Livros
[chico buarque]
Hoje se vendem menos discos. Faz diferença?
Não, para mim não faz. Tanto é que fiquei sabendo mais ou menos dessas novidades durante as conversas de lançamento do disco. Então me foi apresentado um projeto de lançar o disco pela internet e eu não conhecia nada disso. E aí eu fui conhecer a realidade do mercado. Eu andava longe disso havia cinco ou seis anos e não sabia que tinha mudado tanto assim. A previsão do lançamento de um disco é, em termos numéricos, muito inferior agora. Então, tentei compensar a gravadora, de certa forma, pelo investimento que ela fez, colaborando no projeto de lançamento deles. Internet e aquela coisa do site e tal. Mas isso não é assunto meu. Eu, na verdade, cheguei a uma altura da vida que não preciso mais do disco para sobreviver. Eu já tenho basicamente aquilo que eu preciso, não tenho grandes ambições. Já tenho certa estabilidade financeira e não preciso ficar muito preocupado com isso. Meus discos vendem direitinho, tenho direitos autorais aqui e lá fora. Os livros vendem mais do que os discos, inclusive [risos].
Trecho de entrevista de Chico Buarque à revista Rolling Stone Brasil.
[chuck palahniuk]
“Nos anos 1960 e 1970, os programas de culinária na televisão estimulavam uma categoria crescente de gente a gastar seu tempo vago e dinheiro com comida e vinhos. De comer, eles passaram a cozinhar. Guiados por especialistas em como fazer, como Julia Child e Graham Kerr, explodimos o mercado dos fogões Viking e das panelas de cobre. Na década de 1980, com a liberdade dos vídeos e CD players, o entretenimento passou a ser nossa nova obsessão.
Os filmes se tornaram um território em que as pessoas podiam se encontrar e debater, como fizeram sobre suflês e vinho na década anterior. Como havia feito Julia Child, Gene Siskel e Roger Ebert apareciam na televisão e nos ensinavam a ser óbvios. O entretenimento passou a ser o próximo ponto para investir nosso tempo e dinheiro.
Em vez do buquê, da safra e da lágrima do vinho, falávamos sobre o uso mais eficiente da voz em off, de uma história de fundo e do desenvolvimento do personagem.
Nos anos 1990, nos viramos para os livros. E, no lugar de Roger Ebert, entrou Oprah Winfrey.
Mesmo assim, a real e grande diferença era que podíamos cozinhar em casa. Não podíamos fazer um filme, não em casa. Mas podíamos escrever um livro. Ou um roteiro de cinema. E esses se transformam em filmes.”
Trecho do ensaio Você está aqui, de Chuck Palahniuk, no livro Mais estranho que a ficção.
Trecho | Uncool
“Quando falava com os filhos, Keith percebia que cool, legal, era absolutamente o único sobrevivente do léxico de sua juventude. Seus filhos usavam a palavra, suas filhas a usavam, mas a palavra tinha perdido sua conotação de graça-sob-pressão e queria dizer apenas bom. De forma coerente, ele nunca ouvia o seu antônimo: uncool.
Para alguém nascido em 1949, a palavra traz dificuldades adicionais. Envelhecer é muito uncool. Bolsas nos olhos e rugas são muito uncool. Aparelhos auditivos e andadores são muito uncool. Cemitérios são uncool demais.”
Trecho de A viúva grávida, de Martin Amis
Os discos da minha vida (26)
A saga dos 100 discos da minha vida chega a um episódio histórico. Sim, meu amigo, aqui começa o tão aguardado, o tão especial, o irresistível, o atraente, o galante… Top 50.
Sim, meninos e meninas! Estamos exatamente no meio do caminho. Sabe quando você espia o retrovisor e está muito longe para voltar? É a estrada que tomamos.
A partir de agora, este ranking passa a contar a história dos 50 álbuns que estariam na cabeceira do meu quarto se nela coubessem 50 álbuns. Lembrando (e nunca é tarde para que você aprenda as regras do jogo) que esta é uma lista absolutamente pessoal, que obedece critérios que só eu compreendo. Os discos da minha vida, capiche? Não serve para coisa alguma, mas ganha automaticamente o direito de fazer o download de álbuns nada vulgares.
No capítulo de hoje, dois discos atrevidos. Um bom negócio, garanto. Boa metade de viagem pra você.
