Melodia

Suck it and see | Arctic Monkeys

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Sem tempo para matutar sobre o disco do Arctic Monkeys, vou recorrer ao infame Procedimento do Blogueiro Desesperado e meter o ctrl+c num textinho que escrevi pro jornal. Acho que é o suficiente, no caso. Não é daqueles discos que arrepiam os pelinhos da minha nuca.

Antes, uma intro necessária para que ninguém se perca  nos meus pensamentos tão sucintos (não vou reproduzir aqui matéria de jornal que acompanha a micro-resenha). O quarto disco do Arctic Monkeys dá sequência ao mais aventureiro da banda (Humbug, de 2009), que foi gravado no deserto da Califórnia com Josh Homme, do Queens of the Stone Age.

Eu curto aquele álbum, o considero um daqueles riscos saudáveis que bandas precisam correr de vez em quando. Mas muita gente boa o avalia como um erro e, no mais, a bolachinha vendeu pouco, frustrou a Domino Records, não produziu hits e deu nisto aqui: Suck it and see, também gravado em Los Angeles (mas longe do deserto), é descrito pelo quarteto como um disco mais pop, mais direto, mais “divertido”, gravado em poucos takes. A mim, soa como um detour apressado, uma virada brusca de volante para voltar à estradona da popularidade.

O que me parece um pouco frustrante, pra dizer o mínimo. E hesitante, medroso (o “miolo” do disco, por exemplo, parece ter sobrado de Humbug; como se a banda dissesse: “se nada der certo, pelo menos vamos agradar um pouco a quem gostou daquele outro álbum”).

Alex Turner, o vocalista e letrista, disse que começou a ouvir country rock e que aprecia o lado mais melodioso do Velvet Underground. Essas referências, de uma forma ou de outra, aparecem aqui.

Dito isto, o textinho é este:

Bom dia, melodia (por Tiago Superoito)

Depois da escuridão de Humbug, o “disco psicodélico” do Arctic Monkeys, Suck it and see soa como um banho de luz. A ideia pode parecer singela — afrouxar as ambições, pegar leve, gravar canções pop para o feriado perfeito –, mas combina com o perfil de uma banda que, mesmo ainda muito jovem, já sabe onde deve ou não pisar. Aventuras sonoras não são o forte deste quarteto. Limitações à parte, eles continuam a exercitar um estilo ainda eficiente, que condensa algumas das melhores tradições do rock britânico.

Da ironia doce de Alex Turner (que remete a Smiths, Blur) às guitarras sempre concisas de Jamie Cook (herdeiro de Kinks e Libertines), os Monkeys já encontraram um lugar no mundo. Em Suck it and see, o desafio é reforçar essas marcas e, ao mesmo tempo, amaciar a máquina com melodias afáveis, delicadas, mais para Paul McCartney que para Mick Jagger. Às vezes dá certo (como na ótima faixa de abertura, She’s thunderstorms). No entanto, esses momentos de sentimentalismo polido têm graça passageira, superficial. Hits? Certamente. Mas só até o próximo verão.

Quarto disco do Arctic Monkeys.  12 faixas, com produção de James Ford. Lançamento Domino Records. 6/10

Total life forever | Foals

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Foals. Não acredito que seja uma banda extraordinária. Nem inventiva. Nem especialmente sedutora. Não é (em definitivo) daquelas que nos tiram para dançar e não nos abandonam. Mas – antes que você procure outra – preciso avisá-lo: a partir de agora, devemos confiar nela. Relacionamento sério, sabe como é?

O grande disco do Foals não é Total life forever. O grande disco do Foals virá em três anos. Programe-se aí. 

Enquanto 2013 não chega, este quinteto de Oxford flexiona os músculos como uma seleção séria em véspera de campeonato mundial. Cada disco (=cada amistoso) exercita os talentos de jogadores que ainda não estão totalmente satisfeitos com o time que têm. O desconforto permite alterações táticas surpreendentes que resultam em partidas muito bonitas – como é o caso deste disco, o segundo deles.

(E, por hoje, prometo não voltar às comparações futebolísticas. Patetice tem limite)

Numa época em que as bandas de rock correm para definir uma identidade (dois discos, no máximo), o Foals soa como uma exceção curiosíssima. Eles parecem preocupados unicamente em apurar uma lógica interna que não diz respeito a mais ninguém. E seguem apurando – eles sabem que ainda não chegaram lá.

É uma banda que rejeita, por exemplo, a se adequar a certos modismos do indie rock. A estreia, Antidotes, estava pronto para ser vendida como um álbum de ‘math rock’ (na linha do Battles) com os floreios do produtor Dave Sitek, do TV on the Radio. Mas o Foals tratou de engavetar o disco produzido por Sitek, foi ao trabalho por conta própria e criou canções que talvez parecessem melodiosas demais a quem curte as abstrações do tal do pós-rock.

Desta vez, esperava-se que eles seguissem desmontando o funk-rock. Eis que decidem tomar uma curva perigosa e (sem largar o volante funk) gravar um disco ainda mais assobiável, com inspiração prog-pop e atmosfera de épico “à inglesa”. Mais para Elbow e The Verve, (muito) menos para The Rapture.

Uma mudança que nos obriga a rever tudo o que pensávamos sobre o Foals. Mas quantas outras bandas permitem essa revisão?

“O futuro não é o que parecia ser”, eles cantam (e como Yannis Philippakis está cantando!). Parece até que falam sobre o próprio Foals.

