Lykke Li
top 10 | Os discos de 2011
Está feito, meus chapas: depois de um processo aflitivo de seleção (mentira, foi facinho), começa aqui a minha retrospectiva de 2011. Papai Noel trouxe listas pra vocês. Listas. Como viveríamos sem elas?
Este ano, tentei resumir um pouco os meus rankings, sempre tão afobados e hiperbólicos. Em vez dos tradicionais top 20, desta vez teremos dois top 10 (um para os discos, o outro para os filmes), com menções honrosas. Será simples. Também prometo: textos mais curtos e menos dramalhão.
O que vocês não vão encontrar: discos brasileiros (poucos me empolgaram, e acho forçado escolher 10) e lamentações sobre a saúde da música pop (ao contrário do que dizem por aí, 2011 foi um ano que soou até muito atlético nos meus fones de ouvido).
No mais, nada do que aparecerá nos próximos parágrafos será grande novidade para os cinco leitores que acompanham este blog. Quem me conhece sabe que não sou o maior fã das surpresas de última hora.
O post é dividido em três partes. Começando com…
Não, obrigado (10 discos muito amados; não por mim)
Angles – The Strokes [hors concours: pior do ano]
Circuital – My Morning Jacket
El Camino – The Black Keys
The English Riviera – Metronomy
Father, Son, Holy Ghost – Girls
Hurry Up, We’re Dreaming – M83
Noel Gallagher’s High Flying Birds – Noel Gallagher
Suck It and See – Arctic Monkeys
21 – Adele
Wasting Light – Foo Fighters
10 outros discos (menções honrosas; em ordem alfabética)
Channel pressure – Ford and Lopatin
Goblin – Tyler, The Creator
Let England Shake – PJ Harvey
Megafaun – Megafaun
On a Mission – Katy B
Parallax – Atlas Sound
Replica – Oneohtrix Point Never
Sound Kapital – Handsome Furs
Tomboy – Panda Bear
Yuck – Yuck
Os melhores do ano
10 It’s All True – Junior Boys
Um disco sedutor, mas nunca de um jeito convencional. Talvez não seja fácil amar esta soul music acinzentada, quase tímida, sem melanina. Mas quando os galanteios de Greenspan e Didemus começam a fazer efeito, o que ouço é o som de uma banda criando os próprios rituais de conquista. E isso é raro.
9 Wounded Rhymes – Lykke Li
Numa temporada muito concorrida para as cantoras de temperamento forte (e vá lá: que é Zola Jesus?), quem me tirou do sério foi esta sueca de 25 anos, que escolheu o deserto de L.A. para encenar um rito de passagem musical. A beleza, não sem dor (transições têm disso), sobrevive à tempestade de areia.
8 Kaputt – Destroyer
Dan Bejar escreveu músicas melhores, em discos como Rubies e Streethawk. Nenhum outro, no entanto, resultou completo como Kaputt. E aqui estamos falando de uma obra: um álbum que cria uma atmosfera chuvosa, capaz de unir e engrandecer as canções. Um espaço à parte; um lugar pra Dan morar.
7 An Empty Bliss Beyond This World – The Caretaker
Poucas ideias me parecem tão poéticas quanto a deste disco de James Kirby: representar, com música, o esforço que fazemos para lembrar sensações que experimentamos no passado. As colagens do compositor nos levam a estações sublimes & medonhas da mente humana: uma viagem insólita, difícil, e única.
6 Bon Iver – Bon Iver
No anterior, For Emma, Forever Ago, Justin Vernon criou a imagem de um herói romântico, recluso, que escrevia canções tristes numa floresta. Em Bon Iver, ele cria um novo capítulo para essa fábula indie: o outsider sai lentamente de casa. E as paisagens que ele encontra, pra nossa sorte, são deslumbrantes.
5 Take Care – Drake
Talvez sem essa intenção, Drake gravou o disco pop mais desencantado (e importante) do ano: no script, o incrível caso do jovem entertainer que, nem bem começou a jogar o jogo do showbusiness, já não se impressiona com nada. “No fim, somos apenas eu, eu mesmo e meus milhões”, ele confessa. No fun.
4 We’re New Here – Gil Scott-Heron e Jamie xx
Apesar de ter sido levada muito a sério (a faixa-título do álbum do Drake, por exemplo, foi “roubada” daqui), esta coletânea de remixes flui com a alegria que é típica de uma mixtape de fã. Enquanto o velho Scott-Heron (morto em maio) comenta o mundo, o jovem Jamie se diverte. E é quase só isso.
