Listas
Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 1)
Note a beleza da história: num dos anos mais acidentados da minha vida (quando tudo de errado, estranho e complicado acabou acontecendo), devo admitir que fui salvo pela música. Aleluia.
As canções foram meu refúgio, minha saída de emergência. Fonte de permanente inspiração. Sem elas, eu não estaria assim, saudável. Talvez essa relação de dependência (quase química) explique por que, nesses quase 365 dias, eu tenha engolido muito mais de uma centena de discos (como quem mastiga obsessivamente comprimidos de homeopatia). Uma dieta rigorosa.
Daí que escolher os melhores álbuns do ano, nessas condições, é uma tortura. Não sei por onde começar e, com tempo e ânimo, eu faria uma lista de 50. Tenho absoluta certeza que estou em dívida com cada um deles. Só me sinto meio desapontado com o fato de que os melhores álbuns deste singelo top 20 (e há discos geniais) me lembrarão para sempre de um período que eu preferiria esquecer logo. Talvez seja esse o preço que pagamos pelos efeitos terapêuticos de um bom refrão pop.
Aviso que esta lista é resultado da exposição prolongada aos discos que mais ouvi durante o ano. É o momento de reavaliar álbuns que superestimei ou subestimei. Não venham me cobrar fidelidade a critérios que são e sempre foram/serão abstratos.
Pois bem.
Antes de irmos ao assunto (e este é um blog que nasceu prolixo e vai morrer prolixo; então, paciência), preciso fazer algumas menções honrosas desorganizadas. São elas:
Menções honrosas 1 – 7.5 is the loneliest number (ou: os discos que quase chegaram lá): Ambivalence Avenue (Bibio), Beware (Bonnie ‘Prince’ Billy), Dark days/Light years (Super Furry Animals), Farm (Dinosaur Jr), Jason Isbell and the 400 Unit (Jason Isbell and the 400 Unit), Jewellery (Micachu and the Shapes), Journal for plague lovers (Manic Street Preachers), La Roux (La Roux), Living thing (Peter, Bjorn and John), Logos (Atlas Sound), Only built for cuban linx, part 2 (Raekwon), Phrazes for the young (Julian Casablancas), Wavvves (Wavves).
Menções honrosas 2 – Pratas da casa (ou: os brasileiros): só dois: Móveis Coloniais de Acaju (C_mpl_te) e Caetano Veloso (Zii e zie) , não necessariamente nessa ordem.
Menções honrosas 3 – Adorei o conceito (ou: valeu a tentativa): The crying light (Antony and the Johnsons), Discovery LP (Discovery), Embryonic (The Flaming Lips), Humbug (Arctic Monkeys), Popular songs (Yo La Tengo), Tentacles (Crystal Antlers) e Unmap (Volcano Choir).
E antes que eu esqueça… – Obrigado, não (ou: discos que não desceram): It’s blitz! (Yeah Yeah Yeahs), It’s not me, it’s you (Lily Allen) e Primary colours (The Horrors).
Sem mais preliminares, vamos à calçada da fama.
20. Actor – St. Vincent
Desconfie da aparência angelical de Annie Clark: este é um disco de superfície suave e sentimentos ásperos – um explosivo em tom pastel. Não me surpreendi com a descoberta de que delicadas punhaladas como The strangers e Actors foram inspiradas por Walt Disney… e Woody Allen.
19. The ecstatic – Mos Def
É raro ouvir um disco de hip-hop como este, que desbrava o mundo com entusiasmo e curiosidade (uma das faixas, repare, é apelidada Life in marvelous times). Os versos se aventuram, mas é musicalmente que Mos Def dá o salto largo: do Oriente Médio ao Brasil, taí uma viagem que não passa no Discovery Channel.
18. Watch me fall – Jay Reatard
Jay, o esquisito da vizinhança, cometeu com Watch me fall o pecado número 1 da indielândia: assumiu o amor pelo pop. Vítima do desprezo (previsível) de quem esperava mais agressividade que doçura, o disco arrisca ambições que vão além da cartilha punk. Ótimo saber que Jay tem a coragem (e o talento) para negar o óbvio.
