Matthew Dear

Last summer | Eleanor Friedberger

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Perdão, amigos e (supostos) leitores, mas Eleanor é de casa. Ela frequenta este blog antes de vocês. Ela tem a chave da sala. Ela não precisa telefonar antes de dar uma passada aqui no quintal. Vocês deveriam respeitá-la, sabe? Ou, ao menos, tratá-la educadamente.

Mas, ainda assim, eu teria que apresentá-la novamente a vocês? Acho que não. Sim?

Ela, Eleanor, nasceu em Illinois, tem 34 anos e criou uma banda de rock com o irmão, Matthew Friedberger. O nome da dupla é Fiery Furnaces — e, se você ainda não a conhece, talvez não frequente este blog há tanto tempo.

Desde Blueberry boat (2004), um desses épicos extravagantes e maravilhosos que quase ninguém ouviu (porque o mundo é injusto), o Fiery Furnaces está entre as minhas bandas americanas de estimação. Eles gravam discos que soam às vezes como provocações, às vezes como jogos de armar, quase sempre como brincadeiras inconsequentes.

Num deles, a avó dos indies travessos narra longas histórias de juventude sob uma trilha de melodias e ruídos. É quase insuportável, eu sei, mas né.

O importante é que mano e mana quase nunca me decepcionam. Sei o que não vou encontrar num disco do Fiery Furnaces: o óbvio, o previsível. E, quando não encontro o que sei que não vou encontrar, fico empolgado. Eles soam cósmicos e estúpidos, simultaneamente. Se fosse um filme, o Fiery Furnaces seria uma versão de 2001 — Uma odisseia no espaço encenada pelos Muppets.

Mas entendo, é claro, por que quase ninguém dá a mínima para álbuns tão cheios de idiossincrasias. Os fãs do Fiery Furnaces (e me incluo entre eles) se afeiçoam por peças defeituosas e desafinadas. Notamos algo charmoso nas meninas que gaguejam diante da plateia – e nos cachorros de três patas.

Digo tudo isso porque (e agora chegamos à parte chata do post) o futuro do Fiery Furnaces me parece preocupante. Sério. E acredito que os outros fãs também deveriam coçar o queixo. Desde I’m going away, o disco mais recente deles, a banda ameaça soar… inofensiva. Gosh! Não queremos nosso cão briguento ceda às medonhas pressões da sociedade.

Gosto do disco. Gosto muito, aliás. No contexto criado pela banda, ele soa surpreendente — já que ninguém esperava do Fiery Furnaces um álbum tão dócil, às vezes quase singelo. E I’m going away é um pouco isso, ainda que um tanto tocante na forma desastrada como Matthew e Eleanor tentam sintonizar referências de pop rock setentista. São meninos arruaceiros tentando prender o riso (e o choro).

Uma baita mudança, de qualquer forma. Um desvio rumo à (argh) normalidade. Talvez a “culpa”, percebo agora, tenha sido de Eleanor.

Os discos solo de Matthew arregaçam as estranhezas do estilo-Fiery: puzzles sempre incompletos (e às vezes irritantes de tão incompletos, mas nós fãs gostamos das lacunas e dos hematomas). Last summer, a estreia solo de Eleanor, praticamente segue do ponto em que I’m going away havia parado. É o álbum mais acessível, mais agradável, gravado por um integrante do Fiery Furnaces.

E um projeto que talvez venha a representar uma ruptura para a banda (vamos torcer para que isso não ocorra). Hoje, o Fiery Furnaces soa como um ser dividido em dois — entre Matthew, o animal abstrato, e Eleanor, a guardiã das melodias aprazíveis. Não sei se eles ainda têm gana para nos surpreender (espero que sim), mas esses disquinhos on-our-own revelam com certa crueldade que os irmãos se distanciaram um do outro. Ainda que permaneçam, ambos, avessos a tomar caminhos simplezinhos.