050 | Ramones | Ramones | 1976 | download
Um álbum que acompanhou toda a minha adolescência sem que eu precisasse parar e ouvi-lo com atenção. Essas músicas simplesmente estavam por toda parte: nas festas dos colegas de colégio, no walkman da minha primeira namorada, na MTV e na abertura do showzinho de rock. Depois, aos 20 e poucos, decidi que era hora de tratá-lo com algum cuidado, e foi só o começo da maratona: virei noites ouvindo a discografia completa do Ramones, me apaixonando e desapaixonando por um som que sempre me pareceu primário (hey, ho! let’s go!) e essencial. Dizem que o punk nasceu aí. Há controvérsias, mas este também é um disco cujo punch não perde o sentido quando destacado do contexto daquela onda musical. Talvez seja mais prudente encará-lo sem tantas complicações: o som dos rapazes que se vestem de preto, matam aula, enfrentam o bons hábitos, dão de ombros para os penteados simétricos e contam as melhores piadas. Tudo o que queríamos ser e não fomos. Top 3: Blitzkrieg bop, Let’s dance, Judy is a punk.
049 | Histoire de Melody Nelson | Serge Gainsbourg | 1971 | download
Um homem de meia-idade atropela uma adolescente angelical e o que segue é a obra de arte mais provocativa, perversa e, vá lá, sexy desde Lolita. Ou seria mais justo tratá-la como uma versão pop art do romance de Nabokov, com o colorido das latas de sopa Campbell e as melodias familares, adocicadas da muzak? Isso ou aquilo, de uma forma ou de outra, é o álbum mais escandalosamente tocante de Gainsbourg – não à toa, influência óbvia para disquinhos também enloquecidos de desejo como Moon safari, do Air, e Sea change, do Beck. É curto (27 minutinhos) e sedutor: já na segunda audição, nos prendamos por livre e espontânea vontade nesse delírio infernal, o sonho de um homem que não conhece os próprios limites. E o Super-ego, desta vez, teve que esperar. Top 3: Ah! Melody, Melody, Cargo culte.
Public strain | Women
Moro perto de uma livraria enorme. Uma megastore, dessas que vendem discos, bonecos de plástico, revistas, sanduíches de salmão, jornais, DVDs, cartões de boas festas, milkshakes e, antes que eu me esqueça, livros.
A loja é uma das principais atrações (talvez a principal) do shopping que abriram aqui na região. Nos fins de semana, está quase sempre lotada. As filas dão voltas entre as bancadas de madeira. É uma imagem que me agrada: muita gente comprando muitos livros. Sempre me pergunto se eles, esses livros, são lidos. Infelizmente, aposto que não.
Se todos os compradores de livros lessem os livros que compram, as pessoas seriam mais interessantes.
E não quero dar uma de sabichão: eu mesmo fico arquitetando pilhas e mais pilhas de calhamaços nos cantos da sala, na mesa de centro, no deck da tevê. Tenho livros que escoram a minha cama e que caem na minha testa enquanto durmo. E são obras às vezes abandonadas no primeiro capítulo, lidas na pressa, devoradas pela metade ou simplesmente pobres almas ainda intactas, virgens.
As pessoas compram livros que não leem. Compram pensando que, no futuro, talvez consigam lê-los. Compram por comprar. Compram pela capa. Compram para matarem a fome de comprar. Não sei. O que interessa (e chegaremos logo ao disco do Women, prometo) é que esse tipo de amor estranho, interrompido, tão instantâneo quanto passageiro, não consumado, era raro na nossa relação com os discos. Sublinho: era.
Quando compramos um CD, quase sempre o ouvimos na íntegra, mesmo que sem muita cuidado. Ouvimos quando estamos dirigindo, ouvimos na festa ou enquanto penduramos roupas no varal. Lembro que, antes da internet, eu comprava um CD e ficava horas, dias, destrinchando o conteúdo da bolachinha prateada. Era uma análise quase microscópica, quase obsessiva. Como se eu decidisse ler A metamorfose, do Kafka, 20 vezes numa tarde.
Acredito que, hoje, essa história toda mudou. Os discos se tornaram tão virtuais (e literalmente virtuais, como diz o dicionário: existem apenas em potência) quanto os livros. Talvez ainda mais, já que pescamos na web (essa megastore) dezenas, centenas, todos, absolutamente todos os que queremos ouvir, e às vezes os abandonamos pela metade, ou sequer nos damos o trabalho. Há casos em que nos esquecemos deles. Há casos em que escolhemos um disco a esmo e apostamos nele, meio que ao acaso. Confiamos na sorte.