E o que dizer desse título? Penso em Total life forever e só consigo imaginar o Richard Ashcroft mordendo um travesseiro (de raiva).

A sonoridade mais massuda, aparentemente, pegou até própria banda de surpresa. Durante as gravações, eles declararam que o disco estava saindo “muito menos funk” do que tinham planejado e que soava como “o sonho de uma águia morrendo”. O que não é uma imagem adequada para remeter a um disco que se exibe como um pavão muitíssimo vivo – cheio de si.

Há, sim, algo de onírico em faixas como Black gold e After glow. Mas o que se nota é o som de uma banda realista, que acredita no engenho, no trabalho suado. Cada uma das músicas parece ter sido retocada exageradamente – são miniépicos dentro do épico. Talvez por isso o disco pareça – nas primeiras audições – um tanto embotado, pesadão. 

Não é para ser amado de uma vez só. Cada uma das canções vai aquecendo as turbinas do avião até o ponto de explosão – ainda que o disco só decole mesmo na faixa seis, a incendiária This orient. Estamos falando de um álbum que prefere o ambiente à ação, e que acredita na nossa capacidade de desconfiar das primeiras impressões.

É, como se diz (em ingrês), a grower.

E o interesse cresce quanto mais notamos o grau de detalhismo das faixas, que engrandece alguns elementos até óbvios (o disco todo parece feito de sobras do Radiohead, do Muse, da DFA Records). Black gold talvez seja o grande exemplo dessa capacidade do Foals de usar os detalhes, os ornamentos, para criar canções armadas como que em dobraduras, profundas. No caso, é uma linha de guitarra que, lá na metade da música, rompe a estrutura funkeada e nos transporta a uma dimensão mais doce.

Não é um disco que vai tirar o planeta de órbita. Mas Total life forever é o álbum que coloca o Foals (em definitivo?) na galáxia de bandas que importam.

Segundo disco do Foals. 11 faixas, com produção de Luke Smith. Lançamento Transgressive Records. 7.5/10

Nothing hurts | Male Bonding

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Quando eu era um rapazinho que usava blusas de flanela e lia quadrinhos do Batman, lá na metade dos anos 90, uma multidão de roqueiros gringos sonhava em surpreender o mundo com um momento-Nevermind. Você olhava lá longe e ainda via a fila de candidatos à Grande Guinada: revelações indie dispostas a, subitamente, escalar a parada da Billboard com um álbum de rock tão poderoso (e apaixonante) quanto profundamente sincero (e, às vezes, amargo).

Na época (e não se sinta velho: não faz muito tempo!) ainda havia alguma romantismo nesse plano de dominação mundial. Que maravilha: ser íntegro e popular, ahn?

Discos como Nothing hurts, do Male Bonding (e, antes dele, Nouns, do No Age, Post-nothing, do Japandrois e tantos outros) mostram que, hoje, uma geração de bandas prefere sonhar com, digamos, um momento-Bleach. Nada mega, nada ultra, nada uber: tudo o que elas almejam é o apreço de um selo indie que permita o parto de álbuns curtinhos, ruidosos, sem ambições comerciais e profundamente sinceros.

1989: o ano que não terminou.

Talvez contaminado pelo espírito da minha adolescência, eu ainda prefiro Nevermind a Bleach. E costumo valorizar as bandas que tentam ampliar o público, sair da caverna, sem abandonar a dignidade. Mas, quando penso muito friamente nisso tudo, não consigo negar que a atitude intransigente e introspectiva que se costuma encontrar no circuito indie combina com um tempo em que a mise-en-scene do showbusiness e das majors soa como uma paródia de si mesmo.

A principal questão não é “como faço para gravar um novo Nevermind?”, mas simplesmente “por que gravar um novo Nevermind?”.

A estreia do Male Bonding foi lançada pela Sub Pop, que também vai distribuir o disco novo do Wolf Parade. Nos dois casos, o selo de Seattle teve que sair da América para encontrar bandas que, de uma forma ou de outra, dão prosseguimento à sonoridade áspera e garageira que associou-se ao selo no início dos anos 90. A história se repete, mas como?

O caso do Male Bonding, um trio londrino de noise-pop, é o mais impressionante de todos: em algumas faixas, eles soam como uma releitura tão fiel do pré-grunge que dá arrepios. Jorros de guitarras agudas em canções de dois minutos, com refrões que grudam na orelha e confissões juvenis como “nada vai mudar, tudo continua igual” (All things this way tem 1 minuto e meio e é a melhor do disco). E dá-lhe feedback.

É claro que, como acontece com o Surfer Blood, a banda prova alguns dos sabores da estação: o rock ‘n’ roll sixties (Weird feeling lembra um pouquinho os Beatles de Please please me) e o pós-punk com molho exótico e tropical (Pirate key cheira a Vampire Weekend), tudo condensado em 30 e poucos minutinhos que passam tão rapidamente (e provocam tantas sensações nostálgicas) quanto um episódio de That 70’s show. That 90’s show, melhor dizendo.

É um disco muito decente, compactado a um formato típico da Sub Pop (pílulas noise para consumo rápido e repetidas audições), mas que me deixa torcendo para que esta banda comece a sonhar com um momento-Nevermind. Quem sabe, né? Não custa nada.

Primeiro disco do Male Bonding. 13 faixas, com produção de Pete Lyman. Lançamento Sub Pop Records. 7/10