Malhação
(segunda-feira, academia de ginástica, 7h)
Professor: Daí a gente foi pra essa festa, que não era bem uma festa, era mais tipo uma reunião, todo mundo bebendo vinho. Nem curto esse tipo de coisa, prefiro balada, o povo dançando, então eu tava meio emburrado. Mas nem teve jeito, era pra encontrar a menina que eu tô pegando. Então fui, acabei indo. Aí cheguei lá e era uma gente estranha, uns menininhos de universidade, tudo branquelo, carne e osso, uns alunos de biologia. E ela também faz biologia, mas é linda, esperta, um tesão. Sabe mulher pra casar?
Eu: Sei.
Professor: Então. Mas nada de casamento aí, deus me livre, que ela vai pra São Paulo e a gente combinou: sem compromisso. Então é sem compromisso mesmo. Eu prum lado, ela pra outro. Saca o lance? Ela liga pra mim e quer saber se vou fazer alguma coisa, aí eu digo: não sei. E tá tudo bem, sem estresse, sem ciuminho. Pra mim tá ótimo, pra ela tá ótimo. Mas rolou uma coisa estranha porque eu não queria ir na festa e ela veio com pressão, veio tipo trator, tipo: se não tem festa, não tem nada depois da festa, sem chance de rolar, entendeu? Aí eu fui, acabei indo.
Eu: Sei.
Professor: Daí aqueles meninos… Outro mundo, cara. Porque eu e os meus amigos… A gente se encontra pra falar merda. Pra falar muita merda. E os menininhos lá falando da porra da teoria da evolução, de Darwin, saca? E um deles começou a dizer que os meninos aí, os filhos de pais separados crescem sem a figura masculina, essas merdas. E que aí eles não aprendem nada. Não sabem chegar na mulherada. Ficam perdidos, sensíveis, sabe?
Eu: Sei.
Professor: Aí ele disse: a gente não sabe chegar na mulherada porque ninguém ensinou pra gente o que faz, como faz, o que diz, e eu pensando: porra! Aí eu disse: meu velho, isso não se ensina, isso se aprende por aí. E sei lá como, sozinho, sei lá, não fode! E ele ficou me olhando com aquela cara de burro: sei não, tio, me explica, me diz como é que é. Aí eu fui lá e disse: se você quer pegar a mina e a mina quer te pegar, cês vão acabar se pegando. Um sabe que o outro sabe e a coisa acaba rolando. É assim que é. Né?
Eu: É.
2 ou 3 parágrafos | As melhores coisas do mundo
Já passaram quatro dias desde a sessão de As melhores coisas do mundo (3.5/5) e ainda estou tentando entender por que me identifiquei tão intensamente com um filme que trata de uma geração que não é a minha (os personagens têm 14, 15 anos, e aparentemente foram alfabetizados via MSN). Talvez essa sensação tenha sido provocada por minhas memórias de uma adolescência meio descolorida, um período em que vivi trancado em superquadras e salas de colégio. Tudo o que eu lembro é de uma época muito desconfortável, de pressões quase diárias. Eu não queria abandonar a infância e, talvez por isso, tudo tenha ficado muito mais complicado.
O filme é, antes de tudo, uma investigação sobre essa fase da vida. Não é uma narrativa quadradinha, antiquada. Muitas das cenas deixam claro que Laís Bodanzky foi à luta, conversou com meninos e meninas, pesquisou sobre o tema e permitiu que o elenco contribuísse para diálogos e situações do roteiro. Mais para Richard Linklater, menos para Malhação (ou até para John Hughes). O que ela encontrou foi uma juventude muito próxima da minha (e talvez da sua): nem romântica, nem miserável, nem louca, nem reprimida. Mas sempre desconfortável: da primeira à última cena, o personagem principal enfrenta o cotidiano como uma espécie de corrida de obstáculos. Um leão por dia.
Daí a forma muito atenta como o filme mostra o ambiente escolar: ele é percebido pelos personagens como uma arena de pequenas crueldades (e algum afeto, algum aprendizado). E a família, como um espaço também instável, inseguro. Bodanzky percebe tudo isso sem negar os elementos mais apelativos de uma trama que poderia estar num episódio vagabundo de seriado (uma eleição no colégio, uma novelinha sobre amigos-que-sempre-se-amaram-mas-nunca-perceberam). Se o desfecho chega a parecer artificial (e irritante), há uma boa explicação para isso: é que o resto do filme soa verdadeiro até demais.