3 Helplessness Blues – Fleet Foxes
Esperávamos dos Foxes um segundo disco impávido. Mas Helplessness Blues é apenas o álbum que Robin Pecknold, 25 anos, conseguiu gravar: sincero tanto na carpintaria sonora (lindamente demodé) quando em versos cheios de incertezas, já com saudade de uma juventude que vai morrendo lentamente.
2 House of Balloons – The Weeknd
Admitam: é preciso ter pelo menos um pouco de talento para criar um disco tão amado e odiado. Se o mundo inventado pelo canadense Abel Tesfaye tem um quê de graphic novel, estamos falando de um Frank Miller menos brucutu: o contraste em p&b define o tom desta viagem noturna, que pode ser “lida” como um sintoma terrível do nosso mundo – mas também como autoficção de primeira linha. A música do ano, The Morning, está aqui.
1 James Blake – James Blake
O primeiro disco de James Blake poderia atender por Songs From a Room. Poderia. Porque, depois de lançar EPs muito elogiados (e que não incomodaram nadinha os seguidores da cena dubstep inglesa), o compositor resolveu estrear com um álbum que soa como uma certidão de nascimento: quando o ouço, imagino imediatamente um artista solitário dentro de um quarto, fazendo arte do zero, from scratch, para si. Não é mais o James Blake que conhecíamos, até porque um artista de verdade não é quem queremos que ele seja: nem as sombras digitais, a cacofonia cool, conseguem esconder o homem inseguro, iniciante, que chega ao palco desacompanhado e se apresenta diante da plateia. E assim o espetáculo começa.
Mixtape! | Março, a terra treme
A mixtape de março é um pouco mais ruidosa e bruta que as dos meses anteriores, mas não acredito que faça mal aos ouvidos mais sensíveis. Ela ruge, porém não fere. Pode provocar alguma aflição. No entanto, garanto que isso passa. Não tenham medo. Não é pra tanto.
E não foi criada pra incomodar, arrepiar pelinhos do braço, nada disso. Nas três últimas faixas, por exemplo, ela se transforma na coletânea mais adorável que eu gravei. A mais adorável. E olha que já são quinze.
Março, lembrem aí, foi um mês de tsunami, terremoto, bombas, ataques aéreos. A terra tremeu (literalmente e metaforicamente), e estas faixas de certa forma também se abalam com tudo o que acontece. A ideia era que o CD soasse um pouco mais nervoso, um pouco mais instável (acho que a palavra é essa) que os outros.
Não sei se funcionou. É assim que ele é: mais ou menos como o meu cachorro de um ano de idade, o Tom, que às vezes nos morde quando tenta fazer carinho. Um tantinho perigoso, mas amável.
Ao contrário da mixtape de fevereiro, esta não tem um conceito muito fechado nem conta uma história, ainda que alguns temas tenham aparecido mais do que eu gostaria que aparecessem. Acaba que ele se torna um CD de amor, muito otimista e esperançoso. Ouça até o fim e comprove. Que peculiar: as minhas mixtapes acabam sempre mostrando em que pé estou.
Musicalmente, ele forma uma imagem: um céu azulzinho (pop sessentista, girl groups, etc) com algumas nuvens muito cinzentas ao redor da moldura, esperando para atacar. Caem pingos de Lykke Li, The Kills, The Vaccines, Alex Turner, Yuck, Kurt Vile, Vivian Girls, R.E.M., Elbow e The Pains of Being Pure at Heart.
A foto lá de cima é da Lykke Li, que gravou meu disco favorito do mês (Wounded rhymes). Mas a minha música favorita da mixtape é a do Yuck.
É possivelmente a melhor mixtape que eu gravei. Ouço há duas semanas sem parar, e minha namorada parece também ter gostado um tanto (sobretudo da música do Alex Turner, que fez com que ela abrisse um sorriso muito bonito).
Então taí: uma mixtape com sentimentos nobres embalados em papel áspero. É por aí. Espero que vocês gostem e, quem sabe?, escrevam um comentário sobre mais esta humilde seleção musical do tio Superoito.
Faça aqui o download da mixtape de março. E boa semana.
