparência de despojamento se transformou num clichê do indie rock, mas existe algo neste disco que nos deixa com a certeza de que ele foi gravado quase por acidente, em meio às atividades cotidianas do compositor (a canção que resume tudo, aliás, se chama Comfortable home). E também soa caseiro até pela forma meio despreocupada, às vezes óbvia, como ele vai perfilando as influências de Segall – e Fine, o desfecho, acaba saindo homenagem pra lá de digna à fase solo de John Lennon (ainda que a letra otimista pareça ter sido escrita por McCartney). No meio do caminho, psicodelia lavada a seco: My head explodes e I can’t feel it são canções enormes armazenadas sem muito cuidado, em pequenos recipientes. Tá certo: é só o começo de uma amizade.
Demolished thoughts | Thurston Moore | 6
Pensando bem, e que tolice a minha!, nos anos 90 eu acompanhava os episódios da música pop como quem assistia a um filmezinho maniqueísta – grunge versus punk-pop, Nirvana contra Michael Jackson, Radiohead infinitamente mais legítimo que Muse. Nesse script, o Sonic Youth me parecia uma banda na contracorrente da década, e minha impressão era de que eles reagiam a absolutamente tudo o que era criado na época. Daí meu espanto ao ouvir um disco de Thurston Moore que não apenas tem a produção de um dos artistas-símbolo dos anos 90 (Beck Hansen, o mascote do pós-tudo) como não faz nadinha para destoar daquilo que a gente espera de um álbum-padrão de singer/songwriter. Polido, “delicado”, franco, direto (e inclua aí qualquer outro adjetivo que você aplicaria a um disco solo do Richard Ashcroft), Demolished thoughts é uma das maiores surpresas do ano. E tem baladas tocantes que machucam de verdade, como Illuminate. Atenção ao contraste brutal entre a interpretação distanciada de Moore e melodias tão afetuosas. Pena que, depois da terceira faixa, o álbum sinta a falta de canções mais duradouras – metade do disco parece Sonic Youth unplugged, faixas conhecidas num modelito diferente. E aí, meu filho, não há Beck Hansen que dê conserto.
Adeus, 2009 | Superoito’s mixtape, parte 1
A história vai assim: todo dezembro, seleciono algumas de minhas canções favoritas do ano para duas edições especiais do programa de rádio Marco Zero, transmitido às terças-feiras (às 22h) pela Câmara FM (se você mora em Brasília, elas rolam nos dias 22 e 29).
A brincadeira é, pra mim, das boas: a quantidade de canções lançadas durante o ano é tão grande que seria possível criar cinco programas diferentes – sem repetir bandas. O desafio, por isso, é criar mixes envoltos numa certa atmosfera – com início, meio e fim. Ou seja: coletâneas para fãs de álbuns (e daquelas fitinhas que gravávamos para os amigos, com mensagens secretas e emoções afloradas).
Sempre pensei em comparilhar esses programas, em formato de podcasts, aqui no blog. Então taí: pela primeira vez, consegui colocar o plano em prática. Neste post, vocês podem fazer o download da primeira parte da mixtape com as minhas preferidas de 2009. Mato logo dois coelhos e começo a séries de posts Adeus, 2009, com minhas listas de melhores do ano (por essa vocês não esperavam, hum?).
Aviso que há alguns problemas técnicos no pacote, mas nada que não se resolva com alguma paciência. Fiz uma exaustiva bateria de testes e garanto: o melhor modo de ouvir a coletânea é pelo Windows Media Player (e repare que o som fica mais caloroso). No iTunes, uma canção misteriosamente desaparece e isso é um pecado (e logo uma das melhores, Kid klimax). Mas talvez vocês entendam desses detalhes tecnológicos melhor do que eu. Prometo resolvê-los na segunda parte da retrospectiva.
A seleção via web não é a idêntica à que será transmitida na rádio (reconheço: a da web ficou um pouquinho mais bacana). Há algumas mudanças estratégicas e faixas bônus – e o climão todo (que tem algo a ver com a foto do Grizzly Bear lá em cima) diz muito sobre o meu ano. Mas garanto que, se você sintonizar na Rádio Câmara, ouvirá algumas surpresas.