Repare em Inn of the seventh ray, a segunda faixa de Last summer: soa como uma versão para uma velha música de Johnny Cash, mas fuzilada por raios violeta. Ou no desfecho do disco, que parece sugerir a imagem de uma lagoa plácida, mas tomada por neblina. Mesmo quando tenta soar absolutamente mundana (músicas gravadas entre o despertar e o café da manhã, digamos), Eleanor cobre essas canções com uma manta de estranheza — muito sutil, mas sempre presente.

São, por fim, crônicas de um verão mais ou menos ruim — mais ou menos um verão qualquer. “Você disse que não seria tão ruim. Mas foi pior”, ela canta, falando sobre o ano de 2010 em Glitter gold year. Unsexy como comprar cereal sem pentear o cabelo.

O objetivo mais superficial, no entanto, é o de formatar faixas simétricas, que descem macio. My mistakes, por exemplo, dá todas as coordenadas do passeio: versos em primeira pessoa, com a prosa de um diário (em que quase nada muito constrangedor acontece), e arranjos quase meigos. Mais Nashville skyline, (bem) menos Bringing it all back home.

Talvez a intenção da nossa musa tenha sido gravar um disco inteirinho no tom descomplicado de I won’t fall apart on you tonight, uma das canções inesquecíveis do ano. Facinho, bobinho, homemade, acolchoado por saxofones e violões folk: um disco solo na veia de McCartney (1970), digamos. Concebido para o mundo paralelo em que o Fiery Furnaces se sai como uma versão degenerada dos Beatles.

Ok, pra você esse mundo alternativo não existe nem nunca existiu. Mas vá lá, ouça o disco enquanto eu tento me colocar no seu lugar.

Primeiro disco solo de Eleanor Friedberger. 10 faixas, com produção da própria cantora. Lançamento Merge Records. 7/10

Mixtape! | O melhor de agosto

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A mixtape de agosto é um break-up record. É isso e nada além disso. Um disco de separação, mal-me-quer, fim de caso, pé-na-bunda, etc. Mas não o tipo de break-up record que fica chorando pelos cantos e chutando latinhas. Nada a ver. Estamos falando de um modelo mais realista de break-up record.

É que, à vera, as separações contêm uma série de sentimentos conflitantes que não aparecem num típico break-up record. E por que isso acontece? É que a impressão de coerência às vezes serve à arte – mas quase nunca às nossas vidas ó tão caóticas.

Então taí. Esta mixtape usa algumas músicas que ouvi no mês de agosto para formar um catálogo de sensações que mapeiam o fim de um relacionamento amoroso. Pela ordem: ódio, leve euforia, melancolia, rancor, sutil desejo de recuperação, leve recuperação (acompanhada de bebedeiras irresponsáveis), doce nostalgia, fúria, tristeza e, finalmente, depressão (que as coisas costumam terminar mal, vocês sabem).

E essa não é, de forma alguma, uma desculpa bolada às pressas para justificar uma mixtape esquizofrênica.

Não é. Ouça uma vez e ouça novamente. Na primeira audição, provavelmente você tratará este CD como qualquer bobagem. Na segunda, ele vai começar a criar teias no seu coração. Na terceira, você entenderá que é a melhor mixtape que encontrou neste site. Em todos os tempos. A melhor. Ou pelo menos a mais humana.

Lá dentro, pulsam canções do Of Montreal (que gravou o disco preferido do mês, False priest, e por isso aparece na foto meio bizarra lá de cima), do Ra Ra Riot, do Royksopp, do Villagers, do Stars, do Curren$y, do Eels, do Thermals, do Sufjan Stevens e do Matthew Dear.

É, no mais, uma mixtape pequenina, de uns 30 e poucos minutos, para compensar os excessos do mês passado. Pequenina mas nunca desprezível ou simplezinha. Grandes surpresas num pequeno pacote.

As mixtapes deste site passam por um rigoroso controle de qualidade e, por isso, precisamos da sua opinião para manter um bom atendimento. Traduzindo: este é o post em que você vence a sua timidez e escreve um comentário bem bonito. Ok? 

A lista de canções, como de costume, está logo ali na caixa de comentários. Faça o download da mixtape de agosto aqui ou aqui.

