Matador Records

Interpol | Interpol

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Para mim, escrever sobre o novo do Interpol neste momento é uma espécie de tortura. Não que o álbum dê náusea ou enxaqueca. É que a discografia da banda pontuou todo o meu namoro. E essa história, vocês sabem, acabou de acabar.

Deveríamos pular este post, eu sei. Mas é só um texto de blog, não é? Então vamos.

Turn on the bright lights, de 2002, foi a trilha do período que antecedeu o namoro. O início antes do começo. Ouvimos esse disco no carro na noite em que nos beijamos pela primeira vez. Lembro que chovia e as pistas estavam escorregadias. Lembro também que a sonoridade do álbum — misteriosa aos nossos ouvidos — ecoava as descobertas daqueles dias. Tudo parecia novo e excitante, mas também um tanto cifrado, como no primeiro parágrafo de um bom livro.

Antics, de 2004, embalou a nossa primeira temporada juntos e (talvez um pouco por conta disso) é o meu preferido. Um álbum mais enérgico, um pouco mais generoso do que o anterior; uma banda mais apaixonada pelo som que consegue produzir. E um disco (desculpe o palavreado) teso.

Em Our love to admire, de 2007, algo saía dos eixos. O disco indicava cansaço. Comodismo. Desinteresse. Isso e todos os outros venenos que vão corroendo um relacionamento longo. Ainda assim, nos apegamos ao que ele (e o namoro) preservava dos bons tempos: espasmos de vigor (The Heinrich maneuver, Mammoth), de vez em quando paixão.

Depois assistimos a um show deles — e, como os discos, isso nos serviu de espelho. Vimos uma banda descendo a ladeira, lutando para manter uma química que parecia esgotada, inviável. Algo deprimente (mas seguimos em frente mesmo assim).

No início deste ano, o Interpol passou pela pior das crises: um dos integrantes, o baixista Carlos D, preferiu pedir a conta. Nós, inconscientemente, os acompanhamos. Nos distanciamos, nos perdemos. E, também por coincidência, o namoro terminou na semana em que o quarto disco do Interpol vazou na internet. Era o fim.

Comecei a ouvir o álbum nos dias seguintes à separação. Uma experiência difícil, é claro, mas também reveladora — que me explicou um pouco sobre as relações longas que, a todo custo, tentamos manter com as pessoas e com as bandas de rock que amamos.

O disco mostra três pessoas que talvez não deveriam estar ocupando o mesmo palco. Mas que ainda o divide — possivelmente a duras penas. Como em Our love to admire, as canções se arrastam, como se interpretá-las exigisse esforço. Mas, ao contrário daquele disco, não se nota um único estalo de entusiasmo. Trata-se de um longo telefonema de despedida — que demora 45 minutos e 53 segundos para terminar.

É também uma tentativa de acertar o passo, de remendar a relação, de simular um recomeço. O tipo de ato desesperado (mas legítimo) que não costuma dar certo. Não culpemos os apaixonados: depois de romper com a gravadora que lançou Our love to admire, o Interpol voltou ao antigo selo (a Matador Records) como quem reata com uma ex. É compreensível. Somos todos uns fracos.

Mas, nesse tipo de flashback, algo sempre se perde. No caso, falta ao Interpol a vivacidade dos primeiros discos, o desejo de tomar o mundo pela cintura, aquela sensação intensa de segurança que nos toma quando o nosso desejo é retribuído. O que sobra é uma banda mais adulta (inevitável), cheia de sequelas (também inevitável), mais melancólica e um tanto amedrontada com o mercado, com os fãs, com a música (o disco anterior foi rejeitado por parte dos críticos, e isso sempre deixa alguma marca).

Quando uma banda decide usar o próprio nome para apelidar um álbum, deixa a sugestão de que escreveu uma obra capaz de resumir toda uma trajetória. Para o Interpol, parece apenas um esforço de autoafirmação. Eles se olham no espelho e dizem: somos o Interpol, sobrevivemos e estamos de pé.

E certamente são. Há marcas neste disco que partencem a eles, apesar de todas as heranças. Muitas das canções, como Lights e Always malaise, vão se erguendo aos poucos para explodir em clímaxes que soam como os ensaios de uma banda cover do Pixies interpretando canções do Joy Division (Safe without, uma das melhores, é Frank Black sob efeito de propofol). E isso é Interpol.

Mas de pé? Não estão. Mesmo em canções tocantes como Memory serves e Success (que poderiam ter entrado em Antics), só consigo imaginar um Paul Banks de pijama, se arrastando no quarto depois do quinto analgésico, se recuperando de uma terrível dor de cotovelo. Talvez a fraqueza toda esteja na produção, da própria banda, que esvazia as canções e deixa todos os esqueletos à mostra. É um mar de ossos.