Eis a tracklist:
1. Hooting & howling – Wild Beasts 2. Hearing damage – Thom Yorke 3. While you wait for the others – Grizzly Bear 4. Kid klimax – Atlas Sound 5. Lovesick teenagers – Bear in Heaven 6. Out of the blue – Julian Casablancas 7. Alligator – Tegan & Sara 8. Higher than the stars – The Pains of Being Pure at Heart 9. Plain material – Memory Tapes 10. Fables – Dodos 11. Heaven can wait – Charlotte Gainsbourg e Beck 12. January twenty something – Why?Faça o download (via Rapidshare): Superoito’s mixtape 2009, parte 1
A segunda parte fica para a semana que vem – e, a depender da aceitação disto aqui, penso em fazer seleções mensais em 2010. O que vocês acham?
Superoito express (14)
Um cadinho de discos e (surpresa!) filmes. Tudo o que vocês queriam, eu sei. Mas adianto que o próximo Express é que vai bombar, com o bonde das perigosas liderado por Rihanna e Mallu Magalhães. Neste aqui, para nosso azar, muito macho muderno arranhando guitarra/violão e brincando com maquininhas eletrônicas. Até lá, então.
Beast rest fourh mouth | Bear in Heaven | 7.5 | Quando uma banda experimental aceita o desafio de baixar a guarda e soar mais acessível, todo desastre é possível. Mas não é o que acontece com este quarteto do Brooklyn, que faz a transição com muita segurança num disco que soa como um cruzamento da base ritmica do TV on the Radio (também do Brooklyn, o que nos faz supor que realmente contaminaram a água da cidade) com os momentos mais melódicos do Sonic Youth. Lovesick teenagers é uma das canções mais tocantes do ano – não à toa, é centro nevrálgico do álbum.
Seek magic | Memory Tapes | 7 | O projeto de Davye Hawk é uma caixinha de música de infinitas possíbilidades, que oscila da eletrônica abstrata ao pop (e uma certa obsessão pelas linhas de guitarra do New Order). Quase sublime, recomendadíssimo, mas eu gostaria muito de ouvir um disco dele que expandisse a doçura das duas últimas faixas: a excelente Plain material, que rolaria fácil na programação de qualquer rádio de bom gosto, e a seguinte, Run out.
Psychic chasms | Neon Indian | 6.5 | Falando em caixinha de música… Aconselho não ouvir este projeto de Alan Palomo (conhecido como VEGA) junto com o disco do Memory Tapes. Pode parecer minúsculo. Ainda assim, a graça deste álbum-miniatura é essa: soa como um saboroso aperitivo, talvez afetado por uma excessiva reverência ao Daft Punk de Discovery. Mas não dá pra reclamar de uma referência dessas.
Little moon | Grant-Lee Phillips | 6 | Acompanhar a carreira solo de Phillips continua enervante para quem, como eu, admirava a cuidadosa construção da obra do Grant Lee Buffalo. Longe das antigas responsabilidades, o sujeito continua soando como o trovador andarilho de Gilmore Girls: faz discos tão despretensiosos que poderiam ter sido gravados no improviso, depois da janta, com as crianças ao redor da fogueira. A falta de grandes ambições poe ser sinal de maturidade (ninguém quer mais dominar o mundo pop, certo?), mas Phillips ainda não conseguiu converter esse tom informal em algo verdadeiramente memorável. De qualquer forma, Little moon é uma tentativa até digna de “folk rock adulto contemporâneo de sala de estar”, e lembra o clima burlesco do último disco do Buffalo, Jubilee.
Julie & Julia | Nora Ephron | 6 | Uma fantasia (em tom pastel) sobre mulheres incrivelmente corajosas, homens incrivelmente gentis e um blog incrivelmente popular que, inveja!, soma 53 comentários num post sobre lagostas. Inspirado em duas histórias reais? Só pode ser tudo mentira. Fico com a cena em que Julie, ainda sem as manhas do Blogspot, admite que sente como se estivesse escrevendo para um “gigantesco vácuo”. Isso é real.
2012 | Roland Emmerich | 4.5 | Bateu saudades de Presságio, claro – ao contrário deste playground aqui, o filme de Alex Proyas devasta o mundo com algum pesar.
Lua nova | Chris Weitz | 4.5 | Entrará para os anais de Hollywood como o filme de vampiros mais piegas e juvenil de todos os tempos (e ouvir Thom Yorke metido nesse lengalenga romântico deu um pouco de vergonha-alheia). Vampiros e lobisomens também discutem a relação.