17. I’m going away – The Fiery Furnaces
Em 2009, Matthew Friedberger se fez notar mais pelas alfinetadas contra o Radiohead que por I’m going away, um dos álbuns mais acessíveis do Fiery Furnaces. Mas a polêmica, acredite, serve como uma boa introdução para um disco que vê Nova York pela lente do otimismo e da simplicidade. Encare com o oposto de The eraser.
16. Manners – Passion Pit
Uma banda para nosso tempo: sem conhecer as fronteiras que separam o rock, o pop e a eletrônica, o quinteto brinca com sonoridades à prova de dogmas. E, melhor ainda, sabe se divertir. The reeling e Sleepyhead são alguns belos momentos de uma estreia mais segura (e densa) do que qualquer tinha o direito de esperar.
15. Middle cyclone – Neko Case
Na capa de Middle cyclone, Neko Case está pronta para o ataque. Não é mera ilustração: no disco mais sortido da carreira, a musa pós-tudo cria canções que Sheryl Crow compraria com a alma – atrevidas e delicadas, convencionais mas imprevisíveis. Tudo muito simples (o disco foi gravado num celeiro!) e particular. Em síntese: um furacão.
14. Wolfgang Amadeus Phoenix – Phoenix
Convenhamos: o Phoenix gravou pelo menos dois discos melhores que este aqui. Mas o pop também é uma questão de timing. E, em 2009, finalmente o mundo parece ter entendido a ironia quase britânica da mais americana entre as bandas francesas. Saiu com atraso, mas taí a trilha sonora definitiva para Maria Antonieta, de Sofia Coppola.
13. Tarot sport – Fuck Buttons
Sem a megalomania dos filmes-catástrofe, o Fuck Buttons criou as mais sublimes cenas de explosão do ano. Cinematográfico, Tarot sport altera o estilo do duo (via eletrônica) sem abandonar o essencial: eles ainda nos atropelam com ruídos agressivos e nos fazem flutuar com melodias inesperadamente familiares. Do caos ao céu.
12. Post-nothing – Japandroids
Vancouver pode ser uma terra desencantada: vazia e chuvosa, inspira pensamentos mórbidos. “Antes nós sonhávamos, agora nos preocupamos com a morte”, admite o Japandrois. Além de resumir à perfeição o desânimo de quem vive em cidadezinha assombradas, eles escrevem crônicas doloridas para jovens adultos. Ruidosas, claro.
11. Bromst – Dan Deacon
O segundo disco de Dan Deacon, um dos mais peculiares do ano, tem o design de uma montanha-russa especialmente perversa: provoca angústia, nos perturba com barulhos incômodos e obriga que sintamos o impacto de quedas bruscas e curvas fechadas. Não é fácil. Mas, ao fim do passeio, não há como negar: foi uma experiência sem igual.
Esta publicação foi postada em Álbum, Música e marcada Actor, Bromst, Dan Deacon, Fucl Buttons, I'm going away, Japandroids, Jay Reatard, Listas, Manners, Melhores discos de 2009, Melhores do ano, Middle cyclone, Mos Def, Neko Case, Passion Pit, Phoenix, Post-nothing, Retrospectiva, St. Vincent, Tarot sport, The ecstatic, The Fiery Furnaces, Watch me fall, Wolfgang Amadeus Phoenix.
50 discos para uma década (parte 1)
Então é isto. Ninguém pediu, ninguém quer saber e suspeito que uma parte pequena dos leitores deste blog se sinta ofendida com este tipo de lista – mas, contra tudo e todos, começo hoje uma série de posts com os meus 50 discos preferidos da década. Adianto: selecionar os “vencedores” foi um drama sangrento. Admito que não estou satisfeito com o resultado e que, para fazer alguma justiça a tudo o que ouvi nesse período, a lista deveria conter mais ou menos 250 álbuns. Ainda assim, seria cruel.