Não sei se é assim que acontece com você. Mas é o que acontece comigo. Em 2010, ouvi 78 discos. Mas nem imagino em quantos esbarrei sem dar muita importância. Tenho certeza de que, em 1994, ouvi cerca de 10% dessa quantidade de discos, mas prestei muito mais atenção a cada um deles.
E isso é bom ou ruim? Melhoramos ou pioramos? Não sei. Só sei que a tecnologia alterou a nossa relação com a música (e principalmente na nossa, ouvintes compulsivos) e esse desejo de urgência – queremos ser conquistados pela capa, pelos primeiros parágrafos, no máximo pelo primeiro capítulo – também deve ter modificado a forma como se cria música pop. Se alguém decidir escrever uma dissertação sobre o tema, eu gostaria de lê-la.
E o Women é um bom pretexto para essa conversa toda porque me parece uma cria e um ruído desse ambiente pós-web. O primeiro disco, de 2008, tinha apenas 29 minutos. E a sonoridade dos quarto canadenses, abrasiva, parecia compactada ao máximo, zipada em minicanções (ou miniprovocações, minitorrentes noise) de um, dois minutos de duração. É um disco que provoca impacto.
Lembro de ter lido algumas discussões em meios literários sobre como as narrativas curtas, em miniatura, espelham a vida alucinada que levamos nas cidades. A estreia do quarteto era um bom argumento a favor dessa ideia.
Não foi, no entanto, um disco que me interessou a longo prazo. Ouvi algumas vezes e guardei. Depois esqueci dele. Por isso comecei ouvindo pelas beiradas este novo álbum da banda, que só vai ser lançado em setembro. Tropecei nele três ou quatro vezes, enquanto ia digerindo outros discos no meu iPod. E sempre que isso acontecia, sempre que eu tropeçava nele, era como se eu tivesse batido o dedão do pé num pedregulho. O Women pode ser ainda uma banda imatura, mas sabe nos impressionar com um som cortante, que nos arranha.
Então nem preciso alertar: Public strain é um disco “difícil”, que amplia as narrativas curtas da estreia da banda e fica oscilando entre as guitarras agudíssimas e dissonantes de um Sonic Youth (fase Murray Street, Sonic nurse) e algumas paisagens sonoras que lembram drone, ambient e outras pirações que irritam muita gente. E é um álbum que parece agonizar. As guitarras se desencontram a todo momento, soam como se desafinadas, estridentes, e criam uma atmosfera rarefeita de desespero. Um deserto vermelho.
O som áspero nos pega de imediato. Mas este é um disco que se beneficia do ouvinte mais atento, aquele que compra o livro e vai corajosamente até o fim.
Public strain (tenso já no título) só começa a soar minimamente palatável lá pela quarta audição, quando começamos a notar a lava de melodia que corre abaixo das camadas de pedra. É aí que se descobre, por exemplo, o dedilhado quase doce de Locust Valley (que tem até refrão, procure lá), o mantra metálico de Heat distraction, o torpor tristíssimo de Venice lockjaw, a linha de baixo quase soul de Narrow with the hall (bem de perto, lembra My girl ou não lembra?), etc.
Fui deixando este disco aparecer de vez em quando e, hoje, ele é papel de parede para os meus dias de apreensão, de desconforto. São muitos esses momentos, daí a necessidade que sinto de retornar ao primeiro parágrafo deste caderno de rasuras e ouvir tudo novamente, repetidamente, como se essas canções quebradiças soubessem tudo o que estou vivendo.
Eu as recomendo, portanto. Com cautela, porém. Caso você as abandone pela metade ou as rejeite por antecipação, eu entenderei. Mas vá lá: guarde-as para um outro dia. Há livros no meu quarto, livros que não li, que provavelmente me pregariam bons sustos, que provavelmente me entenderiam. São feras que dormem, à espera do ataque.
Segundo disco do Women. 11 faixas, com produção de Chad VanGaalen. Lançamento Jagjaguwar Records. 8/10
Young adult friction | The Pains of Being Pure at Heart
No novo clipe do The Pains of Being Pure at Heart, a banda novaiorquina mais escocesa de todos os tempos abre o diário e revela que… são exatamente como nós! Leem livros, esparramam-se no sofá, leem livros, brincam com um esqueleto falso (ok, não costumo fazer isso), leem livros, tocam instrumentos acabadinhos, leem livros e fazem piadas idiotas que só eles entendem. Ah, os anos 90! Dirigido por Art Boonparn, eis o revival do lo-fi. E em que sebo encontro uma cópia de Suicide, de Émile Durkheim? Hum, parece adorável.