E são boas as canções, em grande parte mais elaboradas do que as do disco anterior. Memory serves é um exemplo de como a banda elegantemente apresenta as faixas: a cada minuto uma surpresa sutil, um desvio de rota, um elemento alienígena que engrandece os arranjos. Sedução lenta.

Mas como consertar o que está quebrado? Nenhuma bela canção esconde o quão corrompida está essa banda. Daí a tristeza que sinto ao ouvir este disco: ele é o retrato de um romance que perdeu o pulso; de um caso de amor que agoniza (a capa, aliás, explica tudo). O disco transpira a frustração de quem tenta resolver um impasse e não consegue. De quem quer voltar ao começo e não pode.

Uma tentativa ingênua, estúpida – mas que, no entanto, acaba soando tão genuína quanto as nossas.

Quarto disco do Interpol. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Matador Records/Soft Limit. 6/10

Superoito express (24)

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Body talk, pt. 1 | Robyn | 7.5

A primeira faixa deste minidisco (são oito, no total) se chama Don’t fucking tell me what to do. O aviso (que, após dezenas de versos autodepreciativos, soa como uma espécie de carta de alforria remixada para pistas de electro) me deixou pronto para um álbum tão imprevisível e acrobático quanto a estreia de Janelle Monáe. Não é o caso. Mas tente virar essa expectativa pelo avesso: a ambição de Robyn é o pop em estrobo, que gruda na língua e dá barato. É isso que ela quer fazer, ok? Então aprenda: nem tente sugerir que ela faça um disco da Janelle Monáe ou da Erykah Badu. Não vai rolar.

Body talk, pt. 1, o primeiro EP de uma trilogia (se tudo correr conforme os conformes, os outros discos serão lançados ainda em 2010), explicita esse desejo por um pop hiperdimensionado, excessivo, que aperta todos os botões ao mesmo tempo. São hits sortidos manipulados por uma intérprete que, além de hiperativa (soa como Ace of Base e The Knife), tem mais fé nos singles do que nos álbuns e gosta de tomar a dance music pelas vísceras (e quando ela diz que vive numa cidade entediante ou que a bebedeira está acabando com ela ou que nenhuma droga faz mais efeito, eu acredito). Só um porém: da próxima vez, Robyn, vá direto ao ponto e guarde baladonas sofriiidas como Hang with me para trilhas da saga Crepúsculo.   

How to Destroy Angels EP | How to Destroy Angels | 6.5

A notícia triste é que o novo projeto de Trent Reznor (um trio formado ainda pela esposa Mariqueen Maandig e por Atticus Ross) não livrou o compositor da espiral infernal chamada Nine Inch Nails. A sonoridade deste EP é atormentada pelos fantasmas – e pela cascata de efeitos cavernosos  de sintetizadores e guitarras – que perseguem o sujeito desde The downward spiral (1994!). Nada de novo. Mas a notícia alegre é que, em formato compacto, Reznor encontra algo que simplesmente inexiste na discografia do NIN: concisão. Então, digam o que quiserem (e sim, a faixa de encerramento, A drowning, é um remake de Hurt), mas este é um disco de Reznor que conseguimos ouvir do começo ao fim sem que se aproxime de uma sessão de tortura. E a faixa chamada BBB nada tem a ver com o show da Endemol. É “big black shoes”. Reznor’s world.

LP4 | Ratatat | 6

Quando escrevi sobre o disco novo do Menomena, falei em bandas que tentam, a todo custo, nos convencer de que têm um estilo (quando, no máximo, têm boas referências). O Ratatat é um desses casos. No disco anterior, LP3, o duo de Nova York combinou house music (irônica, à Daft Punk) com guitarras setentistas, retrô, em faixas instrumentais. Nada que eles tenham inventado – o próprio Daft Punk mereceu o apelido de “electronic rock” bem antes deles, e não foram os únicos. Neste novo álbum, o Ratatat repete o robot rock em 12 faixas que, mesmo muito simpáticas, ficam no 1 a 1: soam viciantes em alguns casos (como Drugs, perdoem o trocadilho), mas não libertam o duo de comparações com bandas mais interessantes. O Daft Punk, é claro, vem em primeiro lugar nessa lista.

Hippies | Harlem | 6

O Harlem é um trio de garage rock do Arizona que assinou com a Matador Records. Se eles tivessem sido fisgados pela Sub Pop, tenho quase certeza de que seriam orientados a gravar um disco mais enxuto e alto (na linha do Male Bonding). Com 16 faixas, Hippies me parece inflado, três disquinhos ruidosos socados dentro de um CD. Taí uma diferença entre os dois pequenos grandes selos indie da América: os heróis da Sub Pop são Nirvana e The Shins, já os da Matador são Pavement e Guided by Voices. Mas reside aí o charme do disco (para quem cresceu nos anos 90, pelo menos): deixa a impressão de que a banda atirou no empresário e tomou o controle da gravação. Hippies!