Pensei em escolher 100, mas depois achei mais interessante o desafio de cortar na carne. Taí. Como critério para impor alguma ordem no cortiço, determinei o seguinte: só vale entrar um disco de cada banda/artista. Essa regrinha aparentemente simples é dolorida, já que não consigo imaginar uma lista de melhores da década sem a inclusão de pelo menos dois álbuns do Radiohead e três do White Stripes. Ainda assim, resisti aos impulsos destrutivos e segui com fé na cartilha.
Outra restrição (que nem me incomoda tanto): não entram discos brasileiros. Isso só serviria para confundir o que já está bagunçado. Mas fica o desejo quase secreto de, em outro momento, compor um top verde-e-amarelo, para delírio da nação. Prometo que, se vocês pedirem com carinho, pensarei no assunto.
Antes de começar os trabalhos, um ato de justiça: aí vão discos que quase, quase entraram na lista e foram cortados por alguns centésimos. Fica meu abraço para (sem ordem de preferência) United, do Phoenix, Whatever people say I am, that’s what I’m not, do Arctic Monkeys, Cross, do Justice, Gulag orkestar, do Beirut, Bitte orca, do Dirty Projectors, Relationship of command, do At the Drive-In, Vespertine, da Björk, Gorillaz, do Gorillaz, Vini vidi vicious, do Hives, Brighter than creation’s dark, do Drive-by Truckers, The greatest, da Cat Power, The warning, do Hot Chip e… quando eu voltar para a próxima parte da lista, e antes que isto se transforme numa enciclopédia, continuo com os outsiders, ok?
50. Toxicity – System of a Down (2001)
Lançado exatamente em 11 de setembro de 2001 (juntinho de Glitter, de Mariah Carey, mas isso não ajuda em nada no meu argumento), este disco-bomba-relógio-trombeta-do-apocalipse ainda soa premonitório e perturbador, mesmo nos momentos mais estúpidos (e não são poucos, mas duram menos de dois minutos!). É o mais enlouquecido e enloquecedor dos álbuns de new metal – e, brilhante!, o artefato explosivo que detonou o new metal em centenas de pedaços minúsculos.
49. Rubies – Destroyer (2006)
Não tenho muitos argumentos contra aqueles que acusam Dan Bejar (o Sr. Destroyer) de sempre gravar um mesmo álbum. Acontece. Mas Rubies é tão luminoso que quebra até esse tipo de birra: aqui, Bejar continua a produzir novas versões de si mesmo, mas com uma novidade sutil: se deixa polir por uma banda em estado de graça e por uma produção que evita todas as estranhezas fáceis do lo-fi em busca de uma sonoridade elegante, resistente ao tempo e ainda assim absolutamente particular. A dangerous woman up to a point e Watercolours into the ocean reluzem.
48 – Stories from the city, stories from the sea – PJ Harvey (2000)
A última obra-prima de Polly Jean Harvey refina algumas das principais características da compositora (a tensão sexual, a insatisfação amorosa, a agonia à flor da pele) numa atmosfera urbana, sob luzes calorosas e até algum sinal de satisfação e êxtase. A participação de Thom Yorke em The mess we’re in é uma das melhores performances dele na década (e a competição é dura…) e cada canção parece a definitiva. A começar por Big exit, o hino suicida que Harvey sempre tentou escrever. Mas é uma love song, de algum modo perverso e estranho.
47. Person pitch – Panda Bear (2007)
Soa simultaneamente alienígena e familiar, como um álbum do Beach Boys transmitido de uma frequência irreconhecível, sabe-se lá de que cidade. Talvez exista mesmo um lado excessivamente racional nas experiências de Panda Bear e isso tenha me afastado um pouco do álbum, pelo menos num primeiro momento (compare com Feels, do Animal Collective, e tire a prova). Ainda assim, a colagem sonora é de uma doçura que deixa qualquer um desarmado. Lá pela décima audição, digo.