Superoito express (30)

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Tomorrow morning | Eels | 7.5

Oficialmente, Tomorrow morning é o terceiro capítulo de uma trilogia que começou com Hombre lobo (2009) e End times (lançado em janeiro de 2010). Na prática, soa como uma continuação de Blinking lights and other revelations (2005), um dos melhores discos de Mark Oliver Everett. Aquele álbum parecia ter sido escrito e gravado nas primeiras horas do dia, num estado de quase vigília. Era preguiçosamente belo. Já o novo sugere uma manhã quente de verão. Céu azul. Férias. Passarinhos piando. E a sensação de que o pior já passou.

É, portanto, um daqueles discos otimistas e quase alegres, que só soam convincentes quando escritos por sujeitos muito calejados. É o Nashvile skyline de Everett, e um álbum que consegue resolver quase todos os problemas dos anteriores. Em resumo: não tem o peso de um tedioso diário de um ano ruim. Não (ainda que algumas faixas mais aborrecidas deixem vestígios dessa fase). Everett faz um esforço admirável para simular dias felizes e, no processo, acaba redescobrindo o prazer do pop doméstico, lúdico, que nos leva num pulo à estreia dele, Beautiful freak (1996). Juntas, essas canções mais alaranjadas e cheias de surpresas renderiam um disquinho nota 8.5. Então (papel e caneta!) anote aí e faça o seu CDzão do Eels: I’m a hummingbird, Baby loves me, Spectacular girl, This is where it gets good, Oh so lovely (a melhor do disco), The man, Looking up e Mystery of life.

Black city | Matthew Dear | 7.5

Se Tomorrow morning é um disco diurno, Black city é exatamente o oposto disso: noite preta (e é até instigante ouvir um disco após o outro; eu recomendo). Matthew Dear cria um ambiente instável, tenso, todos composto em tons de cinza, com canções que nos seduzem e, depois de alguns minutos, vão se desmontando até se transformar em objetos disformes. É um horror (no bom sentido). A faixa-título me parece um túnel sem fim, iluminado por lâmpadas frias, com curvas que chegam inesperadamente. E o miolo do álbum soa tão encardido quanto um The Contino sessions, do Death in Vegas, e um Pre-millenium tension, do Tricky. Só me incomoda um pouco notar que a atmosfera por vezes sufoca as canções. Felizmente, não é o que acontece com o encerramento, uma lindeza chamada Gem.  

The orchard | Ra Ra Riot | 6

O problema de discos que desenvolvem conceitos redondinhos (como Tomorrow morning e Black city) é que eles acabam denunciando a irregularidade de discos mais imaturos – como é o caso deste The orchard. Está claro que o Ra Ra Riot entrou em estúdio para gravar uma versão mais “sofisticada” e “adulta” de The Rhumb line (que já não era um grande disco) e que, para isso, acabou apelando para os recursos mais óbvios: arranjos melodramáticos de cordas e uma ou outra canção que rodaria em rádios mais conservadoras (caso de You and I know). O que é uma pena, já que o disco tem faixas que renderiam maravilhas num esquema lo-fi (a linha de baixo galopante de Boy e os corinhos de Massachusetts são viciantes). Deveriam ter aprendido com os chapas do Vampire Weekend: crescer é preciso, mas um passo de cada vez. 

Causers of this | Toro Y Moi | 6

Outro disco com momentos luminosos, só que dispersos num conjunto ainda verde. Consigo notar alguns sinais de Animal Collective (as canções circulares, escoradas mais em ritmos do que em melodias) e do Cut Copy (ares de synthpop), além de um desejo grande de afirmar um estilo (não foi dessa vez). Apesar disso, o disco me agrada por apresentar um compositor de sutilezas: Chazwick Bundick nos obriga a ouvi-lo várias vezes antes de tirarmos alguma conclusão. Talamak e a faixa-título mostram que o rapaz tem muito a ganhar se tiver o despudor de incluir mais elementos pop num estilo que, por enquanto, veste o rótulo ‘chillwave’ confortavelmente. Talvez confortavelmente demais.