Mais: Zumbis dos anos 90. O retorno do Stone Temple Pilots (5/10) é um disco de hard rock cheirosinho, de barba feita, mas que nos ensina uma lição sobre o tempo: ele não volta, meu irmão. Em outras palavras: quando aquela menina que você namorou em 1993 aparecer novamente, ainda inteiraça, não tente surpreendê-la vestindo a velha blusa de flanela. O caso de Nobody’s daughter (3/10), do Hole, não é nem um pouco divertido: a trilha sonora para o apocalipse será gravada com um turbilhão de efeitos de Pro Tools. Triste. Aquela menina que você namorou em 1993 está de volta. Está um caco. E, que terrível, ela vesta uma blusa de flanela.

The eternal | Sonic Youth

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syPara algumas bandas, dizer adeus a uma grande gravadora e assinar contrato com um selo independente pode representar algum tipo de ruptura. Não parece ser o caso do Sonic Youth.

Os novaiorquinos nunca se deixaram podar pelo mainstream. Alguns dos álbuns mais espinhosos da carreira, como NYC ghosts & flowers (2000), têm o selo da Geffen. No mais, existe ainda uma enorme diferença entre lançar discos pela Matador Records ou pelo MySpace?

Talvez reste um abismo conceitual, abstrato, entre o que entendemos como mainstream e underground. Mas The eternal, como quase tudo no catálogo do SY, trata de implodir o lugar-comum. Não é o disco “difícil”, experimental, esperado de uma banda que acaba de cortar laços com a grande indústria, esse monstrengo malvadão (tampouco é um CD triplo à Emancipation, do Prince). Talvez soe como um generoso cartão de visitas para não os conhece, já que ecoa muito do que eles fizeram até aqui.

Com 30 anos de carreira, 16 álbuns, projetos experimentais que preencheriam cinco ou seis instalações de arte contemporânea, uma coletânea de greatest hits e, como esquecer?, participações em episódios dos Simpsons e de Gilmore girls, a banda parece ter entrado numa temporada autoreflexiva. Talvez por isso há quem tome The eternal como mero exercício de estilo, enquanto outros se apegam às jams instrumentais de seis minutos de duração. É isso, mas também é aquilo.

Encerrar a fase-Geffen com um coeso “álbum de supercanções” (Rather ripped, em definição de Thurston Moore) hoje me parece uma estratégia usada pela banda para contra-atacar com um disco mais disperso. A segunda faixa, Anti-orgasm, começa com um riff que lembra 100% (um dos maiores hits do grupo), mas segue com um arranjo todo torto, no wave, repleto de citações literárias que nos levam a alguns dos trechos mais enigmáticos de A thousand leaves (1998). As contradições estão no coração das canções.

O que eles preservam do álbum anterior é uma relação mais serena com a própria arte. Quase todos na faixa dos 50 anos de idade (o baixista Mark Ibold, aquisição do Pavement, tem 47), eles manipulam confortavelmente uma sonoridade que, antes transgressora, hoje está na lista de referências da maior parte das bandas de rock (aposto que até do Coldplay). Demorei algum tempo para descobrir o que me incomodava tanto em Rather ripped, e noto que era isso. Nada, absolutamente nada desafiava meus ouvidos.

The eternal não soa tão chapado ou acomodado, ainda que também tome as “marcas registradas” da banda como ponto de partida. As faixas citam poetas e músicos outsiders, os riffs fundem MC5 com krautrock (What we know é quase garage rock, No way seria um arraso em 1994 e os versos podrinhos de Anti-orgasm às vezes parecem paródias de thrash metal) e Kim Gordon continua cantando como quem espreme uma espinha dolorida. É linda a forma como ela vai desaparecendo na paisagem da longa Massage the history (ou como abre o abre furiosamente o álbum com Sacred trickster). Mas nunca parece estar à beira do precipício, testando nosso estômago. Antenna é uma balada doce sobre transmissões de rádio, agradável até nas dissonâncias. Mas cadê o risco?

Nos momentos em que mais de um vocalista divide o microfone (em Leaky lifeboat e Poison arrow, Gordon junta-se a Thurston Moore e Lee Ranaldo num trio), o álbum deixa a impressão de reafirmar os votos do matrimônio, expandir a data de validade da banda. Uma celebração para uma tranquila maturidade. “Tudo o que nós vemos está mais claro”, canta Ranaldo, em Walkin blue. E isso é, de certa forma, novo. Ou pelo menos aparentemente honesto.

Ok, o fã ranzinza aqui terá que se contentar. The eternal soa espontâneo, até leve, despreocupado com tudo (cobranças, expectativas etc). Um passeio no parque temático do Sonic Youth. O que talvez pareça um retrocesso, mas não deixa de ser uma forma digna de deixar a juventude para trás.

Décimo sexto álbum do Sonic Youth. 12 faixas, com produção de John Agnello. Lançamento Matador Records. 7.5/10