46. Boxer – The National (2007)
O disco anterior do National, Alligator, era um city tour atormentado nas madrugadas de Nova York. Em Boxer, eles criam um tipo mais silencioso e intimista de pesadelo: são canções de amor que podem ser interpretadas como canções de horror, de um jeito delicado e sombrio que só Leonard Cohen sabe fazer (mas com um tino pop que parece até criminoso – eles teriam o direito de soar tão… humanos?). Canções como Start a war, Slow show e Mistaken for strangers já nasceram standards – para um mundo não tão fácil, no entanto.
45. Echoes – The Rapture (2003)
Outro disco que soa como uma premonição – mas, ao contrário do System of a Down, o Rapture viu no frenesi pós-11 de setembro uma chance de explorar sonoridades tão instáveis e confusas quanto o tempo em que vivemos (e levá-las para as pistas de dança, quando possível). Daí este disco confuso – um dos mais confusos da década, e eu entendo perfeitamente a reação desanimada de parte da crítica à época do lançamento -, que contém um dos hits mais poderosos que já ouvi (House of jealous lovers), mas não quer saber de seguir as próprias fórmulas. Erra graciosamente. James Murphy e Tim Goldsworthy produzem.
44.It still moves – My Morning Jacket (2003)
O destino é um tanto injusto com alguns discos. Este, por exemplo, periga ficar conhecido como o último suspiro comercial do country alternativo. Na trilha do Wilco, o My Morning Jacket também abandonaria lentamente o gênero para procurar uma sonoridade mais ambiciosa, com ares de rock progressivo. Mas não conseguiriam gravar um disco tão surpreendente quanto It still moves, um álbum-de-estrada que não se decide entre o country rock, o hard rock setentista e a psicodelia. Faz tudo ao mesmo tempo, como se fosse a última vez – e com uma honestidade tocante.
43. A grand don’t come for free – The Streets (2004)
Um dos discos de hip hop mais inusitados da década veio da cabeça mais-ou-menos-ordinária de Mike Skinner, um inglês branquelo que escreve rimas tão francas quanto posts de blog – o cotidiano cru (e hilariante) de um zé-ninguém. Um chapa. Ao contrário de Eminem, Skinner cria um personagem cômico que ri da própria insignificância, sofre na mão de mulheres insensíveis e aceita ser tratado pelo fã como um amigo próximo. Dry your eyes é o hino de uma geração de adoráveis perdedores.
42. I am a bird now – Antony and the Johnsons (2005)
Um dos discos mais precisos e puros da década: bastam alguns acordes para que qualquer um perceba toda a carga de desespero que envolve a arte confessional de Antony. E melhor: para que se perceba o quão genuína ela é. São canções sem meios-termos: páginas arrancadas de um diário proibido, poesia pop interpretada como hinos religiosos. As participações de Rufus Wainwright, Boy George e Lou Reed soam quase discretas perto do peso emocional que Antony imprime a cada canção. Hope there’s someone é brutal.
41. Bang bang rock & roll – Art Brut (2005)
O rock inglês começou o século dividido entre a grandiosidade dos épicos para estádios (Muse, Coldplay) e um revival dançante do pós-punk (Libertines, Arctic Monkeys). O Art Brut é um caso a parte: a banda assumiu a função de cronista e chargista de uma geração. O primeiro disco ainda soa como uma piada divertidíssima, que tira sarro de tudo o que se move no mundo pop (da empáfia dos semanários britânicos à vida fútil das celebridades). Do segundo em diante, eles descobririam que tudo é um pouco mais complicado. Não sem perder a graça.
Não sei quando, mas depois tem mais.
Esta publicação foi postada em Álbum, Música e marcada 50, Antony and the Johnsons, Art Brut, Destroyer, Geração 2000, Início de século, Listas, Melhores da década, My Morning Jacket, Outsiders, Panda Bear, PJ Harvey, Regrinhas doloridas, System of a Down, The National, The Rapture, The Streets, Top 50.