Love story

Os discos da minha vida (22)

Postado em Atualizado em

A saga dos 100 discos mais apaixonantes da minha vida chega a um episódio muito fofo: os dois álbuns de hoje são afáveis e sedutores – às vezes, no entanto, eles se machucam (e nos machucam) de tanto amar.

E isso é lindo, não é?

Por coincidência (e sempre é coincidência), os descobri em momentos de crise amorosa. Momentos terríveis. Eu era jovem, eu sofria por qualquer dor de cotovelo, eu era um infeliz, eu tinha 18 anos. Talvez ironicamente, escrevo sobre eles no day after de um fim de semana extraordinário, um sonho dentro de um sonho que, em parte, pode ser resumido com os títulos de dois filmes que eu levaria para uma ilha deserta: Amor à flor da pele e Embriagado de amor

E isso é lindo, não é?

Então tá. Sobre essa história toda, não direi mais nada (talvez em forma de metáfora ou com outros recursos literários; mas não hoje, que ainda estou sob choque). No mais, sou um sujeito muito tímido e a vida não é um reality show, meus camaradas.  

E isso também pode ser lindo, não é?    

058 | Moon safari | Air | 1998 | download

Quando ouvi pela primeira vez, lembro que eu, o moleque aborrecido de 18 anos, resmunguei: “Por que tanto paparico pra um disquinho que soa como a trilha sonora de uma festinha retrô, chique e insuportavelmente cool?” Levou um tempo – levou anos! – para que eu notasse como esse clima blasé e às vezes autoirônico (tão francês!) oculta um disco que usa cada artifício pop para criar canções que desgrudam do chão, flutuam, miram o sublime. Todas as músicas evocam a sensação de doce nostalgia (e certa inocência infantil) que é típica das lembranças de um primeiro amor. Mas é Remember que, interpretada pelo robô mais nostálgico da música pop, derrete minha armadura. Dream a little dream. Top 3: Remember, Kelly watch the stars, Sexy boy.

057 | In the wee small hours | Frank Sinatra | 1955 | download

Este é o disco de Sinatra que o seu avô guarda para ouvir sozinho, quando o almoço terminou, os filhos foram embora e a tarde começa a cair. Não é easy listening. Um monumento da música pop, é considerado o primeiro ‘álbum conceitual’, com faixas compostas e organizadas para criar uma atmosfera de melancolia; um deserto noturno habitado pelos fantasmas de amores perdidos. Ok, estamos falando de valor histórico. O que mais me comove, porém, é como Sinatra aceita se mostrar fragilizado nas canções do disco: em como ele as toma para si. O que aparece não é mais a celebridade irresistível, símbolo de masculinidade e elegância, mas o homem comum, abatido pelas dores que afligem outros homens comuns. Um disco de amor absolutamente verdadeiro. Por isso, dolorido (e bonito) do início ao fim. Top 3: In the wee small hours of the morning, What is this thing called love?, I’ll never be the same.

Duplicidade

Postado em Atualizado em

duplicity

Duplicity, 2009. De Tony Gilroy. Com Julia Roberts, Clive Owen, Tom Wilkinson e Paul Giamatti. 125min. 6.5/10

Duplicidade é um filme que poderia ser exibido nas prateleiras da Tok&Stok: prático, funcional, com acessórios discretos, linhas suaves e cores elegantes. Combina praticamente com tudo e fica des-lum-bran-te no canto da sala.

Tony Gilroy é um roteirista de tramas engenhosas (histórias redondas sobre o nada, vide a trilogia Bourne) que, como cineasta, reza a cartilha de Steven Soderbergh. Ambos acreditam na existência de um tipo sofisticado de entretenimento, composto por trilhas jazzísticas, cenários clean, referências vagas a filmes antigos e roteiros que elevam velhas fórmulas da literatura policial a um patamar mais, hum, charmoso e cool.

Em Conduta de risco, indicado ao Oscar, o diretor usava esse estilo frívolo a serviço do perfil psicológico de um homem poderoso à beira de um colapso nervoso. O personagem era vivido por George Clooney, que transitava com ternos bem cortados num mundo corporativo gélido, hostil.

Naquele filme, o diretor deixava a impressão de mapear esses ambientes acinzentados com uma olhar crítico. Da primeira à última cena, acompanhamos um herói desencantado com os códigos que regem as relações empresariais. Duplicidade nos mostra que a intenção de Gilroy talvez não tenha sido exatamente essa.

O cineasta retorna a espaços que esquadrinhou tanto em Conduta de risco (as grandes empresas) quanto nas aventuras de Jason Bourne (as teias de espionagem), só que adota um tom de farsa light que anula qualquer pretensão de profundidade. O diretor usa os símbolos dos filmes anteriores para criar um playground inofensivo: mais ou menos como Soderbergh fez em Onze homens e um segredo, outro exercício de “entretenimento sofisticado” sem muitas ambições.

Aposto que muita gente defenderá este Gilroy “de superfície” — e é um filme dirigido com muita competência, mesmo com as quedas de ritmo provocadas pelo excesso de flashbacks —, mas sinto que falta algo. Uma das primeiras cenas, que mostra dois empresários superpoderosos distribuindo sopapos em câmera lenta, estabelece o tom de charge de uma forma cristalina. Lembra os Coen de Queime depois de ler. Mas, a partir daí, o filme prefere seguir um caminho mais convencional, alternando uma história de amor entre dois agentes secretos (calorosa, multinacional) e uma trama de espionagem cheia de reviravoltas (fria, entre corredores impessoais).

Existe aí um contraste curioso, talvez acima da média do gênero, mas nada muito memorável.

Até agora, Gilroy vai se impondo como um diretor pragmático: filma roteiros com objetividade, sem ornamentos. Como fez com Clooney, aqui ele abre lacunas no design das cenas para destacar o carisma de Julia Roberts e Clive Owen, que retribuem com performances (apenas) corretas. Numa trama que opõe duas realidades — um caso de amor impulsivo e um golpe meticuloso, racional —, o diretor deixa bem claro em que lado prefere apostar. O filme ganha embalo quando abandona a love story e se assume como um thriller para fãs de livrinhos de pulp fiction.

Ok. Soderbergh não teria feito melhor.

em tempo…

set

Esta é a capa da nova SET, que chega às bancas amanhã. A revista agora é editada por uma equipe carioca – entre os editores está Carlos Heli de Almeida; Pedro Butcher faz parte do time de colunistas. Pediram para que este blog divulgasse o lançamento e, como isso nunca aconteceu antes (pelo visto, a estratégia de marketing deles é tão ampla que inclui sites com cinco leitores), taí o informe publicitário gratuito. Admito que eu não lia a revista há um bom tempo e me incomodava tanto com a extrema generosidade dos críticos quanto com a infantilização das capas (Super-heróis e mais o que mesmo?). Mas lembro de uma época em que a SET trazia ótimos textos (de gente como Inácio Araújo, lembram?) e não concentrava o repertório em novidades de Hollywood. Sei que o mercado está em crise, mas, se eu quiser ler sobre o desenrolar de superproduções conhecidíssimas, irei à web. Um pouquinho de profundidade não faz mal a ninguém, ok? (E, depois de ter lido a revista, voltarei ao assunto aqui no blog).