Superoito express (37)
Wounded rhymes | Lykke Li | 8
Francamente: quando usada para fins terapêuticos, a música pop pode provocar efeitos vexatórios. Para cada Blood on the tracks e Plastic Ono Band, há toda uma galeria de astros do emocore e musas folk “sensíveis” para deixar muito claro que às vezes é melhor abrir um blog do que torrar dólares em estúdios de gravação. Wounded rhymes prometia momentos de vergonha alheia — é um álbum à beira de um ataque de nervos, neurótico toda vida, em que Lykke Li tenta nos convencer de que não é a menina graciosa e sentimental de Youth novels (2008) —, mas prefiro entender este disquinho chiliquento, temperamental, como o primeiro capítulo de uma série de HQs sobre uma super-heroína sueca que calhou de acordar com o pé esquerdo. Robyn que se proteja.
Lykke Li entende o funcionamento desse tipo de álbum e, como acontece de forma quase generalizada no pop sueco (o disco é produzido por Bjorn Yttling, do Peter Bjorn and John), interpreta as canções com um distanciamento irônico que altera o sentido das letras enfezadas: elas deixam de soar como desabafos gratuitos e passam a contrastar com melodias que simulam a doçura de grupos femininos dos anos 60. Os hits são facílimos, o clichê do clichê, mas existe algo dissonante nos arranjos, cheios de ecos e efeitos fantasmagóricos que sugerem a imagem de um galpão vazio, abandonado. No meio desse deserto cor-de-rosa, depois de se rasgar toda, Lykke cria o clima sinistro: “O silêncio é meu namorado. Ó, silêncio, eu sou soa namorada.” Uma graça. E assustador.
Underneath the pine | Toro Y Moi | 7.5
O segundo disco de Chaz Bundick pode soar como uma evolução se comparado ao anterior, Causers of this (2010). Mas, pelo menos para mim, a comparação parece quase impossível. Aquele era um disco introvertido, sussurrado, tão nórdico — o novo é um mil-folhas recheado de soul e psicodelia, caixinha de sonho nos moldes de Andorra, do Caribou. Em entrevistas, Chaz diz a ideia era criar um álbum folk, e talvez essa seja uma boa forma de descrevê-lo: é folk music processada no laptop de um leitor de blogs de indie rock (Sonic Youth, Daft Punk e J Dilla estão entre os ídolos do sujeito). Nas primeiras faixas, parece um joguinho frio — mas é no miolo do disco (com as carnudas Got blinded e How I know) que Chaz mostra o plano de voo de um álbum que decola lentamente, vai às nuvens e depois desce ao solo com total elegância. É o que chamam de ataque surpresa.
Hardcore will never die, but you will | Mogwai | 7
Meu preferido do Mogwai ainda é Come on die young, de 1999. Mas admito que o disco me infernizou porque a sonoridade da banda, para mim, ainda soava como um mistério. Era diferente de tudo o que eu ouvia na época: selvageria e delicadeza em medidas equivalentes, free jazz + punk (e a impressão de que havia algo doentio no ar). Com o tempo, a banda teve que lidar com o fato de que esse estilo passou a soar familiar aos nossos ouvidos. Talvez desde Rock action (2001), eles gravam discos que não nos assustam, mas que vão humanizando esse estilo (“space rock”, prog, “pós-rock”, chame como quiser). Hardcore will never die é um dos melhores momentos dessa fase mais desencarnada: você ouve o disco e imagina uma banda ensaiando no estúdio, procurando por horas e horas o “riff mágico”. É uma outra beleza, muito diferente daquela antiga, mas tá lá: ela também nos hipnotiza.
Space is only noise | Nicolas Jaar | 7
A história de Nicolas Jaar é tão cinematográfica que nos deixa à vontade para ignorar o que há de mais frágil neste disco de estreia: nascido em Nova York, ele passou a infância em Santiago (Chile) e estreou na eletrônica aos 14 anos. Space is only noise é o catálogo de referências desse garoto-prodígio (agora com 21 anos): pop francês e jazz, Kraftwerk e trilhas sonoras de ficção científica, minimal e Ray Charles. Os sons desencontrados, às vezes abandonados em vinhetas — mas tudo de propósito, já que o conjunto abre centenas de possibilidades para o próximo disco, vide Flying Lotus e Bibio —, mostram que Nicolas está afinado a um grupo de artistas que vê o álbum como uma espécie de bloco de notas: cada faixa é uma experiência — e a graça não é transformá-la numa canção convencional (mas exceções como a faixa-título e I got a woman provam que o garoto se sairia muito bem nesse ramo).